domingo, fevereiro 28, 2010

Apenas sentindo

Agora não adianta mais, é irreversível, o cheiro já está grudado irremediavelmente em minha pele e roupas, durante o anoitecer e principalmente quando amanhece. Na outra esquina, não sei se te encontrarei mais uma vez, mesmo algo me dizendo que sim, que não pode ser dessa forma torta, que ainda existe um desvio, um outro caminho, uma estrada vicinal que me conduza ao mais fundo de você e que você venha a me tirar desse torpor, dessa apatia letal que me tem feito arrastado e pesado pelas horas que vão se passando sem que eu me aperceba disso. Apenas palavras, vãs e fúteis como quem as escreve. O que palpita é muito mais verdadeiro e essencial. Tem sido o meu leitmotiv nas madrugadas insones.

PS: Lembra quando você me disse que não sabia porque ainda se lembrava com saudades de mim? A resposta é muito simples: és sadomasoquista, gostas dos subterrâneos, e eu sou o simulacro mal acabado daqueles que não foram, não tiveram e nunca serão. Eu sou as suas angústias mais profundas, o que você não conseguiu externalizar, mas que por algum motivo mantêm vivo dentro de ti. Eu fui a realização dos seus piores dramas, somente porque eu sou a imagem daquele não realizado, do distante, do que olhava para ti como se procurasse a salvação que nunca poderias me dar. Sendo assim, aceite: eu fui e seria a sua maldição se continuássemos sendo um só.




sábado, fevereiro 20, 2010

A Ciranda


Encontro-me parado e solitário dentro daquele elevador desativado temporariamente entre dois andares por falta de energia elétrica, em meio à penumbra. As horas passam lentamente sem possibilidades de algum resgate, motivados talvez pela minha inabilidade e apatia em recorrer de algum socorro, nem ao menos me apercebi ainda do telefone de emergência instalado à minha direita. Sento no chão acarpetado e observado a fraca luz que adentra o ambiente, com a sombra do meu rosto na palma das mãos, observando-as desatentamente e sem estardalhaço interno algum. Apenas com a sensação da reminescência, do eterno retorno, do temido, do não esperado que volta sempre, independente da minha vontade e necessidade.

De certa forma acalma-me aquela meia luz, simbologia de que, ao menos por enquanto, existe um resquício de salvação, de ainda não queda total pelo que suponho ser acontecimento futuro. Ainda vivo somente a ansiedade da espera, da inquietação e das mãos úmidas do que não pude evitar, por mais que me atormente sabendo que poderia tê-lo evitado, mas, mais uma vez o círculo se fecha e vejo-me nas mesmas circunstâncias de um passado não tão distante que não me seja mais possível revivê-lo em flashbacks e objetos que o remetam a tal.

Na minha imaginação algumas crianças naquele corredor brincam de ciranda, entoando aqueles cânticos infantis, enquanto eu ao centro observo somente com o olhar suas bocas e corpos tremulantes e arfantes que rodam simetricamente sem que em algum momento a roda se desfaça e cada uma delas se ocupe de outras brincadeiras ou afazeres. Ali estava sendo estabelecido para que eu não pudesse me desvencilhar da prisão que começara a se acercar de mim alguns momentos antes.

Só sei que temo reviver certas situações que procuro evitar com conhecimento de causa, comparando-as ao dia em que, mesmo com o sol causticante, não me precavi e saí à rua sem ao menos uma proteção mínima para os olhos. Como resultado, obviamente, enxergava vultos em meio ao amarelo incansável solar.

E assim tem se iniciado o processo interno do tão temido, do evitável mas infelizmente ainda assim alcançável. Palavras tem sido vãs na sua descrição porque, mais uma vez, o principal de tudo ficará nas entrelinhas e com elas não me seria possível sua descrição, somente um rascunho roto do que tanto me amedronta.

Pois sendo assim, troco em miúdos: espero que esse elevador seja consertado em tempo cômodo, pois não gostaria de novamente provar do fel e dos gritos de paixões desenfreadas e mal ajambradas.

sexta-feira, fevereiro 12, 2010

Só dez por cento é mentira

Só digo que sem Manoel de Barros eu me seria ainda mais desprezível, não teria reinvenção muito menos salvação. Por Manoel e em Manoel me calo, me divirto, me delicio com suas palavras e me surpreendo com suas palavras e despalavras. E, principalmente, me amplio, para todo o sempre, Amém.
Se tiverem a oportunidade, assistam Só dez por cento é mentira, uma espécie de videodocumentário consentida por Manoel sobre sua vida e obra, e se arrepiem como eu. Mas, se ele não te tocar, esqueça. Você não foi talhado para a reinvenção da gramática manuelesca, ou manuelina, sei lá eu.


domingo, fevereiro 07, 2010

Mimimimimi


Como sabiamente escrivinhou o santo autor: Uma questão de honestidade básica. Sem falsos escapismos ou sabedoria de livros de auto-ajuda, muito menos algumas frases feitas tão úteis como o guardanapo sujo de catchup após o final do sanduíche. É preciso saber se ser se não há o que fazer. Como o agricultor sem defensivos para erradicar a praga em sua plantação, estão alguns de nós diante de determinadas situações. Se não se pode ser, que se chafurde na desgraça sem falsos pieguismos tolos nem frases de autoconsolação. Mas com honestidade, reitero. Pague-se o preço devido, por mais que este seja alto. Se, realmente, existem novas janelas na rua de trás a serem arrombadas, meta-se as caras, se possível for. Não tome a aceitação como covardia ou fraqueza. Ou tome-as, como melhor lhe convier. Só quem vive em sua carne e corpo sabe das suas dores e delícias, principalmente das suas dores, mesmo que sejam as mais comesinhas e egoístas. A mim não importa como nem onde, mas que dói, irremediavelmente. Me interessam aqueles cujos corpos estão desalojados em seus tempos e espaços, os que vagueiam sem rumo certo, os que bocejam com o hoje e desdenham do próximo amanhecer, por estes falam a minha língua. Com estes posso urrar no meio da praça sem ser taxado de pinel. E, se taxado for, estarei em minha alcatéia. A voz daqueles que não são se torna tão áspera que, com o passar das horas, transforma-se naquele audível que preferimos não perceber quando "tudo" parece mais suportável, ou menos enfadonho.

Aquelas que não perdem a finesse nem sob as lágrimas ao Romeu abandonado e que se fecham em copas ao transcorrer da vida são o tipo de pessoas que me entenderiam, pois falam às claras e tem no olhar trevas e luz.

O que digo é: saiba ser, mas também saiba experimentar a sensação do não. Tal como tem sido a negação, ou melhor, a aceitação empírica de que há algo que não se altera, por mais que atos e pensamentos estejam em consonância contrária. Eu não pude, fracassei, caí, cada vez mais me acomodando à rede por tanto tempo rejeitada. A frustração também pode ser bela e poética depois que se vivencia outros estágios. Não é o ideal, eu sei, aliás, todos sabem, mas foi o que deu. Sem tantos dramalhões existencialistas. Ao som de Bossa Nova e tendo ao meu lado aqueles tantos ordinários perdidos pelas praças, eu brindo a todas as alegrias e terrores que conheci em vida. Sem falsas esperanças, vivendo e sendo o que me foi permitido. Me amoldando a novos corpos e almas.