quarta-feira, dezembro 17, 2008

É Natal!!!!!!!



Todos os finais de ano são sempre as mesmas coisas, as pessoas recebem seus 13º salário e saem às compras vorazmente, procurando saciar seus desejos de consumo duramente reprimidos durante o restante do ano. Ou usam essa desculpa das festividades pelo simples motivo de que sim, nós queremos gastar, mesmo que não tenhamos como. O importante para o brasileiro é comprar, agora como vai se pagar já é outra história que rende alguns panos para as mangas bufantes que serão apresentadas nas vitrines das lojas da Oscar Freire na próxima coleção primvera-verão. É Natal, vamos nos regozijar com a data nos acotovelando na 25 de Março ou nos centros comerciais de nossas cidades. Vamos ajudar o país a crescer, vamos finalmente presentear as crianças com os brinquedos conquistados às custas de boa-educação e notas satisfatórias nas provas finais.


O que importa mesmo é gastar, parcelar no cartão de crédito nosso de cada dia. Nem que para isso tenhamos de pagar somente a parcela mínima durante nossos próximos oito longínquos meses, nem que para isso deixemos de adquirir o essencial para os crediários dos magazines e lojas de departamentos e nem que para isso sejamos obrigamos a diminuir as visitas ao Mc Donald´s e pizzarias nos finais de semana do ano de 2009. Temos que manter as aparências, afinal de contas, se o vizinho trocou o azulejo de sua meia água nós também temos o direito de fazê-lo. O direito não, a obrigação, afinal de contas, a grama do vizinho é sempre a mais verde.


E na empresa não se fala em outra coisa, no famoso amigo secreto, ou oculto, como se fala em algumas partes do país. Se o sorteado for nosso superior em hierarquia, há de se fazer um sacrifício e comprar para o(a) merecido(a) uma lembrança à sua altura. O que importa é consumir e mover a mola mestra da economia. Ou como diria Luiza Trajano, a presidenta do poderoso Magazine Luíza: "Minha gente, sem consumo não tem emprego!". Concordo com ela, se não houvesse Natal nem Reveillon não haveria trabalho para o telemarketing especializado em cobrança nem os carteiros nos entregariam aquelas temidas cartas nos comunicando o ingresso no tão querido Serasa.


Espíritas, protestantes, budistas, xintoístas, adeptos do candomblé, católicos e alguns outros mais entram nessa mesma miscelânea quando o assunto é Natal. O comércio não se importa com as nossas crenças, desde que acreditemos no poder transformador de vidas e mentes dos cartões das Pernambucanas e da Renner. Cartões que parcelam em até 6x sem juros e o primeiro pagamento só em março, minha gente! Aproveitem!


Eu só quero saber aonde, afinal de contas, se inculcou na cabeça desse povo de que Natal é sinônimo de calor, cotovelões nas lojas de 1,99 abarrotadas e o quilo do chester a preços ligeiramente elevados. E que não se esqueçam das castanhas nem das nozes na farofa da ceia, pois Natal sem farofa e abacaxi com tender não é algo digno de nota.


Porque no ano que vem começa tudo novamente. As mesmas dívidas, as mesmas dores nas pernas de tanto bater perna atrás dos presentes, as baboseiras de toda sociedade judaico-cristã ocidental mortalmente odiada por Osama Bin Laden. Qualquer dia desses convido uma família qualquer, convido para um sorvete na praça de alimentação do shopping e pergunto, assim como quem não quer nada: Mas, afinal de contas, o que é esse tal de Natal?













quarta-feira, novembro 05, 2008

À Beira do Pântano




-Mãe, o que é o amor?

-Hum?

-É, o amor, eu quero saber que que é isso.

-Minha filha, porque essa pergunta agora?

-Por nada não, um dia desses eu vi um casal de namorados falando um para o outro: "Eu te amo!" "Eu também te amo", e mais uma porção de frases com essa palavrinha que eu adoro balbuciar para sentir o som dela. E eu quero saber o que, afinal, é esse tal de amor.

-Mas, filha, eu não sei o que é amor.

-Então você não ama o papai?Vocês brigam de vez em quando, mas escuto sempre uns cochichos, quando a senhora diz que ainda o ama.

-Amo, sim, claro que amo....

-Então me diz o que é esse tal de amor!!!!

-Ainda é tão cedo para que aprendas esse tipo de coisas, menina.

-E quando será então a hora de eu saber o que é o amor?

-Isso somente o tempo vai te dizer, amor é o tipo de sentimento que não se mensura com palavras, apenas se sente, sem se perguntar o porquê da existência dele na nossa vida. Apenas se ama, pura e simplesmente. Se pensar demais, quebra-se o encanto da coisa e se cai em um poço sem fundo, do qual não se sabe se e como vai sair. É como o ódio, a ternura, o alívio; a gente sempre sabe quando o sente, mas não pode desenhá-lo da forma exata, e sim sempre de um jeito idealizado. Você não é a primeira pessoa que se pergunta sobre isso, filha, e possivelmente não encontrará as respostas aos seus questionamentos. Agora deixa a mamãe terminar a limpeza.

-É que eu ainda não sei como se ama.
-Ah, amar tem seus mistérios, aliás, existir tem muitos deles também. O tempo vai passar, você se tornará uma moça vistosa e então você terá o primeiro de muitos amores. Vivendo você se sujeita a isso, independente da sua vontade ou necessidade. É como em um passe de mágica, se diz a palavra encantada e pronto, a coisa aparece assim do nada. E transforma nossa vida. Ou vai nos transformando pela vida afora. Não se preocupe com isso ainda, filha. Apenas exista, que para isso você vive. Mesmo que, de vez em quando, vier uma mosquinha zumbindo no seu ouvido esse tipo de perguntas, procure não dar muita atenção a ela e venha perguntar para mim o que você quer saber. Se bem que eu tenho perguntas cujas respostas também não saberia fornecê-las, pois esse é um dos és da coisa. Senta aqui no meu colo, vem...

-Eu achei tão bonito ouvindo aqueles dois falando essas coisas diferentes, será que vai demorar muito para eu saber o que é o amor?

-Não precisa saber o que é o amor, mas apenas quando você o sente por algo, alguém, um animal, uma coisa, ou algo que o valha. Pois o amor também salva. Salva do escuro em que nos afundamos ao viver. Não que você chegue à tona amando, mas com ele a vida toma outras dimensões até então não imaginadas. E essas dimensões nos conduzem também a outras portas. Porque existir é abrir portas, filha. Hoje você está com a mãozinha na maçaneta com essa ideiazinha de saber como se ama e o que é o amor. Se você descobrir alguma resposta, você vai abrir a tal porta que vai te levar a um quarto igual ao que você estava antes.

-E tenho de abrir muitas dessas portas, mamãe?

