terça-feira, outubro 30, 2007

O pequeno bicudo


Gozado, esfriou de repente. Há horas atrás o sol estava tão forte que incomodava nossos olhos e nos fazia cerrar a vista, passarinho. Passarinho, você é a única coisa que me restou de tudo isso, de todos os sonhos, de todas as vezes em que pensei alto, de todas as vezes em que sorri, de todos os momentos em que chorei, de todas as noites que adentraram o meu ser e me permitiram ser mais lúcido e triste com as notícias que você me trazia, escritas naqueles papeizinhos que vinham em seu bico. Entoavas canções fúnebres e algumas de puro contentamento quando assim achavas lícito.

Olha, passarinho, está na hora de você voar, sabia? Vai procurar seus amigos bicudos, beber das águas puras dos rios que existem por aí, vai encontrares uma passarinha muito jeitosa e com ela terás lindos passarinhozinhos que entoarão seu canto de perpetuação, que alegrará os ouvidos de velhos e jovens, crianças e adolescentes, homens e mulheres, e mesmo entrar na alma de todos os seres viventes desse mundão de meu Deus.

Trazes boas novas a todos os homens, e mesmo a eu, que sou participante de todas as auroras e crepúsculos dessa praia. Veja bem, passarinho. Já te prendi tempo demais aqui na minha presença. Vês quantas pessoas estão sentadas nas suas cadeiras de praia, ou caminhando pela areia? Vai lá, passarinho.

Olha só, você está vendo aquele menino de cabelo preto, meio gordinho, com uma pá e um balde nas mãos? Ele está chorando, estou observando que ele fez um castelinho de areia muito bonito que a onda levou. Pousa no ombro dessa criança, ensina-o a construir os mais lindos castelos e esculturas, afaga os cabelos dele com seu bico, entoe para ele suas canções mais belas e puras, entra na vida dele e não o abandone mais. Fica com ele desde já. Olha só: esse menino está parando de chorar, está correndo ao encontro de sua mãe,e ele tem jeito de quem gosta muito de bichos. Eu acho que ele tem um labrados preto muito brincalhão que o recebe com muitas lambidas quando ele chega da escola, todo sujo e com fome. Tenho certeza de que ele fará uma gaiola muito bonita para você, e te dará de comer um alpiste bem gostoso, que te fará cantar, cantar e cantar com mais força e ímpeto.

Presta atenção: rodeia esse menino como quem não quer nada, eriça suas penas, faz uma pose bem bonita para ele gostar de você, passarinho. E entra naquele coraçãozinho puro e ingênuo de criança. Ajuda esse garoto com os deveres da escola, e quando ele estiver jogando videogame, você fica ao lado dele prestando atenção em todos os macetes do jogo, e o tempo vai passar, passarinho, vocês dois muito amigos e importantes na vida um do outro.

Esse garoto vai crescer, virar adolescente. Esteja ao lado dele no dia em que ele se apaixonar pela primeira vez, quando ele der seu primeiro beijo, quando tiver a sua primeira transa, quando ele passar no vestibular, quando ele aprender a dirigir, quando ele conseguir seu primeiro trabalho, quando ele estiver com sua primeira namorada, até que esse menino se transforme em homem e a vida por si só os levar para caminhos opostos, onde cada um já não caiba mais na vida um do outro.

Tente viver esses instantes, faça esse esforço, porque você já não é mais meu. Te deixo livre, voa muito alto agora, vá descobrir novas árvores, novas nuvens, novos alimentos, novas espécies de passarinhos que você nunca viu e provavelmente vai estranhar. Estou te pedindo para ficar ao lado daquele menino porque aquela criança sou eu, há alguns anos atrás. Uma criança que não sabia o que é viver, que se satisfazia em montar seu ferrorama na sala de casa e incomodar sua mãe pela bagunça. Uma criança que se fartava de balas na hora do recreio e escondia seu monte de chocolates na bolsa da mochila. O menino hoje já não existe dentro de eu, ele morreu quando descobriu que viver pode não ser a melhor forma de simplesmente existir. Esse homem em que me transformei só tem dentro de si uma coisa oca, dura e sem forma. Esse homem descobriu a vileza do amor que provoca repulsa e distância. Mas vai lá, passarinho, vai pousar em novas beiragens. Eu te deixo ir, mas não te permito voltar mais. Agora você está livre pelo mundo. Assim como eu era quando fui essa criança.

