sábado, fevereiro 21, 2009

Noite Vazia


O vazio que alguns seres humanos sentem em determinadas instâncias da vida é retratada pelas mais variadas formas de expressão humana desde que os tempos são os tempos. Ou seja, de forma infinda, claro que de maneiras paradoxais com o movimento ou o pêndulo dos antigos relógios de parede. O oco de se saber não ser, do que não se foi ou de premeditar que não se será. Enfim, o que todos nós almejamos e sabemos não possuir, concretamente ou abstrato, como os sentimentos, que não podemos mensurar em uma folha de papel mas que tem o poder de latejar loucamente quando é mais inapropriado. De certa maneira, esse filme clássico do cinema brasileiro retrata isso. Dois homens relativamente jovens da classe média paulistana saem pela noite em busca de prazeres frugais que venham a lhe dar algum sentido no existir. Mesmo que essas delícias se esgotem por si só, como um alimento anseado que mata o desejo naquele instante, não podendo mais ser carregado pelos outros minutos e horas em que a tal fome ou sede ainda se perpetua.

Sua busca se resume em literalmente uma coisa: a mulher, preferencialmente aquela que, sob um primeiro olhar, não se oferece languidamente, mas que no fundo deseja também algo ou alguém que venha a lhe tirar do marasmo que as fazem também sair pelas boates e bares em busca de distração. Sendo assim, contratam duas prostitutas de alto padrão e as levam para seu apartamento no intento de prazeres carnais insanos e com hora marcada para se esgotar. Elas são interpretadas pela linda Odette Lara e Norma Benguell no auge da sua juventude e melancolia. Odette deliciosamente sensual e Norma lascivamente com os olhos de ressaca propalados por Machado de Assis. Encantadoramente despudoradas e esfuziantes.


Se já não bastassem esses dois ícones dessa década imperdível de ser revivida de alguma forma, as tomadas externas na São Paulo já desvairada e com seus arranha-céus, tendo ao fundo músicas instrumentais de Rogério Duprat, podem, na minha modesta opinião, ser consideradas uma das melhores tomadas do Brasil daquele tempo, aonde, mesmo em meio ao caos da já metrópole, as pessoas ainda andam pela noite olhando vitrines, passeando despreocupadamente e praticando o ainda usual footing. Mas o que coloco em questão é que me parece inovador da parte do diretor Walter Hugo Khoury tratar de forma simples a questão da prostituição em um tempo em que a mulher ainda era considerada vários passos atrás do homem e a revolução feminista ainda engatinhava.

Pelo pouco que conheço de Khoury, as mulheres de seus filmes tem personalidades fortes sem com isso destoar de sua feminilidade exuberante. E nas personagens desses filmes isso é latente, sendo os homens da história meros coadjuvantes aonde o principal é o que essas duas prostitutas farão com esses homens, e não seus inversos. Temos nesse filme até mesmo uma quase cena de lesbianismo, somente interrompida pela relutância da personagem de Norma, uma mulher da vida fácil ainda ingênua. E cenas externas entremeadas com os personagens andando pelo apartamento, comendo, transando, conversando ou se agredindo. Praticando muitas ações em um intervalo de tempo pequeno, pois toda a ação ocorre no espaço de uma noite, culminando com a volta dos dois homens aos seus lares e as moças também retomando suas vidas de, como dizer, divertidoras do primeiro pagante afortunado que se apraz com elas.

Enfim, recomendo a quem gostar de cinema brasileiro e tiver certa saudade de tempos que nem ao mesmo viveu.