-Vais passar a sua vida inteira entre elas, filha, bem que eu queria te poupar de tais descobertas. Mas é impossível. Sem querer você desabrochou do ovo e se descobriu humana. Após isso mergulhaste em um caminho sem volta. Mas com muitos meandros.






domingo, setembro 21, 2008

Pelas profundezas


Porque eu sempre mergulhei pela superfície de todas as coisas, espectador às vezes não atento de tudo que me rodeava, mas do qual pouco ou nada participava. Sem conseguir visualizar muito além do que me era permitido sentir, assim o era e ainda o é, sem sombra de dúvidas. Eu mesmo me sinto em relação ao corpo nas entrelinhas. Apenas sugestivo, como se me perguntasse cotidianamente qual a sensação de existir em toda a sua plenitude, sem reservas. Mas não o sei, nunca o vivi, apenas maquino mentalmente como seria experienciar tais sensações. E no meu pequeno plano ainda assim consigo me despencar e perder. Até porque meu pequeno mundo é assim amplo, nebuloso e inconfessável.
Pois eu confesso, mesmo sem saber aonde cairei com tais ousadias, que nunca bebi do cálice da vida, se é que esse termo imbecilizante persiste a análise mais atenta. Eu existo, sim, isso é mais que fato. É prova de mim mesmo. Eu sou. Algo ou alguém, continuo o sendo apesar dos pesares. Alguém que quer experimentar a sensação de o ser sem se imiscuir de ser também vários outros, mas experimentar os vários eus que habitam dentro de todos nós e que só se revelam em determinadas situações.
Que eu possa e consiga tirar esse gosto de estranheza da boca todas as vezes que olho para o outro e vejo algo muito além do que posso perceber. Nadam nas profundezas os outros e eu, apenas pequeno espectador atento, assisto a tudo até que as águas se tornem turvas e nada mais consiga visualizar. De quando em quando alguém que vêm à tona explica-me sucintamente o que se passa lá por debaixo daquelas águas lodosas, mas é como se fosse distante demais para meu corpo. Proibido. Intocável.
As palavras são ditas de forma clara e não consigo absorvê-las, apenas as imagino, estranhando que tenha me sido negado essa espécie de manjar na qual se mergulha sem grandes questionamentos e se retorna com pérolas nas mãos capazes de resistir mesmo a todas as intempéries do existir. Tais pérolas não são vendidas no mercado negro, procurei saber, infinitas vezes eu as quis e pagaria o necessário, mesmo o exorbitante, para ter algumas em meu poder. Mas elas não são achadas nesse território pequeno e raso. Só nas profundezas elas existem e de lá não podem sair a não ser nos pescoços e mãos de seus contentes proprietários.
Se algum dia eu as possuir, guardarei-as numa caixinha confeccionada por eu e as tirarei em ocasiões especiais para que vejam a luz do sol e para que eu tenha a satisfação de possui-las para meu bel-prazer. Contente, infantil, sorridente, medíocre, ou tantos forem meus predicados. Caminhando pelas ruas da cidade florida, eu e meu segredo revelado.

segunda-feira, setembro 08, 2008

Eu não sei


Quando me comunico, inconscientemente dou um fragmento ao outro. Pedaços do corpo. Em graus variados do que está em questão, mas sempre assim um corpo. Corpo que se desfragmenta a cada palavra dita. Lançada. Vomitada. O que eu comunico muitas vezes escapula ao meu alcance. Mas eu me comunico. Tento. Apesar de, eu tento. Mesmo não sabendo as consequências do meu ato, eu o pratico. Inconsequente e de forma inesperada. Prefiro não pensar no que haverá de surgir com o que digo. Mesmo que sussurrando, apenas. Mas ainda assim, irresponsavelmente, eu digo. E mesmo que meu castigo seja cruel.
Ontem eu fumei no escuro e, olhando a brasa, me disse algo que não posso revelar. Há de se ter segredos consigo mesmo para que a vida continue misteriosa. Nem a eu mesmo hei de revelar o que foi dito na penumbra daquele quarto. Mas algo me foi comunicado, e assim o é diariamente. Me comunico comigo mesmo e com outro sem ao menos perceber. Acredito que viver também seja isso. E foi com a alegria de um garoto que eu me disse algo, saborendo as meias palavras e atento para que não fosse ouvido. Seria uma violentação suprema que descobrissem esse meu segredo. Era o meu eu mais profundo que falava com o meu corpo. Um corpo com seus mistérios.
Mistérios que vêm à tona sobretudo quando digo: "Não sei.". Porque não saber é perigoso até. E de alguma forma traz conforto a quem não sabe. Mas o que não se sabe? Não saberei te responder. É misterioso demais para minha compreensão. Por enquanto, eu te digo que não sei. É preciso coragem para esse autoenfrentamento e percepção de que não se sabe. Talvez nunca se saberá. Mas provavelmente muitos outros o sabem. Isso eu também não sei afirmar, é uma interrogação. Se você também não sabe me ensine ao menos como é isso porque ainda não estou acostumado a não saber.
Eu sinto que não sei, e, enquanto isso, o indevassável se torna mais e mais nebuloso. Porque o doloroso não é não saber, mas sim perceber que não se sabe. Aí mora o perigo. Quando descobri que eu não sabia não saber, não aceitei e fiquei indignado. Estupefato. Macambúzio. Esse direito eu acho que tenho. Já que o saber me foi negado, que ao menos eu aprenda a não saber para não fazer perguntas. Porque eu cismo em perguntar, mas para que saber se eu não saberei o que fazer com essa coisa que quem sabe eu saberia?

quarta-feira, agosto 06, 2008

Jogo de palavras


Percebi que carrego dentro de mim força de tal devastação que se traveste de angústia e desamparo. Força que cambaleante se move, apesar dos pesares e do mistério de existir, me movendo em prol de uma vida menos cretina e mais frutífera. Sendo assim, sou lançado ao desafio diário e, mesmo perdendo quase diariamente e experimentando várias mortes, força-me a persistir, como se imbuísse da força de um tal tesouro que só eu poderei encontrar.

E com tal fome me alimento que tenho as mãos sujas por substância ainda desconhecida. Acredito que tal substância é a mistura do eu em contato com o outro que, sem se dar conta, forneceu-me a curiosidade e até mesmo a profanação e ousadia para penetração em território não permitido. E tenho a palavra, ou melhor dizendo, ela me tem, de tal forma estamos intrínsecos que já não sei mais onde o domínio de um perspassa o outro.

Apesar das quedas, traumas e do limo do poço, é nela que enfio as unhas em busca de salvação. Foi a única coisa que me restou e também o verdadeiro benefício por todas as coisas sentidas e vividas. É a palavra que vejo, sinto, toco e cheiro em todas as pequenas coisas, do amor que veio me nortear na hora mais inesperada e também na chva que observo cair durante a madrugada.

Peço que, se algo mais me for tomado, me deixem ao menos com ela. Pois com dor me desfaço de todo o resto, mas pela palavra que me salva do abismo me transformaria no homem forte que nunca fui. Sou egoísta, engulo-as todas e não as reparto nem com o mais faminto dos seres. Minha fome só se estanca quando eu enfio o dedo na garganta e vomito todo o frêmito do meu interior, para depois mastigá-la ainda mais voraz e servil.

Se necessário fosse trancar-lhes-ia no baú e só as deixaria sair com a expressão condição do trato que nos foi estabelecido de forma assertiva: se tu me deixares ainda periclitar pelo mundo dos homens, te alimento com minhas próprias entranhas.