sexta-feira, outubro 26, 2007

Somente um devaneio


Movia-se a passos lentos para não acordá-la. Mal conseguia acreditar que, após tanto tempo sem vê-la, estava ali, imóvel, encolhida, dormindo lindamente como uma imagem barroca que não conseguimos traduzir seu olhar, apenas admirá-la e levantar aos mãos para o alto pela beleza do que se vê. Sentia-se trêmulo e esgotado, tentava afagar seus cabelos, sobrancelhas, olhos, orelhas, bochechas, mas, ao encostar nela, se repreendia pois não queria despertá-la do seu sono. Apenas esfregava suas mãos levemente nas dela e sorria, como uma criança que ganhara o brinquedo tão anseado por um ano inteiro.
Então apenas contornava essas partes do corpo com as mãos, desejando a possuir mais uma vez naquele instante, ao mesmo tempo em que as lágrimas lhe escorriam pelos olhos, e se sentia o mais satisfeito dos homens pela singeleza do que via. Era madrugada alta, apenas um barulho de carros indo e vindo, a prazos não contabilizados, e um cachorro desesperado que latia e fazia um eco que lhe percorria a espinha e provocava calafrios. O barulho de grossas gotas de chuva fazia um grande barulho no telhado, e receava que isso viesse a interromper o descanso daquela mulher e quebrar, como uma espécie de cristal que se partiria em mil pedaços, o encanto daquele momento, que por seu desejo se tornaria eterno.
Ah, como era deliciosamente santa e profana sua presença naquele quarto pobremente mobiliado. Ainda conseguia ouvir seus risos estrondosos ecoando pelas dependências da casa, seus passos macios arranhando o azulejo, seus olhos atentos a cada detalhe e arrumando aquela bagunça típica de pessoas desorganizadas, suas roupas cuidadosamente dobradas e colocadas em cima de uma cadeira. Reinava o mais absoluto silêncio naquela casa, mas no íntimo daquele moço vozes, e vozes, e mais vozes lhe davam uma espécie de ímpeto misturada com alegria e tristeza. Alegria pois ela, naquele momento, pertencia a ele, e tristeza pois ela partiria e não se sabia se a veria novamente, impelida pelos compromissos cotidianos que o relegavam a segundo plano.
Pôs as mãos nos bolsos e saiu a vislumbrar a tempestade que caía lá fora. Em alguns instantes as gotas de água molhavam seu rosto, cabelos e corpo, e sentia-se como numa espécie de catarse, ainda não conseguindo acreditar no que havia vivido minutos atrás. Sem se aperceber, colocou seus braços em perpendicular em relação ao corpo, pronunciando palavras ininteligíveis a qualquer curioso, mas percebia-se que fazia uma espécie de oração,na qual balbuciou: "Amém! Amém!!!!"Não se sabia mais se toda aquela água no seu rosto era somente fruto da chuva ou da felicidade que o invadia. Chovia muito. Alguns minutos depois, amanheceu, e ele voltou para dentro de casa embalar o sono daquela que lhe povoava os sonhos mais íntimos.

terça-feira, outubro 23, 2007

Alicerces Rompidos


Tenho me sentido muito só ultimamente, apesar de ter convivido, mesmo que de forma forçosa, com algumas pessoas ao meu redor. Não que estar só seja uma novidade para eu, e nem que isso se constitua um drama. Mas, de qualquer forma, tem sido uma solidão diferente, tenho tido necessidade de contar aos outros o que me angustia e em certa medida me transforma no ser cotidiano que não entende a si mesmo e vê na palavra uma forma de salvação. Antes, em alguns momentos do dia, principalmente naqueles mais silenciosos, me deparava com uma espécie de finalização de algo que não conseguia entender o que seria, muito menos hoje. Mas alguma coisa me fazia sentir como se houvesse um limiar entre eu e o que estava ocorrendo mundo afora; no mundo exterior, havia pessoas chorando, amando, sofrendo, sorrindo, vivendo, cuidando dos seus afazeres, trabalhando, estudando; enfim, vivendo, e eu me sentia à margem de tudo isso, como se eu pertencesse a uma espécime diferente de seres humanos, onde certos tipos de sentimentos eram velados ou mesmo censurados. Como se houvesse uma grande mão que me impedia de viver intensamente certas situações que para os outros são usuais, mas para mim se transformavam em acontecimentos extraordinários. Se eu os vivesse adquiria certa experiência de vida que me transformaria profundamente.

