sábado, dezembro 29, 2007

Clarice + Eu


Enquanto passava a mão pelo cabelo recém-cortado, os pêlos do meu braço se arrepiavam, sentia o gosto salgado das lágrimas que cismavam em se desfazer na minha boca. Ao mesmo tempo, sentia como que seu olhar enigmático, confortante e desafiador. Foi uma experiência mediúnica. Sentia Clarice Lispector a meu redor, durante a apresentação teatral em que eram encenados dois contos de sua autoria.

No palco, três atrizes a representavam: Clarice jovem, com um livro que a absorvia e a mantinha entretida; uma outra Clarice, já madura, escrevendo alguma coisa em sua máquina de escrever e, finalmente, uma terceira Clarice, tão madura cronologicamente quanto a segunda, de turbante, cigarro na mão e pose altiva, que circulava pelo espaço proferindo seus pensamentos como que chicoteando o espectador. Algumas pessoas até riam de sua impetuosidade, mas para mim aquilo era um choque interno. Era eu vivendo nas suas palavras, ou a minha experiência de vida metamorfoseada no que ali era dito.

Minha paixão por ela é notória e não me esquivo de dizer que nunca me senti tão estapeado e retratado como quando tive meu primeiro contato com sua literatura. Infelizmente ela nos deixou há 30 anos, mas seu espólio permanece intocado em todo aquele que a sente. De forma visceral e crua, como um espelho que se quebra, jogando os cacos no nosso eu mais íntimo e indevassável. Despedaçando não o visível aos olhos, mas o que se sente no profundo, nos desnuda e provoca estupefação com as dúvidas que surgem abruptamente e cujas respostas não parecem ter solução.

Palavras me faltam para descrever nossa relação. Surge um vazio, um olhar, um toque e suas palavras, que rasgam internamente e provocam o nascimento de novos seres adormecidos dentro de mim. Simplesmente a sinto e a compreendo na sua busca de se solucionar como ser humano, vivendo uma espécie de vida dupla: aparentemente, uma senhora de ascendência ucraniana autora de grandes sucessos, mas dentro dela havia a necessidade de se expressar. Mas comunicar o que? Tampouco ela sabia. Mas suas tentativas foram imensamente válidas. E continuo sendo tocado sempre que a descubro.

Ah, bem lembrado. Na quarta-feira passada pensei muito em ti. Quando vi meu rosto refletido pelas lentes dos óculos escuros da Vivi (gostei muito de reencontrar você e o Guilherme, te desejo tudo de bom), me pus a ajeitar o cabelo, recordando de quando saí do banheiro com os cabelos molhados e despenteados. Você sorriu e tentava arrumá-los, dizendo: "Assim não, está muito pueril". Me deu um nó na garganta e tive a certeza de que algo mudou em mim, não sei se para melhor ou para pior. Não restou muita coisa, me sinto mais oco e duro, sem saber como continuar. Mas há de se insistir, mesmo sem fé alguma.

sexta-feira, dezembro 14, 2007

Ode ao cofrinho


Yes, nós temos bananas, café e palmeiras nessa terra tupiniquim alcunhada outrora como Brasil. Temos também derrières, ou mais vulgarmente falando, temos bundas e mais bundas, que se mostram lascivas e devassas pelo nosso imenso território, desde a badalada praia de Copacabana até mesmo em algum riacho pouco conhecido da nossa Amazônia. Podemos também falar dessa parte do corpo chamando-a meigamente de nádegas, ou região glútea. Sendo assim, podemos denominá-la da forma como melhor preferimos.

Mas atente para o fato de que o tema desse texto seja justamente essa parte do corpo tão afamada pela população masculina do nosso país. Não sou nenhum depravado. Bom, falando sinceramente, sou muito depravado nos momentos em que me convém e nos não convenientes também, mas não é isso que está em questão. O que se coloca na mesa é o cofrinho de Laura Villela.

Mas quem seria essa moça?, perguntam-me os leitores desse blog que desconhecem esse nome. Laura é uma moça ainda na mais tenra idade, com seus 20 anos completados há pouco, criada nas ladeiras e grotões de Santana, bairro da Zona Norte paulistana, que não se faz de rogada e exibe sua derrière por todos os locais aonde passa, sem a maior cerimônia. É assim mesmo: você apenas vê um pedaço de suas nádegas que insiste em pular da calça, sem que ao menos sua dona se dê conta de tal fato. E assim se sucede diariamente, ou ao menos nos momentos em que convivo com essa moça, que também é famosa pela sua cara de barraqueira e sinceridade, usando suas palavras amorosas a torto e a direito sem se preocupar com a expressão assustada da pessoa a quem dirige suas opiniões.

Mas creio que essa sua exposição exagerada seja apenas um sintoma físico de carência afetiva, ou simplesmente a metáfora de sua inadaptação ao sistema e revolta interior e exterior por algo que ainda desconheço. Preciso conversar mais com essa moça para saber os motivos de tal revolta, que se traduz em cofre exposto publicamente, na maior impudicície. Sem maiores preocupações com as consequências judiciais que tal fato venha a lhe provocar. Laura, você ainda poderá se ver nos tribunais por causa dessa sua mania desenfreada de expor sua intimidade assim, sem ao menos perguntar se os visualizadores concordam com isso.

Mas nada pode ser feito, ao menos momentaneamente, para impedir que Villela, como a chamo carinhosamente e também nos momentos de briga (nunca nos estapeamos, mas preciso dar veracidade ao texto), mostre assim desarvoradamente sua derrière. Só me resta verter lágrimas de sangue pelo seu costume nada condinzente com uma moça tão fina.

Em alguns momentos, inconscientemente, também exponho meu cofre em vias públicas, claro que sem me aperceber disto. Mas não vejo nisso mal algum, é apenas uma parte do meu corpo que se rebela contra a ditadura da vestimenta ocidental e se revolta automaticamente, alheia à vontade de seu dono de se mostrar.

Neste momento, moças, na sua maioria expõem suas nádegas nesse país tropical, nas praias, rios e mesmo na intimidade de suas residências. Mas isso não impede que também moços pratiquem tal ato, embora com menor frequência. Não pense que sou partidário desse ato, sou um rapaz de respeito.

Apenas constato os fatos e os transcrevo. Ou seja, mesmo que não queria, vejo bundas e mais bundas que se mostram sem que eu lhes peça. E isso nada tem de anormal. São apenas desejos incontidos que afloram, renascem ou mesmo morrem. Simples assim.


sexta-feira, novembro 23, 2007

Nu


Eis-me nu. Vestido com as roupas que o Senhor me deu. Sem nada a esconder as vergonhas e todo o resto. Exposto ao frio, ao calor, à chuva, ao sol, enfim, às intempéries da natureza. Conheceste agora tu que me vês assim, não somente a carne, mas sim os sentimentos que exponho como ferida em brasa e brado alto em praça pública. Aqui estou, na presença de todos, expondo aquilo que fui, quem sou e o que porventura serei um dia. Apenas nu, sem apetrechos alguns nas mãos, e estas nem ao menos a esconder o meu sexo. Mas por que estou nu?
Nu porque assim viemos, e assim voltaremos. Não nus somente com a roupa que reveste nosso podre corpo, mas nus de alma, de espírito, nus de flagelos e sentidos. Não se espante com essa visão, estou apenas nu, ou pelado, como quiser interpretar. Pelado sim, e que mal há nisso? Sim, estou cometendo um grave atentado ao pudor, bem o sei. Mas continuo nu enquanto não me cobrirem com alguma coisa que, além de me aquecer o corpo, possa me fazer compreender a alma dos homens, que, além de tudo, é nua de nexos.
Nu sou eu, nu é você, nu somos nós. Estamos todos nus diante do espetáculo que se apresenta durante as vinte e quatro horas do dia. Não sabemos o que fazer da nossa nudez. Muitas vezes nem nos damos conta da nossa nudez. Não a física, mas a nudez da alma. Nus ficamos quando não percebemos que não é a nudez que choca as pessoas, mas nosso caráter, ou a falta dele. Veste sua capa de sacripanta e pensas que com ela estarás acima do bem e do mal, do julgamento dos homens, e quem sabe do divino também? Há que atentar a todas as hipóteses, no momento em que se conta com o privilégio da roupa em uma terra de gente nua. Mas há o tempo. Ah, o tempo, esse destrói não somente os castelos de areia e molda as pedras das cavernas, mas também se encarrega de todas as torpezas nossas de cada dia.
Mas continuas tão ou mais nua do que antes. Há pureza e beleza na nudez, mas também há canalhice e sordidez. És canalha e sórdida, minha cara. Tens beleza e encantamento, brilho nos olhos que escondem, ou melhor, apenas ofuscam que está mais nua do que todos os outros. A nudez que fere quem te expôs a falta de vestimentas não somente com lascívia, mas teria oferecido a ti sua capa ou mesmo a vida para cobri-la nos momentos em que necessitasse.
A nudez que apagaste da sua lembrança e preferes expor como inexistente. Mas há a nudez, mesmo que feches os olhos e não se permita vê-la. Estás tão nua quanto todos os outros, que já não se assoberbam com o que tem diante dos seus olhos nos momentos mais improváveis do dia.
Nu já era antes de ti, e nu continuarei, provavelmente ainda mais despido, se é que isso pode ser possível. Há sol agora, e continuará havendo sol enquanto houver inocência e estupefação diante dos homens e todas as suas coisas. Estou nu principalmente por causa da minha ingenuidade. Cheguei a rasgar o restante dos trapos que usava para me despir diante de ti. Mas nem assim percebeste que havia ali mais que um encantamento, havia amor.
Sim, nu continuo e imediatamente nu me prostro diante de quem quiser visualizar a minha nudez. Não é vergonhoso ser visto nu pelos outros. Mesmo que eu não aceite a condição, eu ainda continuo nu por sua causa. Mesmo que a razão me diga para costurar as minhas vestes, nu continuo. Por você, sempre nu.

domingo, novembro 11, 2007

Sob efeito de narcóticos


Ao vê-la de longe, comecei a sorrir nevosamente, baixei os olhos e comecei a estralar meus dedos antes de os colocar em forma de concha entre as pernas. Somente eu enxergava essa claridade que me ofuscou a vista assim que se aproximou, e que provinha dessa mulher. Juntava-se à luminosidade que nascia dentro de mim e essa mescla de luzes me fazia cantar mentalmente uma música que me enchia de uma calma avassaladora, como seuma caixa de soníferos me fosse empurrada garganta abaixo. Havia me prometido ser enxuto com as palavras e as medir rigorosamente antes de proferi-las, sob pena de tê-la mais uma vez afastada dos meus olhos. Poderia me portar grosseiramente, se as situações assim apresentadas pedissem tal providência.

O lugar estava vazio, e só me dei conta de que ela havia sentado ao meu lado quando a garçonete colocou sobre as minhas mãos estendidas o cardápio. Não me recordo do que havia pedido para consumir, só me surgem vagas lembranças de que era alguma bebida quente com chocolate de gosto levemente amargo. Não comi nada por receio de me allimentar na sua frente, por medo de me sujar e provocar nela ainda uma pior impressão, como se deixando se saciar a minha fome provocasse nela uma espécie de transgressão de valores a meu respeito.