Confesso que entrei em prejuízo nesse trato, mas sigo a ordem estabelecida. Apresento as minhas sobras em troca da sua soberania, beleza e mesmo vileza. Me perdoem os que não entendem o que expresso através desse texto, ou outros mesmo podem dizer que essa é uma relação de subserviência facilmente decifrável e explicada pela psicanálise, mas não existem mais aqui separados o homem e as letras; o que se observa é puro masoquismo: eu entrego o corpo à minha amante e dela recebo doses homeopáticas de existência. O corpo em troca de nesgas de vida. Ainda assim tem valido a pena.


sábado, julho 26, 2008

Produto descartável


Lembro-me que, há alguns anos atrás, principalmente durante a madrugada, a música que tocava no nosso inconsciente se retirava de cena e me vinha uma certeza à tona: nada do que estava sendo vivido me deixaria saudades. Mais precisamente, havia a falta de algo que se pudesse recordar. Mas o tempo passou e no meu interior essas sensações se arquivaram por si só. Permaneceram intactas, como se nunca houvessem existido, até uma fatídica noite em que me deparei com as tais verdades que me sacudiram novamente, mesmo que de forma suave.

Costumo andar por aí observando os rostos e suas expressões, me perguntando se algum deles, em algum momento se sentira deslocado e tão fora de propósito como eu. Confesso que sinto uma espécie de prazer masoquista na constatação da "nobreza" da minha alma, mesmo sabendo o quão sou reles e presunçoso por me oferecer tal alcunha.

Caiu-me nas mãos a constatação cretina e absurdamente real: como poderiam essas pessoas com quem divido a calçada se sentirem como eu? Essas pessoas efetivamente existem, não importando se por vias tortas, mas elas vivem e como vivem! Da maneira delas, isso não importa. Mas, se pudesse eu pegar um gravador e propor a qualquer uma delas que me contasse suas histórias de vida, tenho absoluta certeza que experimentaria ao menos imaginar situações que nem ao menos soubesse que existiam. Pessoas que amam, foram amadas, fazem amizades, inimizades, família, aparentados, situações vexatórias, momentos de glória, viagens, lágrimas, dores, trabalho, dinheiro, compromissos, afeto, crianças, velhos, objetos e animais de estimação, e tantas outras coisas que não consigo enumerar.

Mas o mais inquietante seria: a teia de relações humanas estabelecidas há tempos imemoriais, que faz com que uns se recordem e façam parte da vida dos outros. Simples assim. Cada qual com seus momentos de delicadeza, mas também outros de perturbação.

Sendo assim, fui obrigado a me retirar de tais estatísticas. Sempre estive à margem da vida e de seus desdobramentos, e mesmo quando estive inserido no tal contexto minha participação foi mínima, praticamente nula. Nem fui percebido por quem ali estava naquele instante, e mesmo quando um ou outro deu com as vistas por cima de mim, continuou sua rota como se eu fosse um objeto de decoração, que nada altera na esfera do ambiente. Algo que não desperta paixão nem ódio. Não desperta ao menos indiferença. Não desperta nada, somente ocupa espaço e não possui serventia alguma.

Mas seria imbecil culpabilizar quem quer que seja. Por esse fato, talvez nem a eu mesmo. Sou apagado demais e desprovido de quaisquer atrativos que façam com que as pessoas me olhem com inveja, desdém ou admiração. Passo inclusive pela arena, assumindo em voz baixa que adoraria fazer parte dessa miscelânea de sabores e sensações.

E o que faço eu com tal descoberta? Coloco-a no bolso e continuo, aparentemente, como antes. Mas ainda mais fragmentado.


sábado, julho 19, 2008

Um pedido...


Está um dia ensolarado, bonito, as pessoas vêm e vão sem se importar com essa claridade excessiva, preocupadas com seus afazeres e o cotidiano que nos enleia sem que nos demos conta disso. Me dá um beijo, me dá um abraço, me dá tua mão, me dá teu corpo, me dá teu coração. Me dá um cigarro. Me dá uma bebida, só ébrio digo-te as coisas límpidas que sóbrio gaguejo, mas não confesso por pudor. Me tira desse torpor. Me tira desse poço escuro e úmido. Leva-me embora desse lugar que me faz tão mal. Me ensina aquilo que nunca aprendi, a viver e amar sem me questionar sobre o porvir.
Este seco na minha garganta anda-me a corroer as entranhas. Perdoe-me por tantas queixas descabidas, por me maltratar tanto e não te dar o valor devido. Dá-me uma existência comum, banal até. Por ti jogaria velhas teorias na vala e reaprenderia todos os conceitos novos que até então andam arraigados na minha carne ainda putrefata. Nunca suspeitei que chegarias em uma tarde nublada e achasses tudo em tal desordem, o interior feito de caos. Não tive tempo de preparar-me à sua chegada, vieste tão de repente. Pisaste no lixo, sentiste o mofo da casa fechada há anos, as lâmpadas que não eram usadas há tempos incontáveis, minha aparência crua e abjeta, as roupas em desalinho, a barba crescida, as olheiras profundas e aquele olhar que te percebia incandescente.
Te recebi mudo, sem ao menos balbuciar o que quer que fosse. Vieste em boa hora, mesmo que a minha fome e sede te chamassem inconscientes há muitas semanas e meses. Mesmo o jardim anda descuidado, nem sentirá mais o perfume das flores que invadia os quartos ao abrir as janelas, logo pela manhã. Encontro-me faminto no corpo e no espírito. Perdia a cada dia os restos humanos que me equivaliam àqueles do lado de fora. Mas ainda há tempo de colocar tudo a seu contento, tenha um pouco mais de paciência. Não desista de mim ainda tão cedo. Eu não posso mais continuar aquilo que fui e ainda o sou.
Sei que me acomodei, mas quando me apercebi já era tarde. Tarde demais. Já é tarde, bem o sei, mas o que resta ainda pode ser transformado, reconstruído. A mudança será lenta, gradual, mas ela será feita, mesmo que a solidão, o escuro, o desespero e a angústia tentem me demover disso. Joga-me uma corda, deixe-me sair desse poço. É da tua mão que necessito hoje e do teu sorriso. Que seja doce, que seja doce, que seja doce por um tempo incontável, a cada anoitecer cada vez mais doce...

terça-feira, junho 17, 2008

Dia atípico


Naquele tempo as casas não possuíam garagem nem altos muros, mas tinham em profusão um grande jardim com muitas flores e plantas, que poderia ser visualizado entre as grades pelos passantes. Essas eram as casas da minha infância, quando brincava de bola de gude e pião despreocupadamente pelas ruas sem me preocupar com o vai-e-vem incessante dos carros nos dias atuais. Mas percebi que não mudou muita coisa nessas ruas. Como se o tempo tivesse congelado e apenas alguns aspectos houvessem adquirido nova roupagem.