Tenho vontade de dizer, não sei bem o que, o tema pode se soltar por si só no momento propício em que o meu desespero encontra um interlocutor que se solidariza com a minha angústia e apenas ouve o que digo, sem emitir opiniões. Apenas o uso como ferramenta do meu alívio por dividir esse fardo com ele. Mas esse ele não existe, e mesmo que exista tenho receio de falar certas coisas que me afastem dele, porque há pormenores que não podem nem devem ser ditos. Mas não consigo fazer uma distinção do que pode ser de domínio público e do que apenas pertence ao meu íntimo discreto. Só depois que o digo percebo que seria melhor que eu houvesse me abstraído de contar certas coisas.

Nada de extremamente grave, nada punível pelas leis dos homens. A minha vida não é assim tão recheada de acontecimentos extraordinários que possam embasbacar o ouvinte. Tenho uma existência rude e medíocre, que não interessa à grande maioria das pessoas. De qualquer forma gostaria de ser ouvido, compreendido e acariciado, tenho necessidade de que me deixam deitar a cabeça no seu colo e me ouvir divagar, imaginar, sentir, confabular. Nada que uma pessoa carente não sinta necessidade. Muitas vezes uso uma armadura me intitulando auto-suficiente e partidário da solidão, mas em certos momentos sei o quanto me custa esse discurso no qual eu mesmo me vejo desacreditando em algumas situações. Gostaria de que alguém me dissesse algo que me fizesse sair do marasmo, me fornecesse uma lanterna que me tirasse desse túnel em que entrei mas não consigo visualizar saída. As pessoas passam por mim e nem se apercebem que eu as olho pedindo ajuda, atenção, afeto. Não costumo ser tão piegas. Mas tem momentos em que saber que o tempo está passando e a solidão é a sua única companhia consegue desestabilizar o mais equilibrado dos seres. Não que a solidão seja tão ruim assim. Ela é muito benéfica em muitas situações. Mas em outras esse silêncio cortante e constrangedor é uma espécie de maldição devastadora que engole todos que estão pelo seu trajeto. Enfim, acho que já disse o que me afligia. Ah, não posso continuar me enganando. Há ainda muita coisa a ser dita que não consta aqui. Talvez porque nem eu mesmo sei o que efetivamente quero. Só tenho a certeza absoluta de que preciso de alguém que me ouça e me compreenda. Só assim tenho alguma esperança.

sexta-feira, outubro 12, 2007

Vira o disco, cara!


Tenho ímpetos de esmurrar a parede ou me vejo dialogando com um ser imaginário que , ao ser questionado, me responde as palavras mais doces e ao mesmo tempo secas, cortantes, letras que juntas esfacelam meus sonhos e me colocam a par da realidade das coisas, tal e qual devem ser. Acho que enlouqueci, ou ao menos tenho galgado mais um degrau no limiar da minha sanidade mental. Já não se pode considerar que fosse o mais são dos seres, mas agora tenho conversado em voz alta comigo mesmo, imaginando que ao meu lado existe alguém que na realidade não se importa muito com o que faço ou como deixo de proceder. Tenho inclusive feito expressões faciais dignas de um colóquio realmente existente. Antes que você ligue para o serviço de saúde mental de seu município, saiba que ainda assim não estou de todo senil.

Sinto-me esbofeteado pela realidade das coisas, pelo que necessito ver com os olhos da razão mas não consigo ver pelo meu lado emotivo, que tenta mascarar a realidade e me dá tapinhas camaradas nas costas e diz que tudo entrará nos eixos em seu tempo pertinente. Quem me conhece sabe que não sou adepto de caminhadas na praia muito menos a frequento, mesmo morando em uma cidade litorânea. Mas confesso que de vez em quando me acalma sentar em um dos bancos da orla e observar as pessoas, os carros, os grandes edifícios e principalmente o mar, com os navios ao fundo que ficam lá à deriva esperando seu momento de aportar no cais da cidade.