- Oi, o que você gostaria de falar comigo?

- Nada em especial, apenas senti sua falta. Gostaria de saber de você, como está seu trabalho, seus amigos, livros, discos e tudo o mais. Se não estiver pedindo muito, é claro, não quero ser invasivo, sei que você não gosta de se expor e tenho muito medo de perguntar algo que lhe ofenda. Já percebi que não permites que saibam de você mais do que julga necessário. Mas, olha, eu não te pedi para vir me encontrar porque queira saber da sua intimidade, me perdoe se pensar assim, não foi a minha intenção.

Percebi que havia falado muito além da conta e que as minhas pernas tremiam imensamente, procurava esconder isso dela e tinha a meu favor o fato de que meu tronco mantinha-se razoavelmente estabilizado, por mais que demonstrasse meu nervosismo ao segurar a xícara.

Havia ensaiado o que diria a ela desde que havíamos marcado tal encontro, mas na hora do desenrolar dos fatos geralmente profiro sentenças que nada correspondem ao que havia planejado anteriormente, sendo assim começo a gaguejar e me arrependo de ter sido tão impetuoso.

Mas era tarde, as letras haviam sido golfadas naquela mesa e qualquer deslize meu poderia custar um valor altíssimo para a minha atual condição emocional.

Felizmente sua paciência ainda não havia se esgotado e ela continuava a conversar normalmente comigo. Aliás, de forma convencional demais. Tinha desejo de sacudi-la e dizer: "Pare com esse teatrinho de fingir que nada está acontecendo e que você não percebeu! Tu sabes que me tens nas mãos e que pode me aniquilar com um leve toque entre seus dedos. Não vês quanto sofro por sua causa?". Mas se assim agisse ela simplesmente balançaria a cabeça, mudaria de assunto e internamente me odiaria ainda mais. A mim restaria acender mais um cigarro e lutar insistemente para que a fumaça não encubra ainda mais a minha visão em relação a ela.

E me dizia amigavelmente tudo o que supostamente havia perguntado. Mas na verdade vos digo que não estava muito entretido com as notícias e pormenores da sua vida, apenas buscava observar sua imagem, gestos e palavras, tentando reter o máximo possível na minha memória, para que aquele momento único não se perdesse nos dias seguintes em que sua presença haveria de ser apenas uma saudade alucinante que invadiria meus sentidos e se transformaria em dor física. Pensava da seguinte maneira: "Agora já não tem mais volta, darling, já estás dentro de mim, invadiste sem querer todos os meus recantos profundos e neles fizeste uma maravilhosa anarquia de sentimentos e sensações. Mesmo que eu tenha plena consciência de que para você nada significo, já moras aqui dentro, no grito contido e no silêncio abafado, nas madrugadas insones e nas tardes calorentas, nos momentos de lucidez e nas devaneios desvairados. E isso vai se perpetuar, mesmo que em episódios fragmentados, enquanto resistirmos nessa vidinha medíocre que nós dois temos. Me fizeste descobrir a paixão e o seu desespero, mesmo que tenha sido tão vítima quanto eu nesse emaranhado de vibrações."

E os minutos iam passando, ambos monossilábicos em alguns momentos, enquanto nos restantes havia muita coisa a ser compartilhada. Sentia-me imensamente contente por ser confidente destes detalhes dela que possivelmente poucos sabiam. E ainda um leve torpor invadia-nos, os dois muito polidos e sensatos.

Até que chega o momento da despedida: "Bom, tenho que ir, me desculpe, foi muito bom te rever, espero que fiques bem e te cuides". Agradeço de forma cortês, e me permito um ato de euforia sem o consumo de psicotrópicos. Agarro sua mão direita entre meus dedos, toco-o levemente e com meus dedos indicador e polegar acaricio suavemente sua palma, e digo, levantando meus olhos e sorrindo infantilmente: "Gosto tanto de ti...Sabes disso, não?"


terça-feira, novembro 06, 2007

Tapa com luva de pelica


Só fui me aperceber do acontecido mais ou menos uma hora após o fato consumado, como se estivesse numa espécie de anestesia que parou de fazer efeito neste prazo. Era como se a minha face ardesse em decorrência de um tapa bem dado e desferido juntamente com poucas palavras, que adentravam meu interior como um vento que destelhava casas e arrastava automóveis. Foi um belo final de tarde, com as nuvens em coloração que lembrava entre o rosa e o laranja, e abaixo a vegetação muito verde e alguns outdoors. No sentido contrário da estrada, muitos e muitos automóveis provocavam um pequeno congestionamento. E, ao meu redor, algumas pessoas que dividiam comigo aquele ônibus, cada qual com suas vidas para se preocupar e acontecimentos pitorescos de feriado para contar aos amigos e recordar com doces lembranças.

O ar condicionado gelava os pêlos do meu braço, e foi quando fechei a pequena abertura que fornece ar individual foi que tomei conta de que há alguns momentos havia experimentado mais uma vez a morte, como, aliás, já vivenciei em alguns momentos, alguns dos quais nem me dei conta, apesar do tempo decorrido. Nada de muito dramático nem que provoque estupefação nos presentes. Eu não desci ao solo nem foi necessário que chamassem uma junta médica para a minha pessoa. Em muitos momentos não consigo exprimir com palavras o que acontece, eu apenas sinto. O que sinto é maior do que aquilo que escrevo, como se houvesse algo velado que não pudesse ser revelado nem a eu ou simplesmente não consigo encaixar letras, que formam palavras, e consequentemente frases. Mas mesmo assim me proponho a tentar verbalizar a emoção, por mais que ela me faça de bobo e se esconda atrás do não-dito.

Mas sim, houve a morte de alguma forma na minha vida, a partir do momento em que me vi obrigado a modificar sentimentos por força das circunstâncias. Uma mudança imposta, onde não vi saída a não ser a transformação de algo em simplesmente nada, inexistência, negação, um grande baque. Uma imposição, não uma escolha. Eu me vi obrigado a modificar sem que me fosse perguntado se isso é bom ou ruim. Não pude escolher qual dos dois lados da moeda me era mais conveniente. Apenas escorreu sangue, suor e lágrimas. E estava morto. Ou mesmo amputado.

Mas é necessário sobreviver, mesmo na queda. A partir daquele momento percebi que precisava vivenciar aquela situação, pois sem ela continuaria sendo egoísta e não teria aberto os olhos a muitas coisas que ainda posso presenciar, esperando ser mais bem-sucedido nas próximas oportunidades. Não me cabe culpar nem a eu nem aos outros pelos fatos que acontecem sem a nossa permissão. Não somos consultados, apenas empurrados para o abismo ou mesmo o limbo. E ali permanecemos, vivendo nossa vida medíocre à espera de alguma novidade. De qualquer forma, sempre restam coisas boas, mesmo na dor. Naquele momento eu percebi que precisava morrer para poder continuar, por mais estranho que isso pareça. Me sinto oco, vazio, sem capacidade de reação, pois não me sobraram muitas convicções. Mas me sinto sujo, tentado a me esfregar com uma boa esponja tentando arrancar as nódoas que me fazem imundo. A sujeira que provoca ojeriza e repulsa. Essa imundície que foi o estopim da minha morte.

terça-feira, outubro 30, 2007

O pequeno bicudo


Gozado, esfriou de repente. Há horas atrás o sol estava tão forte que incomodava nossos olhos e nos fazia cerrar a vista, passarinho. Passarinho, você é a única coisa que me restou de tudo isso, de todos os sonhos, de todas as vezes em que pensei alto, de todas as vezes em que sorri, de todos os momentos em que chorei, de todas as noites que adentraram o meu ser e me permitiram ser mais lúcido e triste com as notícias que você me trazia, escritas naqueles papeizinhos que vinham em seu bico. Entoavas canções fúnebres e algumas de puro contentamento quando assim achavas lícito.

Olha, passarinho, está na hora de você voar, sabia? Vai procurar seus amigos bicudos, beber das águas puras dos rios que existem por aí, vai encontrares uma passarinha muito jeitosa e com ela terás lindos passarinhozinhos que entoarão seu canto de perpetuação, que alegrará os ouvidos de velhos e jovens, crianças e adolescentes, homens e mulheres, e mesmo entrar na alma de todos os seres viventes desse mundão de meu Deus.

Trazes boas novas a todos os homens, e mesmo a eu, que sou participante de todas as auroras e crepúsculos dessa praia. Veja bem, passarinho. Já te prendi tempo demais aqui na minha presença. Vês quantas pessoas estão sentadas nas suas cadeiras de praia, ou caminhando pela areia? Vai lá, passarinho.

Olha só, você está vendo aquele menino de cabelo preto, meio gordinho, com uma pá e um balde nas mãos? Ele está chorando, estou observando que ele fez um castelinho de areia muito bonito que a onda levou. Pousa no ombro dessa criança, ensina-o a construir os mais lindos castelos e esculturas, afaga os cabelos dele com seu bico, entoe para ele suas canções mais belas e puras, entra na vida dele e não o abandone mais. Fica com ele desde já. Olha só: esse menino está parando de chorar, está correndo ao encontro de sua mãe,e ele tem jeito de quem gosta muito de bichos. Eu acho que ele tem um labrados preto muito brincalhão que o recebe com muitas lambidas quando ele chega da escola, todo sujo e com fome. Tenho certeza de que ele fará uma gaiola muito bonita para você, e te dará de comer um alpiste bem gostoso, que te fará cantar, cantar e cantar com mais força e ímpeto.

Presta atenção: rodeia esse menino como quem não quer nada, eriça suas penas, faz uma pose bem bonita para ele gostar de você, passarinho. E entra naquele coraçãozinho puro e ingênuo de criança. Ajuda esse garoto com os deveres da escola, e quando ele estiver jogando videogame, você fica ao lado dele prestando atenção em todos os macetes do jogo, e o tempo vai passar, passarinho, vocês dois muito amigos e importantes na vida um do outro.

Esse garoto vai crescer, virar adolescente. Esteja ao lado dele no dia em que ele se apaixonar pela primeira vez, quando ele der seu primeiro beijo, quando tiver a sua primeira transa, quando ele passar no vestibular, quando ele aprender a dirigir, quando ele conseguir seu primeiro trabalho, quando ele estiver com sua primeira namorada, até que esse menino se transforme em homem e a vida por si só os levar para caminhos opostos, onde cada um já não caiba mais na vida um do outro.