Bati palmas em frente àquela residência e veio a mim uma senhora simpática, possivelmente ocupada com algum afazer doméstico, pois enxugava suas mãos em seu avental. Disse a ela que havia passado a infância e adolescência naquele lugar e gostaria de revê-lo, mesmo que por alguns intantes. Sem esperar uma proposta parecida naquele momento, ela hesitou por instantes, mas foi gentil e me deixou adentrar a casa, que, obviamente, aparentemente não havia mudado tanto assim no decorrer dos anos, somente os móveis que haviam sido modernizados, em contraste com a mobília antiga que me fez relembrar os bons anos que havia passado entre aquelas paredes cheias de histórias contra e a meu favor.


Posso afirmar categoricamente: "Sim, eu fui feliz nesse lugar, aonde nasci, cresci e passei por imensas transformações no corpo e na mente, e, principalmente, foi onde vivi inúmeras situações que repercutiram pelos meses e anos que vieram depois da minha saída dessa casa". Tateava as paredes à busca de lembranças e procurava recordar a disposição dos antigos móveis com a impressão de que aquele foi uma época sem volta, que meu retorno até ali só me serviria como forma de expiação dos meus erros passados.


Muita coisa me veio à mente naqueles instantes fatais, mesmo até o que fazia questão de apagar da memória, mas que surgia como que me esfregando nas faces quem sou, e principalmente o que fui outrora. Apenas tortura psicológica que praticava comigo mesmo, pois confesso que tenho grande prazer em me autoflagelar. Adoro isso nos momentos próprios, quando enfio a cabeça no travesseiro e revivo situações que me foram vergonhosas, mas que hoje não provocam mais do que risos contidos.


E assim fui percorrendo a cozinha, o quintal, a sala de estar, a sala de jantar, os quartos, o banheiro, a dependência de empregada, e claramente surgiam-se flashes das mais variadas situações, algumas extremamente enfadonhas, outras tão risíveis que, contando à senhora moradora da casa, era apenas uma alegoria enfadonha de um menino que subia nas árvores do quintal a catar alguma manga madura e que se estatelava ao chão ao se desequilibrar do galho.


Eis que o citytour chega ao fim, enervo-me do meu passado e procuro desesperadamente uma volta aos dias atuais, por mais maçantes que sejam. Despeço-me da senhora, respiro longamente e, quando fecho o portão que dá para a calçada, tenho a impressão de que deixo para trás um pedaço de mim que explicaria a meu analista o porquê de tantos anos sem alta.







segunda-feira, junho 09, 2008

Mamãe, eu quero ir para Hollywood!


Deste muito jovem Sweet Girl planejava altos vôos e sonhava com o estrelato. Frequentemente era flagrada com os vestidos maternos ajustados à seu então pequeno corpo e com enchimentos de algodão nos sapatos, dançando freneticamente os ritmos da moda. Quando era surpreendida em momento de estrelato solitário, colocava as mãos na cintura e repetia, galhofeiramente e sem medo de estupefacear os presentes:

-Ai, mami, sou ou não sou a mais mais do pedaço? Um dia serei muito famosa, mas muito mesmo.

E os meses e anos passavam, Sweet Girl sempre com a idéia fixa de que o estrelato estaria do outro lado da serra, apenas aguardando sua chegada a novas paisagens. Até que chega a era do rádio, e eis que a moça se torna macaca de auditório, entoando em alto e bom som: "Eu que deveria estar aí, suas barangas raquíticas, eu que quase fui Miss Suéter no Baile Municipal de Pasárgadaaaaaaaaaa!!!!!!". Invariavelmente era convidada gentilmente a se retirar pelos seguranças do local, não sem protestar muito durante sua saída e transformando o acontecimento em notícia dos jornais locais. Quando não podia se deslocar até as estações de rádio, punha-se em frente ao aparelho radiofônico e, enquanto ouvia cânticos de Cauby Peixoto, Dalva de Oliveira, Ângela Maria, Francisco Alves e toda essa turma, colocava as mãos no coração e suspirava longamente, ansiando pelo dia em que estaria entre seus colegas de profissão. Vale ressaltar que Sweet Girl só arriscava-se a cantar no banheiro, enquanto sonhava que estava em uma banheira de espumas com sais, tendo a seu lado um mordomo a lhe servir prosecco e caviar iraniano.

Eis que Brasília é inaugurada, então a moça consegue uma maneira de se infiltrar entre os membros da comitiva presidencial e suas poses lânguidas são publicadas no extinto "O Cruzeiro", com o título "A Louca dos Candangos". Já nesse período tem como grande ídala Marylin Monroe. Quando saía às ruas, se embonecava toda, sapecando uma pintinha no canto da boca, colocava um bom batom grená nos lábios, vestia seu melhor espartilho tendo um vestido branco muito rodado como ornamento principal, um salto e ficava na frente da loja de eletrodomésticos, de preferência na parte de ventiladores, esperando que suas saias fossem arribadas pelo vento e ela fosse convidada para uma refilmagem de "O Pecado Mora ao Lado".

Isso sem esquecer de comentar que também idolatrava atrizes do porte de Audrey Hepburn, Claudia Cardinale, Sophia Loren, Gina Lollobrigida e algumas mais cujo nome me foge à mente, e cismava que ainda seria a musa inspiradora de Truffaut. Se bem que ela teria adorado de igual forma ser a musa de Ipanema, mesmo se em vez disso fosse a Representante Internacional das praias de Guarapari. Foi uma das pioneiras em usar o famoso duas-peças, em um tempo em que isso ainda era considerado artigo indecente para ser usado pelas moças de boa família.

Eis que vem a nós a Jovem Guarda com seu alucinante iéiéié. Sweet Girl não perde tempo e se torna cover da nossa Ternurinha, a Vanderléia. Com suas botas de cano longo e sua minissaia mostrando várias polegadas acima dos seus joelhos, a moça é fartamente convidada para festas de debutantes e despedidas de solteiros, complementando assim sua renda e ajudando nas despesas familiares. Mas Sweet Girl não desistia da fama e, temendo ser reconhecida nas ruas, costuma usar uma faixa nos cabelos, grandes óculos escuros, em voga naquela época, um bom sobretudo a despeito do clima desértico de Pasárgada e sapatos de bico quadrado. Uma perfeita dama dos anos 60.

Naquele tempo eclode o maio de 68 em Paris e consequentemente manifestações estudantis país afora, sendo que Sweet Girl não perde tempo e entra no clima de contracultura. Não que ela fosse reivindicadora muito menos estudante, mas sabia que isso lhe daria visibilidade e sua foto provavelmente seria estampada nos jornais, nem que fosse na seção policial.

Eis que mais um período da sua vida tem fim, e chegam os anos 80, o new age e over, e a moça não se roga a usar largas ombreiras e calças jeans de cós altíssimo. Estava abafando, e sabia que era admirada e mesmo seria um ícone de comportamento do momento, mas o tempo passa e Sweet Girl adquire outras prioridades na vida. Mas nunca se esquece de que um dia foi a mais mais do pedaço.

Estamos nos anos 2000, e, figurino by Barred´s e sapatos Stilletto, ela é toda picardia dirigindo loucamente pelas ruas de Pasárgada e retocando a maquiagem a cada parada no semáforo. Mas ela ainda não desistiu de ser famosa, e ela sabe que é grande. Mesmo que no seu inconsciente. Sweet Girl só quer um lugar ao sol, e isso todos nós queremos, mesmo que não percebamos nunca esse fato.


sexta-feira, maio 30, 2008

Não dou, não vendo, não empresto e nem arrendo!