Pois bem, na semana passada estava eu a passear pela praia no final da tarde, precisamente às 17:45, e vislumbrei uma bela cena mesmo para os desavisados que não conseguem enxergar coisa alguma que não os próprios interesses. O tempo estava ensolarado naquele dia, com algumas nuvens, e o sol estava se pondo lentamente entre essas mesmas nuvens, mas ao mesmo tempo o dia ainda estava perfeitamente claro e quase límpido, e, como uma espécie de papel de parede, os prédios e a Ilha Porchat. Simplesmente maravilhosa essa cena. Lembrei-me que disseste um dia que gostaria de vir até aqui andar pelos jardins da praia e senti que possivelmente terias gostado de ver a aurora do dia, que gostavas de divagar olhando para o mar. Senti saudades daquilo que nem mesmo vivi. Estou me tornando patético, podem confabular à vontade entre si durante o café da tarde, eu não me importo, sou um bom idiota que coloca aqui essas coisas piegas e desprovidas de racionalismo.

Não tenho mais chorado, aliás até me sinto oco, como se estivesse numa espécie de letargia provocada pelo consumo excessivo de calmantes. As pessoas falam comigo e eu faço uma expressão de: "Desculpe, não consigo contatenar pensamentos, dirija-se ao próximo guichê". Tenho sido inconveniente e falado somente no mesmo assunto com as pessoas e, na falta delas, tenho repetido frases desconcertantes a mim mesmo sentado no sofá. Tenho procurado um só rosto e suas características nas pessoas com as quais cruzo vida afora. Tenho tentado me ocupar com atividades que me façam tentar desviar o pensamento, mas a mágica se reformula nos momentos impróprios, e confesso que tenho passado a mão pelo colchão durante a noite e sentido falta de alguém que a essa hora está no limiar de sua vigília. Essas horas eu penso: "Puta merda, o que está acontecendo comigo?". Eu viro para o outro lado e tento dormir. E no dia seguinte tudo recomeça.

segunda-feira, outubro 08, 2007

O Putrefato


Essa história de amor-próprio é uma grande conversa para boi dormir. Ah, as pessoas dizem que para amar devemos nos amar primeiro para depois amar os outros. Eu me odeio e te amo. Paradoxal isso, não? Pois é assim que as coisas andam funcionando comigo ultimamente. Eu sei que não te mereço,aliás, digo isso sem parecer pedante nem que me achem como esses cantores comerciais que tocam essas músicas que fazem sucesso durante uma temporada e depois somem da mídia. Você tem qualidades que qualquer homem gostaria de ter e me são inalcançáveis, devido à minha mediocridade e rudeza perto de você. Me responda: se nem posso despertar em você amor, como mereço que sinta algo por mim divergente ao desprezo que me tens em conta? Foi somente sexo, o desejo da carne que nos uniu por aqueles instantes, tudo o mais se resume a invenções fantasiosas de uma criatividade auto-destrutiva. É, teves tanto carinho para comigo naquele instante que me achei a mais contente das criaturas.

Olho para as minhas mãos e lembro que havias dito que gostara delas, embora não tenha dado motivos para tal comentário. Vejo a garrafa de café na mesa da cozinha e me recordo que adoras café,e quando em frente a alguma livraria me vem à mente aquela estante repleta de livros que tens na sua casa, denotando assim o quão tem cultura, e eu,apenas um pseudo-intelectual que adora frases feitas, mas que na sua presença não conseguia balbuciar mais do que meia dúzia de palavras por me achar um perfeito canastrão. Tenho a esperança de que irei te encontrar na próxima esquina que cruzar, a despeito da imensa distância física que nos separa, para sua sorte.

No entanto, também olho para meu "nariz saliente" (palavras suas) e para meus cabelos brancos que crescem incessantemente, sem ao menos pedir licença ao dono da cabeça, e só consigo me recordar que me dizias isso sem a intenção de ofender, apenas comentando e sorrindo. Ah, como esses sorrisos não me saem da memória. Como vives dentro de mim, mesmo que tentes te assassinar a golpes de foice!

E pensar que foi graças a esse blog que você me mandou um recado pelo Orkut, dizendo que gostaria de conversar comigo pelo MSN, há um ano e meio atrás, mais ou menos. Desculpe-me, naquele momento não havias chamado tanto a minha antenção para que me fizesse guardar essa data que hoje me é tão cara. Ali um grito contido havia ameaçado se propagar como a velocidade da luz.