Tente viver esses instantes, faça esse esforço, porque você já não é mais meu. Te deixo livre, voa muito alto agora, vá descobrir novas árvores, novas nuvens, novos alimentos, novas espécies de passarinhos que você nunca viu e provavelmente vai estranhar. Estou te pedindo para ficar ao lado daquele menino porque aquela criança sou eu, há alguns anos atrás. Uma criança que não sabia o que é viver, que se satisfazia em montar seu ferrorama na sala de casa e incomodar sua mãe pela bagunça. Uma criança que se fartava de balas na hora do recreio e escondia seu monte de chocolates na bolsa da mochila. O menino hoje já não existe dentro de eu, ele morreu quando descobriu que viver pode não ser a melhor forma de simplesmente existir. Esse homem em que me transformei só tem dentro de si uma coisa oca, dura e sem forma. Esse homem descobriu a vileza do amor que provoca repulsa e distância. Mas vai lá, passarinho, vai pousar em novas beiragens. Eu te deixo ir, mas não te permito voltar mais. Agora você está livre pelo mundo. Assim como eu era quando fui essa criança.

sexta-feira, outubro 26, 2007

Somente um devaneio


Movia-se a passos lentos para não acordá-la. Mal conseguia acreditar que, após tanto tempo sem vê-la, estava ali, imóvel, encolhida, dormindo lindamente como uma imagem barroca que não conseguimos traduzir seu olhar, apenas admirá-la e levantar aos mãos para o alto pela beleza do que se vê. Sentia-se trêmulo e esgotado, tentava afagar seus cabelos, sobrancelhas, olhos, orelhas, bochechas, mas, ao encostar nela, se repreendia pois não queria despertá-la do seu sono. Apenas esfregava suas mãos levemente nas dela e sorria, como uma criança que ganhara o brinquedo tão anseado por um ano inteiro.
Então apenas contornava essas partes do corpo com as mãos, desejando a possuir mais uma vez naquele instante, ao mesmo tempo em que as lágrimas lhe escorriam pelos olhos, e se sentia o mais satisfeito dos homens pela singeleza do que via. Era madrugada alta, apenas um barulho de carros indo e vindo, a prazos não contabilizados, e um cachorro desesperado que latia e fazia um eco que lhe percorria a espinha e provocava calafrios. O barulho de grossas gotas de chuva fazia um grande barulho no telhado, e receava que isso viesse a interromper o descanso daquela mulher e quebrar, como uma espécie de cristal que se partiria em mil pedaços, o encanto daquele momento, que por seu desejo se tornaria eterno.
Ah, como era deliciosamente santa e profana sua presença naquele quarto pobremente mobiliado. Ainda conseguia ouvir seus risos estrondosos ecoando pelas dependências da casa, seus passos macios arranhando o azulejo, seus olhos atentos a cada detalhe e arrumando aquela bagunça típica de pessoas desorganizadas, suas roupas cuidadosamente dobradas e colocadas em cima de uma cadeira. Reinava o mais absoluto silêncio naquela casa, mas no íntimo daquele moço vozes, e vozes, e mais vozes lhe davam uma espécie de ímpeto misturada com alegria e tristeza. Alegria pois ela, naquele momento, pertencia a ele, e tristeza pois ela partiria e não se sabia se a veria novamente, impelida pelos compromissos cotidianos que o relegavam a segundo plano.
Pôs as mãos nos bolsos e saiu a vislumbrar a tempestade que caía lá fora. Em alguns instantes as gotas de água molhavam seu rosto, cabelos e corpo, e sentia-se como numa espécie de catarse, ainda não conseguindo acreditar no que havia vivido minutos atrás. Sem se aperceber, colocou seus braços em perpendicular em relação ao corpo, pronunciando palavras ininteligíveis a qualquer curioso, mas percebia-se que fazia uma espécie de oração,na qual balbuciou: "Amém! Amém!!!!"Não se sabia mais se toda aquela água no seu rosto era somente fruto da chuva ou da felicidade que o invadia. Chovia muito. Alguns minutos depois, amanheceu, e ele voltou para dentro de casa embalar o sono daquela que lhe povoava os sonhos mais íntimos.

terça-feira, outubro 23, 2007

Alicerces Rompidos


Tenho me sentido muito só ultimamente, apesar de ter convivido, mesmo que de forma forçosa, com algumas pessoas ao meu redor. Não que estar só seja uma novidade para eu, e nem que isso se constitua um drama. Mas, de qualquer forma, tem sido uma solidão diferente, tenho tido necessidade de contar aos outros o que me angustia e em certa medida me transforma no ser cotidiano que não entende a si mesmo e vê na palavra uma forma de salvação. Antes, em alguns momentos do dia, principalmente naqueles mais silenciosos, me deparava com uma espécie de finalização de algo que não conseguia entender o que seria, muito menos hoje. Mas alguma coisa me fazia sentir como se houvesse um limiar entre eu e o que estava ocorrendo mundo afora; no mundo exterior, havia pessoas chorando, amando, sofrendo, sorrindo, vivendo, cuidando dos seus afazeres, trabalhando, estudando; enfim, vivendo, e eu me sentia à margem de tudo isso, como se eu pertencesse a uma espécime diferente de seres humanos, onde certos tipos de sentimentos eram velados ou mesmo censurados. Como se houvesse uma grande mão que me impedia de viver intensamente certas situações que para os outros são usuais, mas para mim se transformavam em acontecimentos extraordinários. Se eu os vivesse adquiria certa experiência de vida que me transformaria profundamente.

Tenho vontade de dizer, não sei bem o que, o tema pode se soltar por si só no momento propício em que o meu desespero encontra um interlocutor que se solidariza com a minha angústia e apenas ouve o que digo, sem emitir opiniões. Apenas o uso como ferramenta do meu alívio por dividir esse fardo com ele. Mas esse ele não existe, e mesmo que exista tenho receio de falar certas coisas que me afastem dele, porque há pormenores que não podem nem devem ser ditos. Mas não consigo fazer uma distinção do que pode ser de domínio público e do que apenas pertence ao meu íntimo discreto. Só depois que o digo percebo que seria melhor que eu houvesse me abstraído de contar certas coisas.

Nada de extremamente grave, nada punível pelas leis dos homens. A minha vida não é assim tão recheada de acontecimentos extraordinários que possam embasbacar o ouvinte. Tenho uma existência rude e medíocre, que não interessa à grande maioria das pessoas. De qualquer forma gostaria de ser ouvido, compreendido e acariciado, tenho necessidade de que me deixam deitar a cabeça no seu colo e me ouvir divagar, imaginar, sentir, confabular. Nada que uma pessoa carente não sinta necessidade. Muitas vezes uso uma armadura me intitulando auto-suficiente e partidário da solidão, mas em certos momentos sei o quanto me custa esse discurso no qual eu mesmo me vejo desacreditando em algumas situações. Gostaria de que alguém me dissesse algo que me fizesse sair do marasmo, me fornecesse uma lanterna que me tirasse desse túnel em que entrei mas não consigo visualizar saída. As pessoas passam por mim e nem se apercebem que eu as olho pedindo ajuda, atenção, afeto. Não costumo ser tão piegas. Mas tem momentos em que saber que o tempo está passando e a solidão é a sua única companhia consegue desestabilizar o mais equilibrado dos seres. Não que a solidão seja tão ruim assim. Ela é muito benéfica em muitas situações. Mas em outras esse silêncio cortante e constrangedor é uma espécie de maldição devastadora que engole todos que estão pelo seu trajeto. Enfim, acho que já disse o que me afligia. Ah, não posso continuar me enganando. Há ainda muita coisa a ser dita que não consta aqui. Talvez porque nem eu mesmo sei o que efetivamente quero. Só tenho a certeza absoluta de que preciso de alguém que me ouça e me compreenda. Só assim tenho alguma esperança.

sexta-feira, outubro 12, 2007

Vira o disco, cara!


Tenho ímpetos de esmurrar a parede ou me vejo dialogando com um ser imaginário que , ao ser questionado, me responde as palavras mais doces e ao mesmo tempo secas, cortantes, letras que juntas esfacelam meus sonhos e me colocam a par da realidade das coisas, tal e qual devem ser. Acho que enlouqueci, ou ao menos tenho galgado mais um degrau no limiar da minha sanidade mental. Já não se pode considerar que fosse o mais são dos seres, mas agora tenho conversado em voz alta comigo mesmo, imaginando que ao meu lado existe alguém que na realidade não se importa muito com o que faço ou como deixo de proceder. Tenho inclusive feito expressões faciais dignas de um colóquio realmente existente. Antes que você ligue para o serviço de saúde mental de seu município, saiba que ainda assim não estou de todo senil.

Sinto-me esbofeteado pela realidade das coisas, pelo que necessito ver com os olhos da razão mas não consigo ver pelo meu lado emotivo, que tenta mascarar a realidade e me dá tapinhas camaradas nas costas e diz que tudo entrará nos eixos em seu tempo pertinente. Quem me conhece sabe que não sou adepto de caminhadas na praia muito menos a frequento, mesmo morando em uma cidade litorânea. Mas confesso que de vez em quando me acalma sentar em um dos bancos da orla e observar as pessoas, os carros, os grandes edifícios e principalmente o mar, com os navios ao fundo que ficam lá à deriva esperando seu momento de aportar no cais da cidade.

Pois bem, na semana passada estava eu a passear pela praia no final da tarde, precisamente às 17:45, e vislumbrei uma bela cena mesmo para os desavisados que não conseguem enxergar coisa alguma que não os próprios interesses. O tempo estava ensolarado naquele dia, com algumas nuvens, e o sol estava se pondo lentamente entre essas mesmas nuvens, mas ao mesmo tempo o dia ainda estava perfeitamente claro e quase límpido, e, como uma espécie de papel de parede, os prédios e a Ilha Porchat. Simplesmente maravilhosa essa cena. Lembrei-me que disseste um dia que gostaria de vir até aqui andar pelos jardins da praia e senti que possivelmente terias gostado de ver a aurora do dia, que gostavas de divagar olhando para o mar. Senti saudades daquilo que nem mesmo vivi. Estou me tornando patético, podem confabular à vontade entre si durante o café da tarde, eu não me importo, sou um bom idiota que coloca aqui essas coisas piegas e desprovidas de racionalismo.

Não tenho mais chorado, aliás até me sinto oco, como se estivesse numa espécie de letargia provocada pelo consumo excessivo de calmantes. As pessoas falam comigo e eu faço uma expressão de: "Desculpe, não consigo contatenar pensamentos, dirija-se ao próximo guichê". Tenho sido inconveniente e falado somente no mesmo assunto com as pessoas e, na falta delas, tenho repetido frases desconcertantes a mim mesmo sentado no sofá. Tenho procurado um só rosto e suas características nas pessoas com as quais cruzo vida afora. Tenho tentado me ocupar com atividades que me façam tentar desviar o pensamento, mas a mágica se reformula nos momentos impróprios, e confesso que tenho passado a mão pelo colchão durante a noite e sentido falta de alguém que a essa hora está no limiar de sua vigília. Essas horas eu penso: "Puta merda, o que está acontecendo comigo?". Eu viro para o outro lado e tento dormir. E no dia seguinte tudo recomeça.

segunda-feira, outubro 08, 2007

O Putrefato


Essa história de amor-próprio é uma grande conversa para boi dormir. Ah, as pessoas dizem que para amar devemos nos amar primeiro para depois amar os outros. Eu me odeio e te amo. Paradoxal isso, não? Pois é assim que as coisas andam funcionando comigo ultimamente. Eu sei que não te mereço,aliás, digo isso sem parecer pedante nem que me achem como esses cantores comerciais que tocam essas músicas que fazem sucesso durante uma temporada e depois somem da mídia. Você tem qualidades que qualquer homem gostaria de ter e me são inalcançáveis, devido à minha mediocridade e rudeza perto de você. Me responda: se nem posso despertar em você amor, como mereço que sinta algo por mim divergente ao desprezo que me tens em conta? Foi somente sexo, o desejo da carne que nos uniu por aqueles instantes, tudo o mais se resume a invenções fantasiosas de uma criatividade auto-destrutiva. É, teves tanto carinho para comigo naquele instante que me achei a mais contente das criaturas.