Era uma moça sentada no banco da praça com o seu chocolate. Sorria magistralmente com as pernas hermeticamente juntas. Só não batia palmas de satisfação pelo fato de uma de suas mãos estar ocupada com o doce. Mas não se sabia mais aonde acabava o chocolate e começava a mulher propriamente dita, tão envoltos estavam ambos no mistério de existir, de ser. Enfim, ali estava o mistério da coisa. Os dois eram vida dependentes entre si para continuar subsistindo. Mas eis que à sua frente passam uma outra mulher, aparentemente mais velha, tendo em uma de suas mãos uma criança que supõe-se ser seu filho. O menino, meigamente, roça sua mãozinha na blusa de musseline de sua mãe, e propõe, inicialmente em voz baixa:

- Mãe, eu quero.

- O que você quer, meu filho?

- Eu quero o chocolate daquela moça ali, está vendo?

- Ah, meu filho, vamos embora, eu compro um doce para você perto de casa.

- Mas, mãe, eu quero aquele chocolate!

- Meu filho, aquele chocolate é da moça, pare de me perturbar e vamos andando.

- Ah, mas eu anseio ardentemente por aquele chocolate, outro não serve. Vamos logo, mamãe. - E empurrava sua paciente e amorosa mãe em direção ao seu nirvana terrestre.

- Oi, Boa Tarde!

A moça com olhar taciturno viu-se quebrada de seu mais recente encanto e responde mais por automatismo do que por educação:

- Boa tarde.

- Moça, esse é o meu filho. Sabe, passamos perto de você e ele encasquetou que quer um pedaço do seu doce. Eu disse a ele que compraria outro igual ao seu,mas essa peste é teimosa como o cão. Hoje o pau vai comer lá em casa. Ah, se vai!

-Eu não posso... - a moça ficou de tal forma absorta na proposta que mal conseguiu balbuciar tais palavras.

-Tá vendo, Helinho? Vamos embora, deixa a moça em paz. - dizia enquanto a criança olhava com olhar pedinchão o tal chocolate.

-Moça, me dá um pedaço, vai? Bem pequenininho, só uma lasquinha, vai, me dááaáááá.

A criança fez um muxoxo.

- Por favor, dê um pedaço só, criança não entende muito bem as coisas ainda. Mas hoje a cinta vai cantar, ah se vai, vai sim!

- Mas eu não posso mesmo....

- E por que não?

- Sabe, eu economizei muito para poder comprar esse chocolate. Está vendo como estou magrinha? Fiz um jejum de nordestino para poder comprar essa joça. Quando passo na rua a molecada fica assobiando: Olha a A-NO-RÉ-XIIIII-CAAAAAAA. Eu quero morrer com isso, mas assim é, fazer o que?

- E o que esse chocolate tem de tão especial assim?

- A senhora está vendo esse desenhinho amarelo no canto esquerdo superior da embalagem? Pois é, o cacau que contém aqui foi pisado pelos três dedos do pé esquerdo de uma senhora de 41 anos e cinco meses moradora do litoral da Costa do Marfim. E esse fator alterna enormemente a textura e o sabor desse chocolate. Encomendei-o a uma fábrica belga, que me fichou na Interpol e me investigou durante seis meses para saber se eu realmente sou uma compradora em potencial desse doce. E ainda assim tive meu passaporte confiscado e não poderei sair do Brasil durante três anos, pois temem que eu contrabandeie pedaços do chocolate para os espiões poloneses.

E o garoto berrava, berrava e berrava mais alto. Enquanto isso, juntava gente por perto acompanhando o desenrolar dos fatos. A mãe clamava aos céus para que aquele pesadelo acabasse e a moça só fazia cara de poucos amigos e explicava que isso não seria possível, que assim não podia. A turma do deixa-disso já havia até se dividido em dois partidos: as pessoas que gostariam de ver o circo pegar fogo, enquanto alguns outros clamavam pelas liberdades individuais e ameaçavam chamar os Direitos Humanos por estarem constrangendo a moça.

E o tempo passava lento e arrastado.

Resumo da história: a mãe e a jovem se atracaram, cada um defendendo seus interesses, e agora ambas estão na delegacia do bairro fazendo exame de corpo de delito e o garoto foi mandado para um orfanato, onde foi colocada na sua frente um prato de plástico imenso com muitos chocolates em suas formas variadas, sendo obrigado a degustá-las sobre o olhar cândido de freiras dominicanas.



sábado, maio 24, 2008

Aquele que coça a cabeça


Acho tão estranho quando alguém demonstra afeição por mim, por mais que no meu interior o que mais almeje é ser aceito pelas pessoas assim como sou, com meus medos e frustrações. Mas não me agrada quando tentam me convencer que a minha forma de ver a vida e seus enleios não é a forma mais correta de viver. Afinal de contas, como que se faz para viver? Se alguém souber essa resposta, por favor me forneça essas informações pois ando em busca do Teorema de Pitágoras há muito anos, sem respostas conclusivas, apenas reticências...

Essas coisas que aqui escrevo parecem por demais abstratas para a grande maioria das pessoas que, a este momento, a poucos quilômetros de onde estou, aproveitam esse dia de sol nas praias e na convivência social. Mas é a minha realidade mais íntima e discreta, que mesmo assim sendo, urde por se fazer aparecer e muitas vezes está estampada na minha cara. Cara de quem não sabe o que fazer, como e o que dizer nas horas mais apropriadas e, principalmente, cara e corpo de quem não sabe o que fazer com esses acessórios recebidos em uma caixa de presente com laço de fita muito jeitoso e chamativo.

E o pior de tudo é que tento não demonstrar o quão no fundo sou carente e só, mesmo usando do velho discurso de que adoro a solidão. Não estou utilizando da autocomiseração, e se assim pensares não poderei te demover dessa idéia, apenas contra-argumentar com palavras que no final das contas acabarão não convencendo nenhum de nós dois. Não sei o que fazer da liberdade que me foi concedida, que rumo tomar ou simplesmente continuar pelas curvas que a vida foi me levando inconscientemente da minha vontade.

Possuo uma espada de dois gumes nas mãos: tenho o livre-arbítrio e não sei o que fazer dele. Esse sol que invade a janela na qual estou próximo só me faz ter mais certeza de que todas as coisas hão de passar, não importando o que virá depois delas, muito menos se haverá uma continuação. Sim, mas sempre há um porvir, e depois outro, e mais outro. O ciclo é infindável e a verdade é que muitas coisas escapam ao nosso controle.

Enquanto isso, bocejo e divago a cabeça nas horas vagas e procuro não repetir esses mesmos atos quando tenho algo a fazer que me tire dessa letargia e me faça sentir um pouco mais produtivo do que ando me sentindo. Mas é instintivo: lá venho eu com o meu provável poder sobre mim e o mundo e o fato se espatifa ao meu redor sem que eu nada possa fazer para alterá-lo ou melhor, evitá-lo. Não saberia exemplificar o que digo, até porque não sei em que ponto uma tal situação se conclui e onde outra se inicia. Falta-me o discernimento da coisa. Falta-me saber como lidar da melhor maneira com a tal coisa. A coisa é, simplesmente, e escapula ao meu entendimento. Ela o é sem que eu a queira.

