sábado, dezembro 23, 2006

Subentende-se que....


As informações que tenho são esparsas, seriam, a grosso modo, como pequenos pedaços de papel escritos que são colocados alguns momentos em um balde. Esse todo me forma o conceito que faço de algo ou alguém. Dela, especialmente. Não sei quais foram as primeiras palavras balbuciadas, suas brincadeiras de criança, seu modo de atender e de pegar no aparelho telefônico, suas preferências gastronômicas, se algum dia já experimentou o sabor ácido de um cigarro, quando foi seu primeiro beijo, se dorme de bruços ou de barriga para cima, quais seus sonhos durante o sono, sua preferência física dos homens com quem se relaciona, se ela gostava de Química na escola, se já se apaixonou platonicamente por algum professor, se alguma vez já chorou escondida no escuro por algum acontecimento triste, se já tomou porres para esquecer dos problemas ou simplesmente para celebrar a vida, se usa meias coloridas ou brancas, o que comeu no almoço do sábado passado, enfim, pequenas informações que nos processam mentalmente a imagem que temos de alguém. Porque a pessoa pode ter uma aparência física definida, mas a imagem que temos dela provavelmente não é a real. Fantasiamos, colocamos na pessoa muito de nós, ou daquilo que ansiamos ser ou de quem desejamos ser outrora. Só sei que algumas vezes na semana a encontro no MSN, na grande maioria das vezes à tarde, em horário comercial.
Eu (ou o meu arremedo) -Oi.
Elâiântônia (a personagem principal do fascículo de hoje) -Ó ó ó, quem poderá nos ajudar?
- Só meu padim Ciço poderá estender suas mãos poderosas pra nós ajudar, ó Elâinântônia.
- Mas é mesmo?
-Apois, se é. É e é muito. É porque é mesmo.
-E como faremos?
-Se apegue com ele, reze dez Pai-Nosso e quinze Ave-Maria. Qual seu pedido, ó mineira com dentes salpicados de amarelo em decorrências das mangas comidas em demasia?
-Menino, nem te conto. Hoje eu tirei meu All Star pra lavar e resolvi ir de Havaianas trabalhar. Vc acredita que eu trupiquei meu pé numa pedra? Meu dedão tá todinho esfolado.
-Mas então somente ele, o pai de todos nós, o intercessor do nosso senhor Jesus na terra poderá aliviar sua dor. Reze aí que eu faço as minhas preces daqui.
-Pois então, vamos. Mas ele vai me atender mesmo?
-Vai sim, meu padim olha por todos nós, na alegria e na tristeza, na riqueza e na pobreza, na saúde e na pobreza. Para todo o sempre, amém.
-Êlâinântôniadôlivêira, você aceita o Gumercindo Amâncio Sá como seu legítimo esposo?
-Deixe de ser atoleimado, rapaz, meu pé tá aqui se acabando.
-Desculpe. Padre, interrompa a cerimônia, a noiva tá aqui pra quebrar tudo com essa dor que só meu padim poderá acudi-la.
Todos no recinto oram fervorosamente ao Padre Cícero. Em poucos minutos, como que por milagre, o pé dela se reestabelece. Como prova de tal milagre proveniente do meu santo padim, ouve-se de fundo alguma canção do Los Hermanos, e ela sai rodopiando pela igreja dançando feito uma doida varrida. Ao mesmo tempo, cegos passam a ouvir como na mais tenra idade, coxos largam suas muletas e a acompanham na dança e mais e mais milagres são efetuados por esse país.
Mas agora ela já rompeu os limites da cidade com sua dança frenética. Não se sabe mais seu paradeiro. Passaram-se muitos meses sem notícias de Êlâinântônia. As especulações são muitas. Algumas pessoas dizem que ela se infiltrou em um navio de bandeira liberiana e hoje é backing vocal de uma banda de reggae na Jamaica. Outros acreditam que a moça citada acima entrou clandestinamente na Venezuela e panfleta pelas ruas das cidades pregando a religião Antoniesca, na qual as curas do padre milagroso são as salvação dos homens de boa vontade.
Enfim, a conversa se encerra. Ela precisará desconectar pois daqui a pouco estará entrando na sala de aula da sua universidade. Mas ficam algumas questões no ar. Até que ponto essa moça permite ter sua intimidade devassada por um estranho, quantos metros realmente nos distanciam, o que ela busca em mim todas as vezes em que conversamos, qual a impressão que eu passo para ela, e vice-versa, quais seriam seus amores e frustrações contidas em cada palavra dita, e mesmo nas não ditas. As palavras não ditas são justamente as que denunciam mais sobre nós. Tudo aquilo que não temos coragem de dizer a ninguém, nem ao menos confessar a nós mesmos enquanto esperamos o ônibus que nos levará ao trabalho, à escola, aos compromissos com os amigos. Apagou-se uma luz. Hoje mais uma faceta de Êlâinântôniadôlivêira foi revelada a mim. As personagens no palco dão lugar a outros, com os mesmos medos, alegrias, dúvidas e sorrisos. Sim, porque amanhã será um novo dia. Esse dia nós é uma incógnita. Mas o show precisa sempre continuar. E nós somos as peças principais dessa grande engrenagem chamada vida.
OBS: Texto feito a pedido da minha amiga Elaine, de Sete Lagoas/MG.

4 comentários:

Anônimo disse...

tô emocionada! ó e agora! quem vai secar minhas lágrimas?!

Vivi disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Vivi disse...

Peça ajuda a seu padim Ciço por mim???

Anônimo disse...

hahahahahahaha
nossa o que me fascina em ti é essa sangria desatada de escrever até por encomenda e ser tão fascinante,
jorra inspiração por todos os seus poros,e qt inspiração maravilhosaaaa tu tem prá nos dar,isso brota das entranhas de sua alma...
tu és fera meu companheiro.
SOU SUA FÃNZONA NUMERO 111111111
bjksss