Olho para as minhas mãos e lembro que havias dito que gostara delas, embora não tenha dado motivos para tal comentário. Vejo a garrafa de café na mesa da cozinha e me recordo que adoras café,e quando em frente a alguma livraria me vem à mente aquela estante repleta de livros que tens na sua casa, denotando assim o quão tem cultura, e eu,apenas um pseudo-intelectual que adora frases feitas, mas que na sua presença não conseguia balbuciar mais do que meia dúzia de palavras por me achar um perfeito canastrão. Tenho a esperança de que irei te encontrar na próxima esquina que cruzar, a despeito da imensa distância física que nos separa, para sua sorte.

No entanto, também olho para meu "nariz saliente" (palavras suas) e para meus cabelos brancos que crescem incessantemente, sem ao menos pedir licença ao dono da cabeça, e só consigo me recordar que me dizias isso sem a intenção de ofender, apenas comentando e sorrindo. Ah, como esses sorrisos não me saem da memória. Como vives dentro de mim, mesmo que tentes te assassinar a golpes de foice!

E pensar que foi graças a esse blog que você me mandou um recado pelo Orkut, dizendo que gostaria de conversar comigo pelo MSN, há um ano e meio atrás, mais ou menos. Desculpe-me, naquele momento não havias chamado tanto a minha antenção para que me fizesse guardar essa data que hoje me é tão cara. Ali um grito contido havia ameaçado se propagar como a velocidade da luz.

No último sábado fez um mês que lhe conheci. Passaste por mim uma vez, com seu fone de ouvido,e não ouviste quando gritei seu nome. Na segunda vez, os olhares se cruzaram, e algum sentimento inexplicável florescia naquele instante. Sei que não compartilhas desse meu pensamento, mas deixe que o diga a você, mesmo que aches tudo isso algo jocoso e indigno de comentários da sua parte. Estou sendo egoísta e não penso no seu constrangimento, se porventura seu olhos caírem sobre esse texto algum dia. Mas tenha certeza que tenho me anulado grandemente em seu favor. Provavelmente nunca mais te verei. Isso me dói muito, porque a saudade que tenho de você é inversamente proporcional ao meu tão propalado amor-próprio. Sei que nem lembras mais que eu existo,que meu nome e rosto serão apagados de sua memória em breve,se é que já não foram. Mas, como dito acima, eu realmente não mereceria sentimento contrário de sua parte, és grande demais para minha pequenez.

Que coisa ridícula estou escrevendo! Você deve estar achando tudo isso o texto mais escroto já publicado desde a criação da Internet,nos idos dos anos 60. Mas eu sou escroto mesmo.E esse escroto te ama. O que se há de fazer a não ser você fingir que não me conheceu e eu a olhar para a parede e me sentir o mais pulha dos homens?

Ah, imaginem a cena. Há alguns dias, passei em uma rua em que tinham dois rapazes fazendo malabares, aliás, moços bem talentosos,e me lembro que parei alguns segundos para ficar observando seu intento em arrecadar algumas moedas dos motoristas. Dei um sorriso meia-boca e continuei meu caminho. Enfim, o que isso tem a ver com a história mal-sucedida que acaba de ser narrada? Nada, seus bestas.Foi só para encher lingüiça.

quarta-feira, outubro 03, 2007

O moço calado




Tinha olhos, boca, nariz, ouvidos e um quê no olhar que a muitos poderia não significar nada, apenas mais um transeunte na multidão, mas que interiormente tinha significados diversos que nem seu dono poderia expressar. E se comunicava com o mundo através dele. Pelos seus olhos vivos tudo via e ouvia, podria até mesmo perceber cheiros com exatidão do que com o próprio olfato. Pouco falava, mesmo entabulando um diálogo suas respsotas e indagações nada mais eram do que frases formuladas de poucas palavras, o que soaria retardo mental por parte dos desvisados e insensíveis. Mas sentia muito mais do que falava. As palavras que balbuciava eram atos desesperados de tentar se expresar com os homens e suas coisas.


Sentia dores internas que nenhum urologista, clínico geral ou cardiopata poderia diagnoisticar. Era uma dor na alma por se achar tão a vácuo nesse mundo, e sentia isso quando não sabia onde enfiar as mãos ou quando estava andando a esmo pelas ruas e lhe pediam alguma informação que não sabia fornecer, e mesmo quando as sabia tal dor não cessava. Quando isso acontecia fitava seu interlocutor com olhos pidões, como que tentando se desculpar pela sua ignorância.


Ficava horas e horas a fio olhando para a parede e nesses momentos se imaginava nas mais divertidas situações, como quando, por exemplo, se via andando de peito estufado pelas grandes avenidas e recebia comentários elogiosos das moçoilas desacompanhadas; e quando isso se passava em sua mente fértil davas risinhos contidos e piscava os olhos como nos seus tempos de garoto levado que brincava de esconde-esconde na rua, mas que na verdade não sabia que haveria de se perder um dia. Não sabia se porventura seria encontrado.


Às vezes sorria sem motivo aparente, lhe vinham à mente lampejos de alegria por motivo não conhecido pelas pessoas que o avistavam naquele momento, e obviamente nem pelo chorão. Mas surgia um sorriso no canto dos lábios, acompanhado de uma lágrima órfã que teimava em cair de seu olho direito, que, assim como vinha, evaporava pelo ar. Nesses instantes olhava um ponto qualquer e sonhava que haveria de ser um homem grande, rico e feliz por realizar seus desejos ainda contidos pela falta de oportunidades em concretizá-la.


Esse homem ia e vinha calmamente, e nada tinha de especial, porque fisicamente era como os demais, pois tinha estatura média, olhos e cabelos escuros, corpo proporcional, ou seja, não diferia do padrão estético vigente. Não amava ninguém e também não era amado, aliás, poucos se lembravam de sua existência, pois era pessoa não dada a momentos de afeição e também porque provavelmente não havia nele nada que o pudesse ligar a quaisquer pessoas.


Com os vizinhos não passava do formal "Bom dia, como vai?", com seus colegas de trabalho também só dialogava o essencial para o andamento de suas funções, com seus poucos amigos também ouvia mais do que dizia e na sua família era visto como estranho, pois, nas confraternizações, ficava sentado no seu canto predileto e de nada participava, entretanto a tudo assistia como a uma criança que se vê na vitrine observando as últimas novidades de uma marca de brinquedos. Suas tias diziam que não batia muito bem da cachola, e quando lhe dirigiam a palavra corava suas faces de forma escancarada, sendo que suas respostas saíam em meio a gasguejos entremados de sílabas.


Esse homem provavelmente está nesse momento em qualquer de nossas cidades, e mesmo nas zonas rurais. Ele não tem nome, estado civil, pais conhecidos muito menos do que se vangloriar. Esse homem é tímido demais para se rotular com qualquer alcunha. Provavelmente a maioria das mulheres que o virem o desdenharão, pois nada tem de atrativos físicos, sendo até sedentários demais. Ele diz que tem vergonha de frequentar ambientes onde o culto ao corpo é tão escancarado.


Certo dia um conhecido seu que não via há muitos anos o encontro pelo mais puro acaso e ficaram conversando durante alguns minutos, em cada qual fez um breve resumo de suas vidas durante aquele tempo de ausência mútua. Mas na hora em que esse homem foi indagado sobre os grandes aconrtecimentos de sua existência, engasgou, deu aquela famosa corada e nada conseguia dizer. Por que isso? Oras, porque na vida desse homem nunca acontecia nada de extraordinariamente novo. O aspecto mais emocionante de sua vida é ir sozinho ao cinema, muito de vez erm quando, munido com seu saco de pipoca doce, imaginar que viverá algum dia aquelas histórias bem melosas de amor.

segunda-feira, outubro 01, 2007

Psicologia de um apaixonado


A você, reconhecível na multidão e com nome completo, CPF e RG; a você, que me conquistou com o seu olhar, seu cheiro, sua pele, seu toque, sua boca, seus braços, pernas, costas e sexo. E mais uma vez a você, que tem um rosto tão lindo e não se deu conta disso, com um sorriso por vezes sarcástico, seus olhos pequenos e essa boca tão bem desenhada. É com você mesmo que estou falando, não adianta aumentar o volume da música do MP3 e ficar olhando para os lados. Você sente e sabe que falo de você.

Aliás, sou eu quem não consigo olhar nos seus olhos sem medo que encontrarei neles,desviando o olhar com receio de me entregar e sofrer ainda mais, pelo que sinto. Eu tive tanto de me controlar, o meu desejo era de te abraçar e te beijar, tentar perpetuar ainda mais a sua presença em mim, por mais que os períodos de ausência sejam demasiado longos. Sei que essa situação lhe é desconfortável, mas por favor tente não dizer nada agora, só me ouça. A você, que revelou um eu não existente, mas ausente. Alguém que eu não supunha existir e se revelou em hora totalmente inesperada.

A você, que por alguns momentos foge da minha memória e quando retorna traz em si lembranças imensamente mais fortes do que as deixadas anteriormente. A você, que me trouxe um quê de vida e a esperança de que ainda podemos acreditar nos homens. Ah, é você sim, que chegou na surdina, saiu sem tentar deixar rastros mas deixou a casa silenciosa, vazia, monótona e com as suas marcas pelos cômodos, como se fossem pinturas abstratas que somente seu autor pode explicar.

Palavras me faltam para lhe descrever, só sinto sua presença não sólida me rodeando e reclamando dos meus cigarros. Aliás, cigarros que acendo um atrás do outro por não saber como me portar perante você, e também para não acariciar seu rosto e me sentir culpado por estragar a nossa amizade, que percebi ser muito maior do que o amor que tenho por você. Pois é, eu te amo. E você não me ama. A noite ainda será longa, esse silêncio me perturba e conforta ao mesmo tempo. Preciso ficar sozinho, mas ao mesmo tempo estou ansioso pelo dia em que lhe verei novamente, mesmo que não faça idéia de quando será isso. Vou acender mais um cigarro e tentar dormir, é só o que me resta nesse instante.

Você deve estar achando tudo isso uma tragicomédia e pensar que eu daria um bom autor de livros românticos para mocinhas ingênuas. Mas atire a primeira pedra quem quando ama não dá a cara para bater?

domingo, setembro 23, 2007

Uma conversa informal



Muito obrigado por ter vindo. Sente-se, por favor, temos poltronas, sofás e pufes para que você possa se instalar confortavelmente. No frigobar tem água, cerveja, refrigerantes, vinho e energéticos, não se acanhe, sirva-se sem cerimônias. Ah, e na mesa do canto tem alguns aperitivo, por favor peguem o que quiser, preparei tudo isso com muito carinho para todos vocês que aqui estão atendendo ao meu chamado. E o último que sentar por favor apague as luzes e deixe acesa somente os abajures que estão espalhados pela sala de estar.