No último sábado fez um mês que lhe conheci. Passaste por mim uma vez, com seu fone de ouvido,e não ouviste quando gritei seu nome. Na segunda vez, os olhares se cruzaram, e algum sentimento inexplicável florescia naquele instante. Sei que não compartilhas desse meu pensamento, mas deixe que o diga a você, mesmo que aches tudo isso algo jocoso e indigno de comentários da sua parte. Estou sendo egoísta e não penso no seu constrangimento, se porventura seu olhos caírem sobre esse texto algum dia. Mas tenha certeza que tenho me anulado grandemente em seu favor. Provavelmente nunca mais te verei. Isso me dói muito, porque a saudade que tenho de você é inversamente proporcional ao meu tão propalado amor-próprio. Sei que nem lembras mais que eu existo,que meu nome e rosto serão apagados de sua memória em breve,se é que já não foram. Mas, como dito acima, eu realmente não mereceria sentimento contrário de sua parte, és grande demais para minha pequenez.

Que coisa ridícula estou escrevendo! Você deve estar achando tudo isso o texto mais escroto já publicado desde a criação da Internet,nos idos dos anos 60. Mas eu sou escroto mesmo.E esse escroto te ama. O que se há de fazer a não ser você fingir que não me conheceu e eu a olhar para a parede e me sentir o mais pulha dos homens?

Ah, imaginem a cena. Há alguns dias, passei em uma rua em que tinham dois rapazes fazendo malabares, aliás, moços bem talentosos,e me lembro que parei alguns segundos para ficar observando seu intento em arrecadar algumas moedas dos motoristas. Dei um sorriso meia-boca e continuei meu caminho. Enfim, o que isso tem a ver com a história mal-sucedida que acaba de ser narrada? Nada, seus bestas.Foi só para encher lingüiça.

quarta-feira, outubro 03, 2007

O moço calado




Tinha olhos, boca, nariz, ouvidos e um quê no olhar que a muitos poderia não significar nada, apenas mais um transeunte na multidão, mas que interiormente tinha significados diversos que nem seu dono poderia expressar. E se comunicava com o mundo através dele. Pelos seus olhos vivos tudo via e ouvia, podria até mesmo perceber cheiros com exatidão do que com o próprio olfato. Pouco falava, mesmo entabulando um diálogo suas respsotas e indagações nada mais eram do que frases formuladas de poucas palavras, o que soaria retardo mental por parte dos desvisados e insensíveis. Mas sentia muito mais do que falava. As palavras que balbuciava eram atos desesperados de tentar se expresar com os homens e suas coisas.


Sentia dores internas que nenhum urologista, clínico geral ou cardiopata poderia diagnoisticar. Era uma dor na alma por se achar tão a vácuo nesse mundo, e sentia isso quando não sabia onde enfiar as mãos ou quando estava andando a esmo pelas ruas e lhe pediam alguma informação que não sabia fornecer, e mesmo quando as sabia tal dor não cessava. Quando isso acontecia fitava seu interlocutor com olhos pidões, como que tentando se desculpar pela sua ignorância.


Ficava horas e horas a fio olhando para a parede e nesses momentos se imaginava nas mais divertidas situações, como quando, por exemplo, se via andando de peito estufado pelas grandes avenidas e recebia comentários elogiosos das moçoilas desacompanhadas; e quando isso se passava em sua mente fértil davas risinhos contidos e piscava os olhos como nos seus tempos de garoto levado que brincava de esconde-esconde na rua, mas que na verdade não sabia que haveria de se perder um dia. Não sabia se porventura seria encontrado.


Às vezes sorria sem motivo aparente, lhe vinham à mente lampejos de alegria por motivo não conhecido pelas pessoas que o avistavam naquele momento, e obviamente nem pelo chorão. Mas surgia um sorriso no canto dos lábios, acompanhado de uma lágrima órfã que teimava em cair de seu olho direito, que, assim como vinha, evaporava pelo ar. Nesses instantes olhava um ponto qualquer e sonhava que haveria de ser um homem grande, rico e feliz por realizar seus desejos ainda contidos pela falta de oportunidades em concretizá-la.


Esse homem ia e vinha calmamente, e nada tinha de especial, porque fisicamente era como os demais, pois tinha estatura média, olhos e cabelos escuros, corpo proporcional, ou seja, não diferia do padrão estético vigente. Não amava ninguém e também não era amado, aliás, poucos se lembravam de sua existência, pois era pessoa não dada a momentos de afeição e também porque provavelmente não havia nele nada que o pudesse ligar a quaisquer pessoas.


