sábado, novembro 06, 2010

De nada sei


Recomenda-se, de acordo com as Escrituras Sagradas, que a mulher que frequenta as praias desse nosso Brasil varonil use da mais singela discrição em seu trajar. Que não chame a atenção, pois é lícito que seu corpo, templo da mais absoluta honra e glória divinas, seja apreciado apenas pelo seu cônjuge, ainda assim com moderação e dentro dos limites da decência.

Sendo assim, a burqa rosa seria a indumentária mais apropriada para tal fim. Dessa maneira, a mulher estaria ao mesmo tempo gozando do seu direito a um lazer saudável e pleno, ao mesmo tempo em que estaria a salvo dos olhares gulosos dos surfistas locais. Pois o rosa é uma cor deveras feminina, ressaltando assim a florescência humana daquela que a traja, de igual forma denotando o respeito da mulher para com seus preceitos religiosos.

- Ohna suriandra namashivievskaia.

Emudeci, pois o moço se expressa de forma clara e concisa. Eu nada compreendi, confesso sob grave surpresa. Me veio à cabeça esse parco esboço ao ouvir em alguma rádio instruções de como uma moça religiosa deve se trajar para ir às praias. Alguns dias antes, coincidentemente, um ajuntamento de mulheres planejava, ou melhor, sussurrava, uma rápida excursão até a praia de Tambaba, na Paraíba. Já tinham quase a receita total exigida para a empreitada e a mais anciã esfregava as mãos ansiosamente à espera de tal momento.

Pois bem.

segunda-feira, outubro 11, 2010

Olhos baixos


Dessa vez mais escorou-se à parede em busca de algo que ali não havia mais. Ainda existiam marcas recentes de dedos na parede, somente isso. O resto era penumbra, móveis empoeirados e um cheiro latente de café fresco, que provavelmente emanava de algum imóvel próximo. E esse aroma despertou-me uma fome física, resultado de uma fome interior, de um saco sem fundo clamando por ser preenchido. Era uma fome que não se matava com pão ou algo do gênero, mas sim a fome pela ausência, pelo silêncio, oco, vazio e o que mais pudesse exprimir o que sentia-se flutuando pelo ar daquele lugar naquele instante. Era a emanação do que não se tinha mais, se algum dia porventura se viveu. Ou será que foi apenas fruto de uma imaginação sedenta pelo interdito?

O fato a ser constatado era que não havia nada ali além de um corpo transitando por entre uma mesa e cadeiras de madeira, com os olhos semicerrados vasculhando o chão em busca de algum sinal de retorno. Alguma sujeira que deveria ainda ser varrida, um pó necessitando ser aspirado, algum eletrodoméstico esquecido pelos armários, algum prato na pia que necessitava ser lavado, um sabonete aguardando o momento do seu uso, uma torneira que pingava, um teto que desabava, um gato que miava, alguma mão que apertasse a maçaneta. Se ainda houvesse algo a ser concretizado, não seria naquele instante que a faxina seria efetuada.

Sentou-se ao chão, ao mesmo tempo em que amaciava o acolchoado de uma poltrona próxima. Ao fundo, algumas crianças brincavam e lá fora a vida transcorria seu ritmo cotidiano, freneticamente mas ao mesmo tempo insurgindo torpor. E esse ronco no estômago cada vez mais dilacerante, pois ali não havia sopa alguma que fosse a ser sorvida, alimento algum que pudesse sanar a necessidade não somente física do palpável. Ali era o momento do não, do silêncio, da fixação e da dúvida, teimando em não se transformar em certeza: não poderia sê-lo mais famélico do que naquele instante, e o maná que ansiava poderia nunca mais tocar a campainha. Ou, quem sabe por acaso ou piedade das circunstâncias, a casa pudesse novamente ser arrumada?