Desculpem-me o adiantado da hora, sei que estão todos cansados após um dia estafante de trabalho, mas eu preciso falar com vocês sobre um tema que acontece desde os primórdios da civilização humana, e não se possuem referências históricas de quando isso aconteceu pela primeira vez. Mas sabe-se exatamente que ele aconteceu, com maior ou menor intensidade, na Idade Média, no Mercantilismo, na Revolução Francesa, na Primeira Guerra Mundial e, mesmo em tempos de pós-modernidade, com todas as suas excentricidades, ele acontece com ímpetos incomensuráveis. Agora mesmo pessoas nos quatro cantos do mundo o sentem, e mesmo o nosso vizinho da direita sente na pele as suas consequências. Creio que todos nós temos uma história para contar sobre o assunto, seja ela triste ou alegre. Mas não se passa incólume pela vida sem senti-la, nem que seja ao menos uma vez. Eu preciso falar ao menos um pouco sobre o assunto, mais para exteriorizar o que sinto do que propriamente me considerar um expert no tema. Até porque não o sei em toda a sua complexidade deliciosa e desesperadora.

Bom, não precisa se assustar, não falaremos de uma catástrofe mundial, mas sim sobre o amor. Pois é, o amor mesmo, aquele sentimento que te deixa com as pernas trêmulas, o coração disparado, uma saudade incomparável e mesmo nos provoca lágrimas quentes no escuro do nosso quarto durante a madrugada. Sei que esse assunto já é mais do que comentado, de um estudo de intelectuais às mesas do boteco mais próxima.
Conhecemos pessoas em todos os instantes da nossa vida, mas por motivos que nem a ciência consegue explicar algumas provocam sensações muitas vezes devastadoras e que podem dar rumo definitivo ao resto das nossas existências. Tenho certeza quase absoluta que isso já aconteceu com vocês, sendo que até podem me contar que nesse exato instante sentem essas sensações descritas acima que, por mais que a razão condene, alguma coisa interior não consegue fazer com que ela sucumba. Não sei mais o que escrever, as palavras não vem à mente. Desculpem-se pelo incômodo, podem continuar à vontade, a casa é de vocês. Vou me retirar, não me sinto bem. Há alguns dias já não me sinto bem. Aconteceu alguma coisa comigo que sei que vai deixar resquícios por anos a fio.

quarta-feira, setembro 19, 2007

Algo sem importância


Não se sabe com qual intenção, mas o fato é que a porta estava apenas encostada e dentro da casa acontecia uma festa na qual surgiu nela a imensa vontade de adentrá-la e harmonizar com os participantes desta. Mas era uma penetra. Isto não a demoveu de seu intento.


Ela queria apenas se divertir, por algum tempo que fosse. E lá estava. Entrou e ficou olhando para o ambiente, as pessoas, sem saber direito como se portar naquele ambiente. Mas o fato estava se consumando, não podia mais voltar atrás. O que lhe restava era tentar aproveitar o lugar. A decoração do lugar não nos importa, muito menos o motivo de tal comemoração.Ela tinha alguma coisa em seus olhos que lembrava aqueles olhares melancólicos das mocinhas apaixonadas, ao mesmo tempo que irradiava uma alegria contagiante com seus movimentos não calculados, quando jogava seus cabelos, dançava, olhava para os cantos como que tentando se situar no ambiente ou mesmo quando respirava teatralmente. Mas poucos tiveram coragem de chegar junto a ela e entabular uma conversa, havia uma parede invisível entre ela e os demais.


Mas isso não impedia que fosse observada, desejada e fosse alvo de comentários sobre seu figurino não adequado ao momento.Mas estava vestida de forma tão singela que a simplicidade havia se tornado para ela uma arma de conquista, mesmo que ela não tivesse se dado conta do fato. Se sentiu enervada momentaneamente, surgiu uma vontade de ficar só divagando e ouvindo mentalmente suas músicas favoritas. Mas ainda se deteve por alguns instantes olhando ora para o infinito, ora para algumas pessoas aleatoriamente. Como que entorpecida, não conseguia se mover do lugar, enquanto um rapaz a seduzia de forma descarada e pouco criativa. Ela simplesmente sorria e nada respondia. Se sentia perdida naquele lugar. Mas sem que percebesse já havia deixado sua marca em todos os presentes ao evento.


Enfim saiu do lugar. Duas quadras depois, virou à direita. Apenas um senhor de meia-idade que limpava a calçada no alvorecer do dia a observava, sem se deter em demasia. Não se deu conta do que havia visualizado. Nunca mais foi vista. Mas sua presença e seu perfume inigualável foram lembrados por dias, meses ou mesmo anos.


sábado, setembro 01, 2007

É de pequeno que se começa a torcer o pepino


Assisti recentemente uma reportagem no Jornal Nacional sobre uma feira literária que está acontecendo em Passo Fundo, no interior do Rio Grande do Sul, em tendas idênticas a de circos. Louváveis iniciativas como essas, que procuram desmistificar o mito da literatura como algo inalcançável e distante da nossa realidade, buscando aproximar a população de uma das mais maravilhosas criações do homem: o livro. Mas fiquei instigado mesmo ao ver crianças folheando livros com um interesse incomum, entretidas com aquele objeto mágico e fazendo perguntas e questionando o criador do Menino Maluquinho, o mineiro Ziraldo, e observando atentas a uma palestra presidida por Lya Luft.

Irremediavelmente me veio à memória imagens da infância, por volta dos meus cinco anos, quando gostava de folhear gibis da Turma da Mônica e frequentava a pré-escola em uma escolinha chamaa Casinha de Chocolate, que não existe mais. Todas as semanas ia a uma banca de revistas e pedia que o meu pai me comprasse uma daquelas revistinhas, mesmo que no começo não entendesse o que estava escrito naqueles balões das histórias. Mas o fato é que de certa forma eu me alfabetizei lendo aqueles gibis, e até os meus 10 anos adquiria com regular frequência essas revistinhas, das quais guardo ótimas recordações. Através da Turma da Mônica eu descobri o universo mágico das palavras e brincava muito com elas, as falando em voz baixa e tentando fazer associações com outras que teoricamente nada tinham de semelhante com a primeira. Mas de qualquer forma era um exercício muito interessante e lúdico.

Muitos anos se passaram e eis que vejo meninos e meninas descobrindo um novo mundo, assim como eu fui outrora, sorrindo e torcendo por aqueles personagens inexistentes na vida real, mas vivos em cada imaginação infantil. Adquirir o hábito da leitura começa desde cedo, instigando os pequenos, mas não os obrigando a ler pelo simples fato de "adquirirem cultura", mas sim os apresentando esse mundo tão cheio de facetas e criando neles essa necessidade biológica que todo leitor voraz compreende muito bem.

Pois é, nem tudo está perdido. Creio que daqui a alguns anos teremos milhares de novos leitores, que talvez venham diminuir essa triste estatística que comprova ser o brasileiro pouco afeiçoado aos livros. Não importa que a gênese sejam as historinhas do Chico Bento. Importam os desdobramentos que esse caipirinha fará em mentes e corações.

quarta-feira, agosto 22, 2007

Deixe de leseira, seu atoleimado


Pois é, esses dias em que andei muito ocupado deixei de pensar na vida, e tem sido muito estranho ficar horas ou até dias seguidos sem muitos questionamentos que aos olhos da maioria soam como sem pé nem cabeça ou simplesmente coisa de gente atoleimada, como se diz na terra de Gabriela Cravo e Canela. God save Jorge Amado, aproveitando o marketing gratuito do defunto que foi um dos grandes escritores do nosso povo, não dos engravatados paulistanos, mas sim das nossas faceiras mulatas e dos homens pobres que vagavam indefinidamente pela ladeira da nossa tão bela São Salvador.
De qualquer forma, tem sido curioso me despir de um conceito já pré-estabelecido sobre a minha pessoa e me vestir de outras formas, como se eu fosse o bom rapaz responsável que luta diariamente pelo seu pão de cada dia e sua em bicas para poder comprar os produtos necessários à sobrevivência de qualquer cristão. Mas hoje acordei e pensei em como estava sendo diferente a minha vida com pouco tempo para refletir. Nessa correria do cotidiano muitas vezes não nos damos conta de muita coisa que acontece ao nosso redor e a rotina passa a ser predominante sobre a nossa razão, precisamos nos preocupar com aspectos mais relevantes do que com hipóteses apenas remotas e que não pagam as compras no supermercado.
Tenho experimentado novas sessões nessa enorme loja de departamentos que é a vida, provado novas vestimentas e descartado algumas, colocando outras na minha sacola que será esvaziada no caixa. Viver é sentir, mesmo que na carne, é cheirar, tocar, discutir, flanar eelas ruas e sentir em cada rosto visualizado pedaços de nós que vem e vão, que moram em locais diferentes mas que no fundo, na essência, gritam intimamente por algo que não sabem o nome, somente sentem. Não sei explicar o que seria, ultrapassa os meus parcos conhecimentos, mas há algo que pulsa em cada coração, clamando por liberdade, mas é um ser sem nome, identidade definida, ele apenas está lá, esperando algo que o desperte. Mas alguém que o desperte. E sejamos todos apenas mais uma peça nesse grande quebra-cabeça que é o show da vida. Por favor, imagine as dançarinas do Fantástico na frente desse computador e vá fazer alguma coisa que preste na Internet.

quinta-feira, agosto 09, 2007

Que qui tu qué, rapá? Queima u chão!!!!!!!!!!


