segunda-feira, agosto 31, 2009

Sobre o diferente


À esquerda, uma nesga considerável de mar, tendo ao fundo a faixa de areia com alguns guarda-sóis e pessoas tremulantes pelo sol escaldante e alguns coqueiros, juntamente com as bicicletas e automóveis circulando vagarosos. À direita, asfalto, construções, casas, edifícios e mais pessoas. Ao fundo verde. Eu no meio, ouvindo suas colocações sobre a hierarquia humana. E no meio também sem saber como reagir perante uma visão que em nada compartilho, quando se tem em vista os que não tiveram tantas oportunidades e por isso estão à margem, relegados a uma espécie de limbo invisível que nós mesmos criamos quando não queremos ver o que acontece à nossa volta. Não estou querendo dar uma de bom samaritano e me autointitular o mártir dos pobres e necessitados, se nem eu mesmo consigo suprir as minhas necessidades básicas e supérfluas. Apenas falo de como reagimos ao diferente, por mais que queiramos ser lugar-comum e dizer que respeitamos (pero no mucho) a opinião alheia. No momento presente ao ocorrido, até fazemos cara de paisagem perante o despautério proferido, mas, ao nos encontrarmos em meio ao café da tarde na casa do vizinho, logo colocamos as mãos nas bochechas e suspiramos: "Ai, Jesus, que alma pecadora, perdoa-lhe por não saber o que diz."

O que eu apenas quero dizer é que não tenho a intenção de dar lição de moral alguma, mas apenas perceber mais uma coisa que você me fez aprender, mesmo que de forma inconsciente: ainda não aprendi a respeitar a opinião alheia. Posso não concordar e mesmo não saber como refutar sua opinião, mas internamente tenho ímpetos de te mandar para o raio que o parta com sua ignorância e cretinice. Talvez o cretino seja eu mesmo, mas é muito fácil supor que isso eu não confesse ao psicanalista muito menos à senhora que me pede ajuda para escolber o almeirão mais fresco na feira de domingo.

Me sinto a personagem do livro A Náusea, Jean Roquentin, de autoria de Jean-Paul Sartre, quando eu ouço os indefectíveis celulares e MP4 nos coletivos e ruas, com seus proprietários e meros ouvintes escutando os novos hits sertanejos e do pop trash. Não aprendi a respeitar o gosto musical alheio, ou a falta dele. Tenho a mania de praticamente obrigar à força de decreto que as pessoas que convivem ao meu redor tenham o mesmo gosto musical que eu. Obviamente nunca consegui. Ao menos continuo insistindo como bom teimoso que sou apontado pelos conhecidos e inimimigos.

Tão entretido persisto em perceber o que há de semelhante entre eu e o próximo que me esqueço do diferente, que se constitui em tantos aspectos. Que eu pare de me surpreender com aqueles que pensam, agem e vivem de uma forma diferente da minha. Que eu não reclame mais com o guarda de trânsito quando a senhora fala da prima que não pagou o sapateiro no mês passado. Que eu não seja tão ranzinza quando um grupo de adolescentes emos barulhentos e nojentos cruzam meus caminhos com aquelas caras de eterno nojo e estupefação. Que eu não rogue pragas contra todos os amantes de carne cozida e bolachas Maria. Pelo bem da minha estética, para a prevenção de rugas e cabelos brancos que ostento em excesso.

quinta-feira, agosto 06, 2009

Sobre o Rodrigo


O cenário da história se passa no bairro da Ponta da Praia, na cidade de Santos, litoral do Estado de São Paulo. Seu principal e única personagem é um rapaz de cabelos claros e traços europeizados chamado Rodrigo, regados a muito rock´n roll heavy metal, fumaças de cigarros Marlboro e algum sexo, para que atraiamos assim mais leitores para a história. Pareceria mais uma história comum, se você, caro leitor, não tiver o feeling para perceber quando se está diante de algo ou alguém cuja extração da essência resultaria em histórias riquíssimas e algumas lições de vida.

Só sei que desenrolar as teias de aranha que envolvem o ser humano e caracterizá-lo como matéria viva é tarefa das mais ricas, mas, ainda que assim seja, considero-me despreparado para descrever a personagem que tenho à mente de forma que consiga englobar um mundo que ele contenha dentro de si. Mas assim assumo o risco, por minha conta e risco. Que falte algo, pois algumas coisas sempre haverão de ser omitidas. E que eu ainda assim saiba usar as palavras corretas de acordo com aquilo que sinto e ajo.

Certas pessoas não são dignas de nota e, mesmo que o sejam, não nos forneceriam subsídios para nada mais do que uma anotação esquecida no bloco de notas guardada em alguma gaveta perdida pelo apartamento. Há tempos não sei notícias do moço descrito acima muito menos o que estará fazendo da vida, mas mentalmente e periodicamente, acrescento anotações mentais acerca dele. Sobre o caráter, a inteligência, a ironia fina e principalmente pela característica mais importante tudo: a sabedoria em um recinto de cretinos.

Não posso deixar passar a inteligência em um tempo em que o cérebro foi relegado a material de segunda linha e cada vez mais defenestrado pela sociedade em geral. Pensar está se tornando material de luxo e quem o faz cotidianamente é cada vez mais encarado como extraterrestre. Pois são os seres intergalácticos que me importam, eles que eu quero sentados no chão da sala formulando as teorias mais descabidas entre uma garrafa de cerveja e outra. E com boa música de fundo, obviamente. Eu quero ser instigado até meu cerne, eu quero pensar no novo sempre, ser alargado nem a fórceps. Pessoas que me fazem bocejar são cansativas. Eu quero que não me façam dormir, pois fechar os olhos me traria a sensação de tempo perdido e não aproveitado. Não aprendido. Não vivido e nem sentido. E com o Rodrigo eu tenho tudo isso, no pouco tempo que tivemos de convivência.

Pessoas banais eu encontro sentadas no banco da praça, mas pessoas instigantes eu sou obrigado a amarrar no pé da mesa e só deixar saírem da minha vida quando eu tiver sugado o máximo possível. E que eu ainda ultrapasse esse máximo.

Esse rapaz é o Rodrigo.

Ele é meu amigo.

Feliz Aniversário, rapaz. Tudo de bom pra você hoje e para todo o sempre. Ainda viverei para te ver entronizado no mesmo patamar de Melhem Adas, Milton Santos e Aziz Ab´Saber.