segunda-feira, agosto 30, 2010

O Inominável


Acho que meramente dispensável de apresentações verbais. O salão já estava escuro e as pessoas acomodadas quando ali cheguei. Sentei-me de maneira confortável e pus-me a observar as feições dos vizinhos de cadeira, daqueles que provavelmente dividiriam comigo a emoção da música, de intensidade diferentes, mas de alguma forma especial e diferente: éramos vários que se transformariam em algum exato instante futuro em um só, sentindo nos poros o som da música que adentraria nossas mentes e corações. Sem mais delongas, as cortinas se levantaram e a orquestra começou a tocar aqueles sons que revelaria o dom de emocionar e evocar sentimentos e sensações nostálgicas mesmo nas mais jurássicas e débeis criaturas. E dentre elas lá estava eu, mesmo cansado após um longo dia de obrigações cotidianas.
Abstraí-me, segurei em sua mão, respirei longamento e fundo e me entreguei ao novo. Ao obscuro deliciosamente incrível que me fazia concatenar os sons e formar imagens de infância, quando corria na areia da praia e formava castelos com pá e balde.
Assim é o som que emana do mais fundo da nossa alma, ou melhor, a que tem a propriedade de tocar no nosso mais profundo eu, fazendo sorrir os adeptos do azedume e chorar os mais incautos ranhetas. Que me perdoem os adeptos dos hits musicais proclamados nos programas populares dominicais ou mesmo nas micaretas que proliferam o ano inteiro, mas nada como as negras vozes roucas do jazz ou mesmo a batida gostosa de uma boa bossa, ou quem sabe mesmo uma música lírica, apenas instrumental. Alimenta-nos não o corpo, mas a alma. Como necessidade física que temos de ar, água e comida do corpo. Ás vezes é preciso uma massagem na alma.
E nada como uma boa música, um bom papo e umas boas risadas, mesmo que internalizadas. Como no instante em que estava em público: me lembrei de coisas bobas e risíveis que me dizias, e sorri, com as mãos entre as pernas. Como um garoto se lembrando do sumo da manga que escorreu pela roupa ao pé da árvore. Ou assim como mãos que se entrelaçam no escuro da noite e sussuram doidices pelas tardes nubladas.