Enquanto isso, continuo sentado no banco da praça, com a mesma cara de paisagem costumeira, tentando esconder meus olhos dos raios ultra-violetas, mas é sempre a mesma visão embaçada entre a razão e a emoção. Somente mais um entre tantos outros com os quais cruzamos diariamente. Mas com a leve impressão de que mais só, infeliz, triste, solitário e algo o mais. Esse algo o mais também me assusta.

quinta-feira, maio 22, 2008

A Metamorfose


O espelho embaçado pelo vapor da água quente me inspirava a escrever alguma coisa que ao menos naquele instante demonstrasse a minha pretensa imortalidade. Mas as danadas teimam em se enfurnar em algum buraco escuro e quando necessito dessas moças elas mangam da minha pessoa debaixo das minhas fuças e fazem questão de ser malcriadas, ressurgindo das cinzas quando elas não são mais necessárias.

Sendo assim, só me restou fazer cara de bom tacho ou mesmo a minha famosa cara de paisagem, como se tivesse sido pego em alguma traquinagem devida que me renderia umas boas palmadas ou mesmo alguns minutos sentado no canto da parede refletindo sobre minha ação criminosa. Ou, como diria meu amigo Paulo, faria cara de bondade e tentaria convencer o interlocutor da licitude do fato.

Mas, enfim, eu não sabia o que haveria de ser escrito ali, apenas idéias desconexas que sozinhas não formavam sentença alguma. Se bem que, mesmo assim, meu instante criador se esvairia no instante em que desligasse aquele chuveiro e a temperatura por si só se ocupasse de destruir meu insante escritor. Mas sou teimoso e birrento e faço questão de não ser vencido pelas circunstâncias, mesmo quando estas me provam que são mais vigorosas do que aquele que vos escreve.

Tive a impressão de ter sido jogado em um imenso palco sem prévio ensaio, apenas uma folha em branco sem nada datilografado, sem que me fosse passado o que deveria falar, quando, onde, em que circunstâncias e como me portar em relação ao meu corpo. Mas assim fui e estou até agora. Aos trancos e barrancos, mas vou. Sou insistente por demais e cometo muitas gafes, mas uso de minhas faces bondosas e escapulo aos comentários alheios. Um dia, de tanto insistir, eu acho essas respostas. Aí ficarei impossível. Menos sorumbático e mais paciente. Menos metamorfosse. Mais pessoa. Não sei as consequências que advirão dessa descoberta. Mas me rendo ao desafio. Ai de mim, meus caros!

domingo, maio 04, 2008

O processo


Cabelos despenteados e muitos fios brancos, calvície proeminente, barba de alguns dias, All Star velho, roupas puídas, mãos nos bolsos e olhar desconsolado e baixo. Esse seria somente mais um desnorteado da sordidez urbana, mas me refiro a mim mesmo. Um resumo nada prolixo de um ser de estranheza agressiva. E invariavelmente um cigarro sendo fumado vorazmente. Muito mal humor quando não há cigarros a serem degustados. E idéias, muitas idéias. Imagina-se andando pelo centro de uma grande metrópole recitando Rimbaud em francês. Mas não conhece Rimbaud tampouco fala esse idioma. Um sádico. Estranho. Somente mais um rapaz não muito jovem que anda pela cidade em direção a algum lugar, como as outras pessoas com quem divide as calçadas. Mas geralmente não há lugar algum a ir, anda-se a esmo. Mas somente em lugares já conhecidos anteriormente. Esse moço não se aventura por locais aonde nunca esteve. E pensa, pensa e repensa. Se lhe perguntam acerca do que tanto divaga, não saberia responder. Sente-se privilegiado por ser tão apagado que não chama a atenção de ninguém. Assim, é anônimo, não lembrado e muito menos comentado. Se depara com sua imagem no vidro de uma vitrine qualquer, e apalpa abaixo dos olhos, onde se depara com algumas olheiras, e marcas de expressões na testa. Mais uma vez se pergunta se quem vê é ele mesmo ou apenas a imagem de quem não gostaria de ser. E sente que nasceu no corpo errado. Mas é o que possue no momento. Aliás, em todos os instantes. Foi-lhe dado um corpo sem ao menos ser questionado se sua vontade era respeitada. Não houve um prévio ensaio. Ele foi jogado nas ruas sem ao menos instruções de como se comportar perante as pessoas que o amedrontam e essas construções que lhe são estranhas e assustadoras. Sente-se um ordinário. Quando sente algo sobre si, pois observa muito mais aos outros e sente medo do julgamento que farão dele. Tem impulsos de sentar em qualquer lugar onde possa se sentir um pouco confortável, mas algo lhe diz a ilicitude do ato. Sabe que tem um local para morar e passa uma parte do dia ali, mas olha para aquelas pessoas e não sente nada por elas, apenas confusão. E tristeza. Mais uma vez sabe que não vive da forma que deseja e que aquelas pessoas as quais lhe disseram algum dia que são seus familiares não lhe inspiram nada mais do que um oco no fundo do estômago e no resto dos locais vazios do corpo. Aliás tampouco questiona como seria a vida ideal. Este rapaz não muito jovem não sabe viver. Ele na realidade nem sabe porque está vivo. Apenas segue a ordem das coisas, sem se revoltar concretamente com o presente que lhe foi dado sem embalagem muito menos um laço dourado. Em algumas circunstâncias é visto dialogando com uma pessoa qualquer, mas prestando-se atenção, atenta-se para o fato de que trata-se de um monólogo. Sua timidez o impede de falar mais do que parcas palavras que aliadas fornecem informações de pouca valia. Mas a verdade é que ele não sabe o que dizer, onde colocar as mãos muito menos para onde olhar enquanto conversa. Mas percebe-se que tem um sorriso infantil que exprime ainda um quê de meninice não perdida. Enquanto acende mais um cigarro, pessoas passam em seu redor e não se atentam que são extraordinárias, e que estar fora desse círculo ou mesmo roda denota um preço alto os quais poucos se dispõem a pagar. Na realidade, alguns pagam compulsoriamente, sem serem consultados sobre a vontade ou não de não participar dessa roda. Eles apenas imaginam como seria estar dentro dela. E nesses instantes a imaginação voa longe, tão longe. Como quando era criança e acreditava que a vida seria para todo sempre tão simples e singela. Mas os anos passaram impiedosamente, e com eles veio a insônia, o roxo abaixo dos olhos e as costas meio curvadas, como que para se esconder da vista de todos.

quarta-feira, abril 09, 2008

Papo sem pé nem cabeça


É estranho ter um corpo e não saber o que fazer dele. Braços, pernas, orelhas, órgãos, dedos que participam do conjunto mas destoam do resultado final. Tantos acessórios inutilizados pelo tempo e pelas sensações. Acessórios que são a raiz de sentir algo, mas o algo é o que há. Há algo e não o há ao mesmo tempo. Vida que corre no exterior desse algo. Algo que gostaria de ser inserido no contexto, mas que não o é por motivos desconhecidos a ele.