Pessoas, pessoas e mais pessoas, é impossível não se deparar com elas ao passear de ônibus e observar a diferenciação física que nos torna únicos. Há alguns dias atrás, estive em Praia Grande, cidade da nossa Região Metropolitana da Baixada Santista. Sim, temos uma Região Metropolitana oficialmente reconhecida desde a década de 90, sem que isso impeça que existam diferenças gritantes entre um município e outro, e obviamente dentro das próprias cidades, senão estaríamos na Nova Zelândia, e não no país da ministra que recomenda-nos que relaxemos e gozemos. E vale lembrar que para estar em Praia Grande eu obrigatoriamente preciso adentrar o perímetro urbano de São Vicente. Os forasteiros geralmente se confundem com os limites entre as cidades. Nessas horas, nada melhor do que um caiçara para lhes explicar que aquela favela é de Cubatão, não Santos, e que aquele hospital que mais se assemelha a um açougue se localiza em Guarujá.
Nessa quase uma hora de viagem de ônibus, como às vezes faço, fiquei visualizando as pessoas que comigo dividiam o espaço físico do coletivo e obviamente as pessoas que passavam nas ruas, imaginando, de acordo com suas características, suas histórias de vida. Tarefa difícil essa. Tantas e tantas vezes me surpreendi fazendo certo juízo de determinada pessoa e após alguns minutos de diálogo descobri aspectos de sua vida muito mais interessantes do que havia imaginado anteriormente. Obviamente algumas vezes me decepcionei, mas são percalços da vida.
De qualquer forma, esse exercício mental como forma de auto-conhecimento é sempre interessante. Tentar não nos ver apenas pela "casca" do corpo físico, mas buscar os sentimentos do homem, sem cair no pieguismo nem na auto-ajuda, que a meu ver é simplesmente irritante e nos reduz a receita de bolo, como se o que valesse para o Cláudio obrigatoriamente seria semelhante para a Jussemara.
Enfim, altos e baixos, gordos e magros, loiros e morenos, feios ou bonitos, somos humanos, e cada qual tem algo a contar, mesmo que seja desinteressante. E se você não estiver gostando da conversa, comece a falar sobre a última gafe do nosso Lula lá no México e verás como tudo vai terminar em grandes risadas de ambos os lados.


domingo, agosto 05, 2007

Desabafo de um desmiolado


Tenho de parar com essa mania de querer forçar os outros a compreender os meus pontos de vista. Afinal de contas, não tenho culpa de as pessoas serem simples burgueses que consideram o mundo à sua volta como pronto, e não aceitarem novas formas de se encarar a vida e suas circunstâncias. Dá muito trabalho refletir sobre o que pode ser mudado acerca de nós mesmos e principalmente sobre o nosso próximo, que na maioria das vezes está em distância relativamente grande. O problema é que não consigo pensar de outra forma e acaba-se em um diálogo à lá Torre de Babel: fulano fala uma coisa, ciclano fala outra diversa, eu então me coloco em situação divergente e acabamos não compreendemos o que é dito e paira sobre nós grandes pontos de interrogação maior do que quando a conversa se inicia.
Não me refiro a nada específico, mas sobre assuntos esparsos que fatalmente poderão ser discutidos tanto numa mesa de bar, como numa roda de intelectuais, assim como também poderá ser posta em voga em um jantar familiar, quando papai e mamãe perguntam aos filhos adolescentes como foi seu dia e então conselhos são fornecidos em larga escala. Mas sinto necessidade de me expressar, por mais calado que eu seja e por mais medo que eu tenha de soltar o verbo e não ser compreendido. Ou muito pior, ser visto como um ser de outro mundo que sofre de graves distúrbios mentais ao opinar sobre a cor do cavalo branco de Napoleão.
- Bota o terno e vai à luta, Ivanhoé.
- Pare de ser sonhador e se preocupe em ter condições econômicas de forrar seu estômago, Valfrido.
Obviamente o que escuto não são frases desse teor, mas de qualquer forma a lógica é a mesma. Não adianta eu dizer que tenho pretensões artísticas e que meu grande sonho é sobreviver dela, até porque sabemos a realidade daqueles que levam à cabo seus ideais nesse quesito. E também tenho de levar em conta se realmente tenho talento para alguma coisa que fuja do velho padrão escritório contábil, ou no caso da cidade onde resido, empresas que lidam com navegação. E como se contentar com um salário no final do mês, carteira assinada, vale-transporte, vale-refeição e cesta básica fosse o suficiente para nos realizar como seres humanos.
Eu lhes digo: - Seus vendidos, joguetezinhos nas mãos dos capitalistas usurários! Mas eles querem apenas ter dinheiro para pagar a conta de luz no final do mês e evitar a nada agradável visita do técnico da CPFL. Ou sou eu que não acordei ainda e não percebi que na realidade todos nós apenas buscamos sobreviver, em alguns casos mal e porcamente, deixando de lado o pouco de vocação que nos resta em detrimento de algum trabalho qualquer que só venha a beneficiar diretamente o patrão e em nada modifica as estruturas sociais?
Sabe de uma coisa? Cansei. Vou beber. Ajudar a aumentar os lucros das empresas cervejeiras. Nem na hora de afogar as mágoas eu consigo fugir do sistema. Eu nem sei fabricar a minha própria cerveja....

terça-feira, julho 17, 2007

Registro/SP


Semana passada estive na cidade de Registro fazendo pesquisas de campo. Pois é, de vez em quando exerço atividades profissionais para passar o tempo. Ressalte-se que não sou vagabundo por opção, e sim por falta de maiores perspectivas no quesito profissional. Registro tem uma população de aproximadamente 60.000 moradores, sendo considerada então a "capital" da região, já que todas as outras são menores ainda em população, e se localiza no Vale do Ribeira, a 185 quilômetros de Santos, 195 de São Paulo e 220 de Curitiba. É a sede administrativa da região mais pobre do estado, e sua economia se baseia no comércio, no cultivo da banana e segundo fontes fidedignas de confecções que se instalaram recentemente no local. Seus indicadores econômicos são os mais baixos de todo o estado de São Paulo, e isso pude comprovar, apesar de não ter vistos maiores indícios de miséria na cidade, mas por momentos esqueci que estava ainda no estado mais rico da federação. Desculpem-me a presunção. O meu estado continua sendo a locomotiva do país, mesmo que as más-línguas queiram me provar o contrário. Daqui a vinte anos possa até ser que o quadro tenha se revertido. Por ora, nos mantemos no patamar de maiorais. Maiores reclamações, dirija-se ao setor de ouvidoria dos textos do Edcarlos, cujo telefone eu mesmo desconheço.
De qualquer maneira, gosto de viajar, conhecer novas cidades, e principalmente procuro observar pessoas, mesmo que no meio do caminho me embaralhe de tal forma que dificilmente consigo concluir um raciocínio que havia começado. Não percebi ali nada que chamasse em demasia a minha atenção, mas me chamou a atenção que a cidade só possui uma sala de cinema, em que os filmes obviamente chegam muito após seu lançamento nos grandes centros, não avistei nenhum teatro e apenas uma livraria, em grande parte com títulos de auto-ajuda e no momento em que passei na sua frente estava no estabelecimento apenas um rapaz, provavelmente o atendente ou mesmo o proprietário. Sim, ali tem uma loja das Casas Bahia na avenida central, que se chama Jonas Banks Leite. Belo nome, não?
Não que essa cidade seja a exceção, ela é a regra, infelizmente foi a minha conclusão. Por mais que me queixe do local onde resido, não posso desmerecer os méritos culturais que ela me oferece, proporcional ao seu tamanho e importância para o Brasil. Temos opções culturais para vários gostos e bolsos, e é isso realmente importante; que tenhamos a chance de escolher, por mais que a grande maioria frequente os bailes funk do Morro da Nova Cintra e o Pellikanos, com seu forró de gosto duvidoso. Estou bem informado das baladas regionais, por mais que não as frequente. Nem ouse dizer que estive alguma vez em tais lugares para saber o que ocorre lá. Notícia ruim corre mais rápido que almôndega na boca de criança obesa no almoço de domingo.
Acho que a lição preponderante que tirei da pequena estada nesse município concerne que eu me coloquei morando naquela cidade desde meu nascimento. Como seria eu hoje? Teria os mesmos amigos? Conheceria e teria apreço pelas mesmas coisas? O que estaria exercendo profissionalmente? Quais seriam as minhas diversões de final de semana? E, principalmente, qual o retrato que faria de eu mesmo? Ó dúvidas cruéis. Deixo-vos com o papel da dúvida e das vaias ou aplausos pelo texto lido.

sexta-feira, junho 15, 2007

Abram as cortinas!!!!!!!!!


Esses dias estive no teatro, aproveitando meus poucos momentos de relax, com a cabeça fresca e sem me preocupar em demasia com questões que sei que possivelmente nunca poderei solucionar. Nem preciso explicar que só estive lá porque a entrada era franca e o teatro era próximo à minha casa. Além do mais, era teatro infantil e eu era o único adulto sem estar com uma criança a tiracolo. De qualquer forma, foi uma experiência magnífica. Aproveitando a oportunidade, quem morar em uma cidade que tenha o Sesi procure se informar se a unidade mais próxima a você também está participando desse projeto, pois o saber não ocupa espaço e as peças a que assisti podem ser assistidas por pessoas das mais diversas faixas etárias.

Sou leigo no assunto, mas já ouvi pessoas falando sobre a magia do teatro e sobre os deuses que habitam os palcos e se apossam desses grandes profissionais no momento em que eles adentram esse local de enlouquecedora magia e porque não dizer, certos mistérios não explicáveis a olhos humanos e utilitaristas que não vem função alguma na arte, seja ela qual for. A não ser que nos refiramos a músicas de cunho comercial, leia-se Companhia do Calypso e os Armandinhos espalhados mundo afora. Mas aí a arte não está presente, somente o merchadising e a sanha por lucros dos nossos empresários musicais afoitos por levar cultura ao nosso povo, bem ao estilo Teatro de Arena, com seus marcantes espetáculos Eles não usam Black-Tie e Chapetuba F.C. Grandes Vianinha e Gianfrancesco Guarnieri, que falta vocês nos fazem.

Ótimas iniciativas essas como a do Sesi, que trazem até nós ótimas companhias de teatro espalhados país afora que encenam peças de autores desconhecidos mas bons interpretadores da mente humana. Seria excelente se propostas como essas fossem mais divugadas e mais e mais pessoas tivessem acesso aos nossos bens culturais tão desprestigiados atualmente mas que são parte integrante da natureza humana, ou ao menos assim deveria ser. As peças infantis as quais assisti não imbecilizam as crianças e despertam nelas o espírito crítico e uma visão mais apurada do mundo e de si mesmas.

Um país só se desenvolve em todos os sentidos investindo maciçamente em educação, tanto no nível superior quanto no fundamental. E a base de tudo isso é a criança, por mais que falar isso seja lugar-comum. É por isso que o ensino no Brasil se encontra cada dia mais degradado, pelo temor dos nossos governantes que as nossas futuras gerações, através da educação, se tornem mais cientes dos seus direitos e deveres e com essa preciosa ferramenta façam a revolução já tardia, e que se inicia nas pequenas coisas, na indignação, na surpresa, e principalmente na ação que nasce quando os horizontes se ampliam e deixamos de ter uma visão uníssona do que nos rodeia. Enfim, abram as cortinas que o espetáculo da vida se renova a cada segundo!





sexta-feira, maio 11, 2007

Perdeu, perdeu!!!



Imagine uma avenida de grande circulação de automóveis e pedestres em alguma cidade de médio porte, encravada em qualquer estado do nosso país. Em meio ao tumulto provocado por essa aglomeração, um rapaz de estatura mediana dirige um automóvel de modelo popular sem possuir a Carteira Nacional de Habilitação (CNH), exigida pelas nossas autoridades para condução de quaisquer veículo automotor. Lembre-se de que praticar tal ato é considerado infração grave, de acordo com a nossa Constituição atual.

Mas o fato a ser narrado aqui vai além de tal fato. Entra em cena uma autoridade policial que ordena que esse rapaz estacione o automóvel, e em seguida o revista minuciosamente, com requintes de truculência já conhecidos por aqueles que vivenciaram a sensibilidade e educação presentes nesses guardiões da ordem e bem-estar públicos.