Com os vizinhos não passava do formal "Bom dia, como vai?", com seus colegas de trabalho também só dialogava o essencial para o andamento de suas funções, com seus poucos amigos também ouvia mais do que dizia e na sua família era visto como estranho, pois, nas confraternizações, ficava sentado no seu canto predileto e de nada participava, entretanto a tudo assistia como a uma criança que se vê na vitrine observando as últimas novidades de uma marca de brinquedos. Suas tias diziam que não batia muito bem da cachola, e quando lhe dirigiam a palavra corava suas faces de forma escancarada, sendo que suas respostas saíam em meio a gasguejos entremados de sílabas.


Esse homem provavelmente está nesse momento em qualquer de nossas cidades, e mesmo nas zonas rurais. Ele não tem nome, estado civil, pais conhecidos muito menos do que se vangloriar. Esse homem é tímido demais para se rotular com qualquer alcunha. Provavelmente a maioria das mulheres que o virem o desdenharão, pois nada tem de atrativos físicos, sendo até sedentários demais. Ele diz que tem vergonha de frequentar ambientes onde o culto ao corpo é tão escancarado.


Certo dia um conhecido seu que não via há muitos anos o encontro pelo mais puro acaso e ficaram conversando durante alguns minutos, em cada qual fez um breve resumo de suas vidas durante aquele tempo de ausência mútua. Mas na hora em que esse homem foi indagado sobre os grandes aconrtecimentos de sua existência, engasgou, deu aquela famosa corada e nada conseguia dizer. Por que isso? Oras, porque na vida desse homem nunca acontecia nada de extraordinariamente novo. O aspecto mais emocionante de sua vida é ir sozinho ao cinema, muito de vez erm quando, munido com seu saco de pipoca doce, imaginar que viverá algum dia aquelas histórias bem melosas de amor.

segunda-feira, outubro 01, 2007

Psicologia de um apaixonado


A você, reconhecível na multidão e com nome completo, CPF e RG; a você, que me conquistou com o seu olhar, seu cheiro, sua pele, seu toque, sua boca, seus braços, pernas, costas e sexo. E mais uma vez a você, que tem um rosto tão lindo e não se deu conta disso, com um sorriso por vezes sarcástico, seus olhos pequenos e essa boca tão bem desenhada. É com você mesmo que estou falando, não adianta aumentar o volume da música do MP3 e ficar olhando para os lados. Você sente e sabe que falo de você.

Aliás, sou eu quem não consigo olhar nos seus olhos sem medo que encontrarei neles,desviando o olhar com receio de me entregar e sofrer ainda mais, pelo que sinto. Eu tive tanto de me controlar, o meu desejo era de te abraçar e te beijar, tentar perpetuar ainda mais a sua presença em mim, por mais que os períodos de ausência sejam demasiado longos. Sei que essa situação lhe é desconfortável, mas por favor tente não dizer nada agora, só me ouça. A você, que revelou um eu não existente, mas ausente. Alguém que eu não supunha existir e se revelou em hora totalmente inesperada.

A você, que por alguns momentos foge da minha memória e quando retorna traz em si lembranças imensamente mais fortes do que as deixadas anteriormente. A você, que me trouxe um quê de vida e a esperança de que ainda podemos acreditar nos homens. Ah, é você sim, que chegou na surdina, saiu sem tentar deixar rastros mas deixou a casa silenciosa, vazia, monótona e com as suas marcas pelos cômodos, como se fossem pinturas abstratas que somente seu autor pode explicar.

Palavras me faltam para lhe descrever, só sinto sua presença não sólida me rodeando e reclamando dos meus cigarros. Aliás, cigarros que acendo um atrás do outro por não saber como me portar perante você, e também para não acariciar seu rosto e me sentir culpado por estragar a nossa amizade, que percebi ser muito maior do que o amor que tenho por você. Pois é, eu te amo. E você não me ama. A noite ainda será longa, esse silêncio me perturba e conforta ao mesmo tempo. Preciso ficar sozinho, mas ao mesmo tempo estou ansioso pelo dia em que lhe verei novamente, mesmo que não faça idéia de quando será isso. Vou acender mais um cigarro e tentar dormir, é só o que me resta nesse instante.

Você deve estar achando tudo isso uma tragicomédia e pensar que eu daria um bom autor de livros românticos para mocinhas ingênuas. Mas atire a primeira pedra quem quando ama não dá a cara para bater?