Imaginação que nasce dentro desse algo e não se consegue exteriorizar numa folha de papel. Até se exterioriza sim, mas tão fragmentada que no fim já não tem quase nada da gênese. Há de se plantar para que se possa colher algo, diz a sabedoria popular. Há de se ser suficientemente paciente para ver a planta frutificar. Ela tem a sua origem, que muitas vezes escapa ao seu conhecimento, dada a sua não-permissão do que se faz à sua revelia.

Há muitos ruídos lá fora, ônibus, carros, pedestres, enfim, a vida cotidiana que pulsa independente da minha participação nela. Mas esses ruídos não me atingem. Aqui dentro tudo coontinua tão amorfo quanto naquele tempo em que nem me havia apercebido dessa calmaria, desse porém, diria que letargia.

Calmaria ilusória, digo eu. Talvez até fazia tanto ou mais barulho do que lá fora, mas nesse caso se esgota por si só, não gerando nada e morrendo no nascedouro. E, a cada vez que esse ciclo infindo se repete, torno eu a ouvir o movimento, até mesmo musical, imaginando que logo eu estarei inserido no tal contexto.

Há vida lá foram, mas aqui também o há, oras bolas, digo para mim mesmo enquanto ando em círculos pelo espaço desprovido de obstáculos. Mas não sei dizer onde há mais vida, se aqui ou lá. Aliás, sei sim, mas não respondo a essa questão porque tenho medo da pergunta que ela vai originar, como se estivesse mexendo em algo secreto que não deve ser perturbado. Não gostaria de mexer com tal vespeiro. Não pretendo me expor às ferroadas. Muito menos às questões internas dessas ferroadas. Não sei se estou preparado para as consequências.

terça-feira, março 11, 2008

Que tédio...


Ando sem palavras ultimamente. As pessoas falam comigo sobre os assuntos mais adversos e só consigo responder afirmativamente com a cabeça ou então solto frases monossilábicas como: "Sim". "Pois é", “Quem sabe?”, “Concordo”, e por aí vai. Sou desinteressantíssimo, e só me dão trela porque ainda não perceberam que existem pessoas melhores com quem dialogar. E eu também não as aviso que não estou prestando atenção na conversa, que naquele momento estou com a cabeça longe, divagando acerca de assuntos que diferem completamente do que está sendo discorrido.


Ultimamente não, há muito tempo, posso até me arriscar a dizer que há alguns anos não tenho assunto. Até forço a situação e me arrisco a trocar meia dúzia de palavras com meu interlocutor, enquanto me seguro para não bocejar e não dizer que tudo é tão tedioso. Não quem está conversando comigo, mas eu mesmo. Sou o arquétipo do tédio. E não adianta tentar me convencer do contrário. Só eu sei da dor e delícia de ser quem sou eu. Um velho chato, com muitos cabelos brancos e calvície em profusão que anda com as mãos nos bolsos e pensa em voz alta andando pelas ruas da cidade, ou das cidades, não importa aonde. Procuro achar respostas para o acontecido na minha vida tediosa existência, e às vezes acho que a conseqüência e causa de tudo é minha essência extremamente enfadonha.


A única reação que provoco são bocejos ao dizer as convicções que considero geniosas. Na verdade, eu sempre penso que descobri o ovo de Colombo, mas o fato é que nem criatividade eu tenho para explicar as mesmas teorias sob um ponto de vista diferente, eu só copio as idéias alheias e as reproduzo modificando algumas vírgulas e palavras. Eu mesmo bocejo quando tenho meus estalos. Digo a eu mesmo: “Sossega, meu filho, nada do que você está dizendo é inovador, és um chato de galocha que procura chamar a atenção dos outros mas que sabe que és desinteressantíssimo, provocas sono e abreviam as despedidas quando te encontram casualmente pelas calçadas do município.”


Não mando mais ninguém às favas, já diria a sabedoria popular que a voz do povo é a voz de Deus. Ditos populares não são desejáveis a essa altura do campeonato, mas preciso ocupar meu tempo com alguma coisa e colocar algum texto, mesmo que seja esse lixo que você perdeu alguns minutos lendo. De qualquer forma, já tive dias melhores nesse blog. E pare de bocejar, você também. Ao menos finja que disse algo criativo.

sexta-feira, fevereiro 08, 2008

Narcolepsia


Ultimamente tenho viajado bem mais do que o usual, conhecido lugares, pessoas, ambientes e situações antes inimagináveis ou então relegadas a um inconsciente muito profundo. Alguma probabilidade muito pequena de se concretizar. Mas, enfim, assim o foi. Não sei porque cargas d´água tinha a impressão de que quando viajo as fisionomias vão ser muito diferentes das que eu vejo cotidianamente nessa pequena esfera caiçara, onde não consumimos muito peixe, mas em compensação moramos em prédios tortos. Culpa da engenharia que não havia se dado conta do péssimo solo que possui meu nobre município de nascimento para comportar tais construções. Mas isso não vem ao caso agora.

Gosto muito de viajar, observar as cidades que vão se desenhando à beira da rodovia e pesquisar sobre ela, perceber suas mudanças e imaginar como seus habitantes se relacionam entre si, ou mesmo como vêem os viajantes que os avistam diariamente mas nada sabem sobre suas existências. Passei a acreditar que posso conhecer um pouco mais do homem somente observando o lugar onde mora. Algumas vezes dou a sorte de ver as pessoas andando pelas ruas próximas à rodovia, seja indo trabalhar, passear, trepar, vadiar, beber, falar da vida alheia, enfim,
nada mais corriqueiro do que se faz todo santo dia.

Aliás, o que se faz em todos os cantos desse mundo, não importando a forma muito menos o idioma em que se é feito. Mas se faz sim. Ah, se faz. Agora mesmo, enquanto escrevo essa sandice, tem gente fazendo algo. Mas fazendo o que? Ah, o inacreditável, o inimaginável, o santo e o profano, o mais puro e o deslavadamente descarado, e mesmo sendo mais comedidos, de luz apagados e sem ruídos.

Não importa se você vive em Uruguaiana ou em São Gabriel da Cachoeira, és homem ou mulher, partilha das mesmas ansiedades que eu, e, não vem ao caso se os fazes no 15º andar de um arranha-céu ou às margens de um riacho. Mas os praticar. E não estou me referindo abertamente a sexo, vis libertinos. Posso falar de cortar as unhas, escovar os dentes, se alimentar, ler, andar, trabalhar. Ou seja, o que bem quiseres. Só sei que fazes algo nesse instante, nem que seja coçar a cabeça e se perguntar o que leva um ébrio como eu a escrever tanta baboseira.