Não espere que após tal situação vexatória esta bela espécime dos representantes da lei tome as medidas cabíveis em tal situação. Com a sua já clássica dose cavalar de cara-de-pau e abuso de autoridade, o pobre coitado exige um "faz-me rir", sabe como é, uma graninha para um churrasco no boteco após extenuante expediente, no que é prontamente atendido pela sua vítima indefesa e até certo ponto criminosa. Acredita-se que nem se cogitou não atender ao pedido sutil desse trabalhador honroso.

Todos nós, pobres mortais habitantes da terra supostamente descoberta por Cabral há 507 anos, já passamos ou sabemos de histórias semelhantes, e a encaramos como se fosse algo banal e sem importância. Mas poucos se questionam de que é do nosso bolso que sai o salário desse trabalhador descrito acima. Sendo assim, sua função seria a de zelar pelo cumprimento da lei, não a de nos achacar ainda mais, como se já não fosse suficiente a excessiva carga tributária aque pagamos ao comprar uma simples embalagem de detergente no mercado mais próximo à nossa residência.

Seria demagogo ao dizer que o condutor não falhou ao dirigir sem o CNH. Mas não é multiplicando o delito que se educa a população e se equaciona a questão. Pergunte, exija, não seja conivente com essa corja bancada por nós, que em vez de nos proteger espalha terror generalizado pelas ruas de nossas cidades. E, principalmente, se for dirigir sem habilitação, acenda uma vela para Frei Damião para não ser parado em uma blitz.

terça-feira, fevereiro 20, 2007

Eitaaaaaaaaaaaaaa


Uma madrugada dessas, estava zapeando pelos canais da televisão e me deparei com um programa na Multishow que nos mostrava uma nuance antropofágica, falando metaforicamente ou literalmente, dependendo do ponto de vista do telespectador. Um inglês nos levava a conhecer as benesses das mulheres brasileiras, especialmente no nosso grande cartão-postal, a Cidade Maravilhosa de encantos mil, coração do meu Brasil. Cena 1: em uma sugestiva butique de biquínis chamada "Bumbum" no bairro de Ipanema, moças pudicas desfilavam com trajes contendo pouco tecido nas quais sobrava espaço quase nulo para a imaginação masculina. Provavelmente essas mulheres achavam que estavam se submetendo a algum exame ginecológico de grande profundidade. Enquanto elas saracoteavam pelo local, esse moço acima citado exaltava as qualidades glúteas de nossas mulheres. Cena 2: o "repórter" fazia um tour noturno pela noite carioca, em especial na famosa Avenida Atlântica, ressaltando que os turistas tivessem cautela ao se depararem com uma mulher. Ela poderia ser um simulacro de uma representante do sexo feminino, a chamada travesti ou traveco, de modo pejorativo. Na cena seguinte, era focalizada uma moça inteiramente nua em um palco de uma casa noturna dançando freneticamente ao som da música e provavelmente extasiada por estar sendo focalizada por uma câmera televisiva. Cena 3: surge em cena um estrangeiro cuja nacionalidade desconheço que mora no Brasil há alguns anos e sobrevive aproveitando esse potencial econômico que o Brasil oferece. Ele se encarrega de "vender" essa boa imagem de nosso país a turistas das mais variadas nacionalidades, sendo que faz parte do pacote buscá-los no aeroporto e integrá-los à nossa vida cotidiana, os indicando e ensinando como agir em busca dos seus mais variados desejos carnais. Como se o brasileiro vivesse na esbórnia cotidianamente, nas ruas e praças despudoramente. Ou seja, ele faz turismo sexual e não faz questão de esconder de onde provém seu sustento, e também comenta que um programa no nosso país sai mais em conta do que na terra de origem dos seus clientes. Até onde vão meus parcos conhecimentos do direito brasileiro, explorar a prostituição é delito passivo de punição, mesmo que eu não saiba quais seriam estas. Cena 4: esse mesmo estrangeiro leva a equipe de filmagem até uma casa chamada "termas", onde mulheres se agrupam sensualmente, em trajes menores oferecendo o que de melhor tem e ressaltando suas qualidades com atitudes lascivas como lamber os seios e beijarem-se mutuamente.
Posso parecer ridículo ao me surpreender com tais cenas ou mesmo ser indagado sobre a minha orientação sexual ao me indignar com mulheres que são tratados como objeto de consumo, que podem ser adquiridas como uma pasta dental ou uma esponja de aço. A questão não é se eu não gosto de ver uma mulher trajando biquíni. Obviamente eu adoro, mesmo que o importe mais para mim não seja a quantidade de silicone que ela colocou em cada seio, por mais que falar isso caia na questão do "o importante para mim é a beleza interna", por mais que eu não faça questão de ver os rins dessas moças. Mas não consigo deixar de coçar a cabeça em sinal de preocupação ao pensar que agora uma menina de 11 ou 12 anos possa estar se vendendo a um turista holandês em algum quiosque da praia do Futuro, em Fortaleza, ou mesmo de alguma mulher responsável pelos seus atos em alguma boléia de caminhão trabalhando em troca de um mísero prato de comida em algumas de nossas rodovias federais espalhadas país afora, mesmo que seja na Grande São Paulo, a tão aclamada terra das oportunidades. Os exemplos são meramente ilustrativos, a prostituição está arraigada do Rio Grande do Sul a Roraima, nas metrópoles e nos grotões do país.
Se o nosso país não consegue vender uma imagem que vai muito além das suas mulatas, é sinal de que alguma coisa está muito errada e os valores estão invertidos. Poderia citar n exemplos de mulheres que se destacaram no nosso país por quesitos que não resvalam no local situado entre suas pernas. E não estou falando da Deborah Secco muito menos na Adriane Galisteu. Continuo acreditando em um país que ofereça opções para essas mulheres e homens, que eles possam encarar a prostituição como uma opção, e não como uma obrigação. E somente uma educação que inculque consciência crítica nos seus cidadãos pode reverter tal quadro. Eu não condeno a prostituta, mas sim o sistema social que a leva a seguir por esse caminho. Enquanto isso, nas calçadas e casas da luz vermelha, mulheres levam seu cliente para um local mais reservado a fim de venderem sua mão-de-obra.

terça-feira, fevereiro 13, 2007

O amor é uma flor roxa que nasce no coração dos trouxas


Falar de amor é um assunto complicado quando não se sabe como lidar com o assunto e principalmente quando se é bloqueado para esse tipo de determinismo biológico. Me refiro obviamente ao amor entre duas pessoas adultas, não o amor que um pai possivelmente sente pelo seu filho ou o amor daquele que finalmente consegue comprar seu automóvel parcelado em 48 x pelo banco Finasa, que aliás cobra juros exorbitantes e ao final da dívida se terá pago o valor de dois carros.

Fala-se muito nele mas se tem poucas conclusões do que realmente seja o amor. Nem mesmo a ciência pode nos dar uma dimensão exata do que seja definitivamente esse assunto tão comentado em todas as rodas de conversa, desde as rodas de pagode da periferia até a conversa de madames enquanto esperam para ser atendidas nos cabeleireiros mais chiques do bairro dos Jardins. É o tipo do sentimento que não consegue ser descrito objetivamente, como a sede, o ódio e o desprezo, por mais paradoxais que sejam os exemplos citados. As letras de músicas, as praças das pequenas cidades, os programas de televisão, as revistas dirigidas às donas de casa e adolescentes do sexo feminino, os jardins da praia de Santos; enfim, esses e outros exemplos são convidativos para a contemplação e prática do amor. Ah, o amor, que adquiriu e tem visões diferenciadas ao longo da história. Atualmente aquela tia que você não vê há cinco anos e reencontra naquele chatíssimo almoço em família te pergunta da noiva(o), namorada(o) ou ficante, e muitas vezes só nos resta fazer aquela expressão de muxoxo e dizer que se está sozinho, mas não por muito tempo. O ser humano tem medo da solidão e se desespera ao pensar na possibilidade de passar mais tempo desacompanhado, sem o famoso cobertor de orelha.

Todos nós temos nossas histórias de amor para contar, obviamente com os finais tão diferentes quanto a nossa imaginação conseguirá acompanhar. A impressão que me passa é que essa massificação do termo amar esconde um problema muito mais sério, o de desviar a atenção da sociedade para o que é realmente relevante. Me vem à cabeça o caso do menino carioca que foi arrastado por 7 kms até a morte, no Rio de Janeiro. Nem é necessário comentar o quanto é apavorante que isso aconteça com um adulto, quanto menos com uma criança. Manifestações em prol de paz e amor estão pipocando país afora, como se velas acesas realmente adiantassem alguma coisa para a elucidação da questão. Pessoas usando roupas brancas para simbolizar a paz, fazendo com as mãos uma imagem parecida com a da pomba, desejando uma sociedade com mais paz e amor com seu semelhante são pura demagogia, por mais que os praticantes de tais atos sejam pessoas bem-intencionadas, que apenas se deixam levar pela emoção. A questão é muito mais profunda e exige atitudes muito mais vastas do que andar de mãos dadas pela rua cantando músicas amorosas em coro exigindo algo que na realidade não se procura concretamente. Parece-me que em tais casos o romantismo serve como fachada para uma questão muito mais complexa do que uma jovem abandonada pelo namorado após um ataque de ciúmes.

Na verdade a minha intenção não era falar acerca do amor em tais circunstâncias, pois o objetivo principal era escrever uma história açucarada para a minha prima Luciana, mas eu não consigo ter um roteiro pré-determinado do que conterá no que escrevo. As palavras simplesmente fluem e quando vejo sou um mero brinquedo sendo jogado pelas suas mãos afoitas em viver no mundo exterior. Mas claro que uma moça de vinte anos como ela tem suas histórias de amor pra contar, sendo que uma delas teve como fruto uma linda menina que tem atualmente aproximadamente 01 anos e seis meses,a Maria Clara, que dorme enquanto sua tia não dá seus gritos desesperados quando algo não está a seu contento. Só sei de informações esparsas sobre o assunto, que sozinhas não me dão grande embasamento para escrever um folhetim à la Manoel Carlos. Não vi a reação da sua mãe quando descobriu a gravidez dela. Como será que o namorado dela se sentiu ao descobrir que seria pai? Como foi o olhar de Luciana ao ver sua filha pela primeira vez? Eu não presenciei tais cenas, sendo assim seja incapaz de descrever as palavras a realidade dos fatos. Acho que talvez eu não seja um contador de histórias. Provavelmente eu sou um Inri Cristo.

segunda-feira, fevereiro 05, 2007

Comunismo, socialismo ou algo que o valha


"Aquele que botar as mãos sobre mim para me governar é um usurpador, um tirano. Eu o declaro meu inimigo." (lema anarquista)
Tudo bem, eu sei que o Muro de Berlim caiu em 89, A Revolução Russa de 1917 foi um fracasso, a União Soviética não existe mais, a Tchecoslováquia já se desmembrou, Che Guevara foi assassinado há quase quarenta anos, a China abre cada vez mais sua economia para o capital externo (leia-se em grande parte advindo dos EUA, aqueles mesmos do Ronald Mc Donald´s), a Guerra Fria já é um termo estranho para quem tem mais de trinta anos, os únicos países socialistas que ainda resistem, mesmo cometendo graves erros são a Coréia do Norte e Cuba; e não estamos mais nos anos 60. Mas eu continuo sim acreditando em uma revolução social onde as desigualdades sociais sejam extintas e não exista mais a escravidão disfarçada como emprego informal e mesmo formal.
Entendo pouco sobre a teoria do Comunismo, nunca li Marx e só conheço Engels mais de nome. Os outros teóricos então me são praticamente estranhos. Confesso que para falar de um assunto é necessário que eu me aprofunde bem mais e saiba discorrer sobre ele com conhecimento de causa, o que não é o que ocorre nesse momento. Mas de qualquer forma preciso falar sobre o que acredito ser uma das maiores necessidades da sociedade contemporânea, assim como já era no início do século XX e que por motivos diversos ruiu, seja por incompetência dos seus administradores ou mesmo equívocos na construção dos dogmas socialistas.
Em Israel existem os kibutz, que são cooperativas agrícolas em moldes coletivistas, nas quais a comunidade vive em um local geralmente desértico, devido às condições climáticas do país, em um local com a estrutura de uma pequena cidade, fora a parte agrícola, onde a população planta o necessário à sua alimentação e vende o excedente, com uma tecnologia das mais modernas, se utilizando inclusive de maquinários "top" de linha e mão-de- obra especializada. Nesse local de experimentação da vida do homem visando a satisfação do coletivo em detrimento do indivíduo, o trabalho de um engenheiro é tão valorizado quanto o de um jardineiro e as diferenças salariais são irrisórias. Sendo assim, o nível de vida das pessoas das mais diferentes especialidades são equivalentes. Ali todos trabalham durante o dia na lavoura e fazem as refeições coletivamente, sem segregação de faixa etária, sexo, profissão ou quaisquer outra diferenciação. As crianças desde cedo frequentam a escola da comunidade, aprendem as tarefas domésticas de acordo com sua idade e desde cedo são ensinadas a pensar no coletivo, sendo que todos os equipamentos da escola são para todos. Todos os moradores do kibutz tem uma espécie de guarda-roupa gigante, sendo que todas as peças ali encontradas são para o uso de todos os que ali vivem. Não adianta uma criança chorar por uma mochila nova, pois o produto será lhe fornecido conforme as suas necessidades, não seus caprichos pessoais. E é interessante ressaltar que eles buscam se distanciar da sociedade de consumo a partir do momento em que rejeitam os apelos dos meios de comunicação para comprar artigos que não lhes são necessários naquele momento, mas lhe fornecem uma espécie de status pela sua aquisição e poder. Os adolescentes possuem uma espécie de alojamento especial e possuem algumas regalias especiais, como o não cumprimento de algumas regras relacionadas a horários e a liberdade de usar os automóveis da comunidade. A partir do momento que um novo membro passa a adentrar os limites do kibutz, todos os produtos encontrados com ele, incluindo um provável automóvel, passam a fazer parte da coletividade e servem a todos. Interessante ressaltar que o kibutz costuma reservar parte dos seus lucros para financiar os estudos de alguns dos seus moradores, e, se o número de candidatos ultrapassar a reserva financeira, é realizada uma assembléia para discutir quais dos candidatos poderão prosseguir seus estudos subsidiados pelo kibutz. O aluno tem a total liberdade de escolha da carreira que deseja seguir, mas sabe que deverá ser útil à comunidade com seu diploma e ajudando na construção de um bem comum.
Não sei dizer se um sistema desse tipo funcionaria em um país como o nosso, de 180 milhões de habitantes e interesses maiores para a perpetuação de um sistema social que privilegia uma elite realmente minoritária, em detrimento de uma imensa parcela da população despossuída de quaisquer condições mínimas de bem-estar e infra-estrutura adequada. Não consigo aceitar uma Daslu, em que uma simples calça possa custar um preço de mais de três dígitos, e pessoas que vivam com menos de R$ 1,00 diários para satisfazer suas necessidades básicas. O que digo pode cheirar a demagogia barata, mas não me veja dessa forma. Sou simplesmente um idealista que acredita na arte e cultura como ferramenta de transformação da sociedade. Um país sem educação nunca mudará suas estatísticas sócio-econômicas. Um Brasil que é regido pela elite, pagando salários paupérrimos à grande maioria dos seus trabalhadores e enchendo as contas bancárias de seus patrões às custas do suor alheio não pode ser aceito passivamente. O Brasil que não concluiu ainda sua reforma agrária e possui hectares e mais hectares de terras improdutivas onde a única coisa que cresce é capim, com milhares ou mesmo milhões de seus habitantes vivendo em periferias sem saneamento básico não pode ser encarado como coisa normal.
Não deixe de se indignar toda vez que vc ler nos jornais uma notícia escandalosa, como as que nos deparamos diariamente nos veículos de comunicação. Não diga que os políticos são os únicos culpados pela nossa situação atual, pois fomos nós que os elegemos. E se eles não cumprem sua premissa de nos servir, tomemos o poder então. Um povo sem governantes e sem o cerceamento de sua liberdade de expressão. Hoje, o prefeito da capital paulista, Gilberto Kassab, chamou de vagabundo um homem que desabafou ter ficado sem seu meio de vida quando a Prefeitura de São Paulo baixou um decreto proibindo toda e qualquer veiculação de publicidade na cidade, deixando assim á mercê da fome muitas e muitas pessoas que sobrevivem disso. Amanhã o humilhado será você. Se já não foi. E aí, vamos pegar em armas e reconstruir essa nação ou vamos continuar servindo aos mandatários do poder?

segunda-feira, janeiro 29, 2007

E chega ao fim mais um Repórter Esso


-Passsssssseeeeeeeeeeeiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Essa foi a reação do rapaz após ler seu nome constando na lista de aprovados de um concurso público qualquer de sua cidade. Após ter se dedicado com afinco aos estudos, abdicado de finais de semana e feriados, ter até se matriculado em uma empresa especializada em preparação de candidatos para provas de concursos públicos e deixado a noiva para segundo plano por vários meses, finalmente veria seu esforço recompensado. Poderia finalmente começar a pensar no aluguel da casa, no enxoval para o casamento e todos os demais quesitos de sua vida que haviam sido postos para escanteio nesse período de preparação para essa prova tão importante em sua vida profissional. A sua noiva, uma moça chamada Fátima, comerciária de uma loja de tecidos e conhecida pelos seus longos suspiros durante o expediente, já se encontrava agoniada com o fututo nebuloso do seu futuro marido. Mas a partir de agora a vida já sorria para esses jovens pombinhos. Só não se sabia quando o rapaz seria convocado para tomar posse em sua nova função, mas isso pouco importava. Esse moço realizava o grande sonho de considerável parte da população brasileira: ingressar no funcionalismo público, atraído pelos rendimentos razoáveis e estabilidade no trabalho.
Após ter se recomposto e corado pela sua indiscrição pública, saiu andando sem olhar para trás nem para os lados, com um sorriso de felicidade incontida. Iria aproveitar o horário de almoço para relatar a novidade à sua noiva. Obviamente a moça entrou em polvorosa, felicíssima por uma reviravolta naquele noivado de pequenas emoções e grandes frustrações. Com a família do rapaz não esperemos igual entusiasmo com a chegada da notícia. Seus pais estavam mais entretidos com outras questões que excluíam o filho agora funcionário público. A televisão estava sintonizada em um canal que naquela mesma hora noticiava à população sobre os problemas enfrentados pelo País devido à gastança desordenada devido à folha de pagamento dos seus servidores tanto federais quanto estaduais, cujo dinheiro fazia muita falta na educação, saúde, habitação e infra-estrutura. Mas o mais novo funcionário público não se importa com isso. Ele espera ansioso pela sua convocação.
Resolveu tomar um cafezinho na padaria da rua de trás, quando se encontra com o amigo de infância e resolve disputar uma partida de sinuca, como pretexto para colocar a conversa em dia. O movimento no estabelecimento havia aumentado a tal ponto que o proprietário deste cogitava a possibilidade de contratar alguma moça ou rapaz das redondezas para auxiliá-lo. Mas ao mesmo tempo lhe vinham à cabeça os impostos e taxas a qual estavam obrigadas as pessoas físicas junto ao governo, sem que isso implicasse em retorno por parte deste último. Se não fosse isso, provavelmente já teria recrutado esse novo funcionário ou mesmo dado início a uma boa reforma na padaria, que já há alguns anos pedia por uma nova mão de tinta e azulejos não tão encardidos. Isso sem contar quando foi necessária alguma visita à Receita Federal cuidar de documentos relacionados ao seu comércio. Muita dor de cabeça e pouco respeito por parte dos funcionários pagos, em parte, pelo dinheiro no caixa da padaria da rua de trás. Mas o mais novo funcionário público não se importa com isso. Ele espera ansioso pela sua convocação.
O pai desse rapaz (não importa muito o nome dele: tanto poderia ser Fernando, como Bruno, ou Tiago, seria simplesmente mais uma certidão de nascimento em uma cidade espalhada por esse páis de dimensões continentais) tenta há anos requerer a sua aposentadoria por tempo de serviço, após contribuir por 35 anos ininterruptos em uma das maiores indústrias do município. E também não importa muito se essa fábrica se localiza no Norte do Paraná ou na Zona Franca de Manaus. A globalização iguala culturas, diminui distâncias e uniformiza pessoas ou situações. Mas ele não consegue, devido a vários problemas, dentre eles uma parte dos recursos destinados à Previdência sugados pelo excesso de servidores públicos. A burocracia e as exigências são tamanhas que esse senhor passa a achar a cada dia que o Brasil não respeita seus aposentados e que muito menos deseja que os que desejam gozar do descanso merecido venham a obter o seu direito devido, nem que seja com esse salário miserável que o Estado paga a boa parte dos seus aposentados. Mas o mais novo funcionário público não se importa com isso. Ele espera ansioso pela sua convocação.
O rapaz acaba de passar por uma banca de revistas na qual um dos jornais expostos tem um título na segunda página que tem por título: Brasil cresce apenas 3% no ano passado, bem menos que países emergentes como Índia e China. Como o rapaz não lerá esse jornal, não chegará ao seu conhecimento de que o Brasil carece de empreendedorismo, a população não ousa ser patrão porque o país com a maior carga tributária do país não incentiva o desenvolvimento interno e ainda por cima sustenta nas costas uma folha de pagamento crescente em vista da onda de concursos públicos que crescem diariamente. Desse jeito não há país que aguente. Mas o mais novo funcionário público não se importa com isso. Ele espera ansioso pela sua convocação.
Anoitece e esse rapaz volta para casa, janta, assiste televisão e vai dormir. Hoje é dia 13 de dezembro de 1968. Ele não sabe, mas nesse dia foi instituído o Ato Institucional nº 5. Para ele, isso pouco importa, mas o Brasil entra em um dos períodos mais negros de sua história. Mas isso é papo para outro dia.