A resposta é mais simples do que imaginas. Eu só estava há alguns dias sem escrever nada nessa joça por pura falta de tempo e não sabia o que devia colocar. Pois aqui está, o trash em seu estado mais puro. Pode vomitar, se quiser. Eu deixo. Se também quiseres passar reto e não me dar um pão velho, também permito. Só não admito a omissão. Hunf para você também..

segunda-feira, janeiro 21, 2008

Linha rompida


Construí uma linha fina, quase transparente, que me ligava às minhas utopias adquiridas recentemente e descontruídas a duras penas. Era tão pequena que só eu a enxergava e, na realidade, não tinha me apercebido que sua existência estava apenas no plano da imaginação. Ela não era real, mas simples fruto da minha por vezes rica criatividade.
No decorrer desse período, ela era minha mais fiel companheira e era guardada no meu bolso, sendo assim, a levava para todos os locais aonde me dirigia. Acordava comigo, a levava para passear, estava ao meu lado nos momentos das refeições nem sempre regradas pelo bom senso, participava de todos os meus afazeres, compartilhava das minhas leituras, das minhas músicas, das minhas idéias, trabalhava juntinho ao meu lado e me desaprovava sempre que me distraía e a colocava entre os meus dedos e a minha imaginação voava por planos psicodélicos. Enfim, ela estava no meu dia-a-dia, e me afeiçoei tanto a essa pequena coisa que não me via mais vivendo sem a sua própria existência.
Essa linha havia se tornado condição essencial do meu eu. Não poderia mais ser dissociado desta, e sem mim esta também deixaria de ter razão de ser, ou estar. Muitas vezes não nos damos conta de que nos apegamos a objetos ou fatos por si só tão mínimos que somente estes nada mais são do que um mero grão de areia da praia. Esta linha era meu elo de ligação com o mundo humano, e na verdade com meu próprio mundo.
E nossa convivência foi entremeada de períodos nebulosos. Por vezes discutíamos longamente, com direito a muitas lágrimas da minha parte e sorrisos nefastos da parte inversa. Ela me dizia que não passava de acessório para a verdade que eu não queria enxergar, e eu “tampava” meus ouvidos, a fim de não escutá-la. Este era mais uma prova da minha teimosia, defeito o qual tento me livrar mas muitas vezes é maior do que a minha força de vontade.
Mas, por poucas vezes, a acariciava e a agradecia imensamente por estar perto de mim e me fazer mais forte, se bem que a cada dia me tornava mais vulnerável à propulsão de sentimentos que eram tão sonoros quanto as palavras que não eram ditas. No caso citado havia muito, mas um desesperador silêncio. Silêncio mutilador.
Mas eis que chega o dia da sua libertação, nirvana, morte até. Mais para mim do que para a linha, que de tão fina e transparente nem poderia sofrer um processo de inanição. Até porque ela já havia nascido mirrada, e tão pequena que por muitas vezes tinha ímpetos de alimentá-la às colheradas para que ambos não morrêssemos de mãos dadas. Ela se foi, sem um gemido, sem uma palavra, um toque ou qualquer outro gesto. Apenas se libertou da minha presença egoísta. De repente me vi sem ela, e sem saber do que fazer, de como aproveitar sua ausência. Se foi sem me ensinar a viver sem ela. Bom, se há como viver sem ela. Preciso aprender, a duras penas e lições. A música de fundo continua tocando nos meus ouvidos. Mas agora sem a linha. Sem meu elo com dias melhores.

sábado, janeiro 05, 2008

Com a mão no coração


Pode-se dizer que tudo começou com um sim. Mas digo que um sim dito interiormente, sem grandes pretensões de ser ouvido por quem está a nosso lado, muito menos aquela afirmativa feita quando estamos falando em voz alta com a única pessoa que realmente lhe ouve em quaisquer circunstâncias: você mesmo. Mas inicialmente não trocaram palavras, era simplesmente um flerte praticado por duas pessoas que se interessam mutuamente baseado em questões físicas. Os olhos, o nariz, a boca, seios, braços, pernas, enfim,todas as características natas a qualquer ser humano.

Os dias se passaram e a paquera tímida continuava caminhando a passos lentos. Bom, não se pode dizer que em tal caso os passos fossem lentos, pois em poucos dias houve um tímido e casual:"Oi, tudo bom?", em que a resposta,logicamente, seria a tradicional: "Sim,tudo bem, e com você?". Detalhes desse colóquio não importam muito, até porque certas frases proferidas nesse âmago não interessam a nós, espectadores, mas somente aos participantes do sentimento que nasce sem que nos demos conta disso. Mas adianto que temos nesta história um final feliz, com direito a suspiros das senhoras leitoras das rádionovelas e de todos nós que, sim, sonhamos com um amor que nos faça perder o fôlego e o juízo.

Coração batendo mais forte à presença do ser amado, uma saudade inexplicável de quem se deseja e a necessidade física da pessoa por perto, pêlos do braço que se eriçam, defeitos que se transformam em qualidades ou são abruptamente miminizados,vontade de sair proclamando aos quatro ventos o nome do(a) felizardo(a), suspiros prolongados madrugada afora, apertos exagerados no travesseiro durante a noite, contas telefônicas a valores estratosféricos, os cinco sentidos que se tornam exageradamente aflorados; ou seja,tudo isso e tudo o mais a que se tem direito quando se ama. E obviamente sentiam isso com o decorrer do tempo, não se sabendo com qual intensidade. Mas suponhamos que sorriam desbragadamente,mesmo nos momentos mais estressantes do cotidiano. Botavam as mãozinhas no peito, próximo à região do coração,e pisavam nas nuvens, proferindo em voz baixa: "Aaaaaaaaiiii,como eu te amo!".

Mas, como em toda boa história amorosa, havia empecilhos. O moço ainda não estava totalmente livre de um relacionamento anterior. Leia-se que era casado. A moça, pelo visto, não possuía o mesmo problema, somente uma família tresloucada e uma tia que grita desesperadamente por motivos banais e provoca a ira dos ouvintes e vizinhos. De qualquer maneira, era um caso complicado, pois os dois queriam namorar e o rapaz tinha uma família, composta inclusive de um filho.

O relacionamento se mantém durante algum período sem que a moça saiba dessa condição de seu namorado. Mas,quando toma ciência do fato, exige uma decisão: "Ou eu ou sua família!". E assim foi feito. O rapaz abandona sua família em prol dela. Reitere-se que me refiro à minha prima Luciana, que bem merece esse sacrifício. Principalmente pelo fato dessa moça ser minha parenta exigia do rapaz uma atitude radical. Não que somente isso fosse o fio condutor do que se concretizaria a partir daquele instante, mas isso contou muito para o happy end aqui descrito.

Enfim, o rapaz se separa de sua esposa e assume publicamente um relacionamento com a minha prima, que já o era antes que ambos se conhecessem. Segundo informações fornecidas pela própria prima, no Natal cada um conheceu a respectiva família do ser amado, e não se teve notícias de pratos quebrados nem maiores incidentes. Sendo assim, já existe a aprovação dos familiares. Os dois se amam e suas famílias consentem com o namoro. E o sentimento cresce a cada dia mais, dado o caráter íntegro do rapaz e a protumberância física e intelectual dessa jovem moça.

No final das contas,o que importa é que o namoro esteja dando certo, e espero que assim se perpetue por longa data. Desejo sinceramente que o casal seja muito feliz e que me convide para a cerimônia religiosa. E que comemoremos em grande estilo,com direito amuito espumante, pois a champanhe está acima de nossas posses. E com longos suspiros das senhoras de São Gonçalo jogando arroz nos noivos dou por encerrado esse relato.