segunda-feira, agosto 30, 2010

O Inominável


Acho que meramente dispensável de apresentações verbais. O salão já estava escuro e as pessoas acomodadas quando ali cheguei. Sentei-me de maneira confortável e pus-me a observar as feições dos vizinhos de cadeira, daqueles que provavelmente dividiriam comigo a emoção da música, de intensidade diferentes, mas de alguma forma especial e diferente: éramos vários que se transformariam em algum exato instante futuro em um só, sentindo nos poros o som da música que adentraria nossas mentes e corações. Sem mais delongas, as cortinas se levantaram e a orquestra começou a tocar aqueles sons que revelaria o dom de emocionar e evocar sentimentos e sensações nostálgicas mesmo nas mais jurássicas e débeis criaturas. E dentre elas lá estava eu, mesmo cansado após um longo dia de obrigações cotidianas.
Abstraí-me, segurei em sua mão, respirei longamento e fundo e me entreguei ao novo. Ao obscuro deliciosamente incrível que me fazia concatenar os sons e formar imagens de infância, quando corria na areia da praia e formava castelos com pá e balde.
Assim é o som que emana do mais fundo da nossa alma, ou melhor, a que tem a propriedade de tocar no nosso mais profundo eu, fazendo sorrir os adeptos do azedume e chorar os mais incautos ranhetas. Que me perdoem os adeptos dos hits musicais proclamados nos programas populares dominicais ou mesmo nas micaretas que proliferam o ano inteiro, mas nada como as negras vozes roucas do jazz ou mesmo a batida gostosa de uma boa bossa, ou quem sabe mesmo uma música lírica, apenas instrumental. Alimenta-nos não o corpo, mas a alma. Como necessidade física que temos de ar, água e comida do corpo. Ás vezes é preciso uma massagem na alma.
E nada como uma boa música, um bom papo e umas boas risadas, mesmo que internalizadas. Como no instante em que estava em público: me lembrei de coisas bobas e risíveis que me dizias, e sorri, com as mãos entre as pernas. Como um garoto se lembrando do sumo da manga que escorreu pela roupa ao pé da árvore. Ou assim como mãos que se entrelaçam no escuro da noite e sussuram doidices pelas tardes nubladas.

terça-feira, julho 27, 2010

Uma pequena dica

Gostas de cinema? Tem alguma preferência por diversão engraçada e ao mesmo tempo inteligente e construtora de reflexões e surpresas? Se sim, provavelmente já deve ter assistido ou ao menos ter ouvido comentários sobre O Fabuloso Destino de Amelie Poulain. Se assistiu, repita o ato. Se ainda não, pergunto-lhe o por que de tal ato falho, aliás gravíssimo sob todas as instâncias. Finalmente eu me redimi, o vi e o verei quantas vezes possível e necessário. Se quiser compartilhar comigo tal experiência, favor trazer a pipoca. Não tenho preferência de sabor, apenas a necessidade de compartilhar tal experiência. Sem mais delongas, apaguem as luzes e iniciemos a projeção.



sexta-feira, junho 18, 2010

Em Braile


Ontem você disse que me amava, assim, bobamente e de uma forma tão terna e que sei que para ti extremamente sincera. Confesso-te, a ti, a eu mesmo, a vós, para quem quiser ouvir, ou melhor, ler as palavras que digo com extrema vontade de gritar pelos canteiros centrais da praia: engasguei. Não esperava isso, até porque conheço-te o suficiente para saber que só dirias isso, se um dia o dissesses, se realmente o sentimento viesse do seu mais profundo, dos seus poros, carne e coração. Nem é preciso que eu diga o quanto também te amo e te quero, ao meu lado, na minha frente, em todos os cantos, preenchendo os espaços vazios e ocupando também os que estiverem de alguma forma preenchidos pelo que se convencionou chamar de existência, tudo o que fui, sou e serei. Se bem que é preciso que se diga que, quando te vi pela primeira vez, sabia que alguma coisa aconteceria em minha mente e coração. Sem medo de pieguismos ou lugares-comuns, o coração começou a bater em compasso diferenciado, acompanhando aquele ritmo melódico de quem sabe que nunca mais será o mesmo depois de certas visões e experiências.

E sorrio para estranhos, como quem quisesse compartilhar um pão, um doce ou algum outro alimento escondido em meu bolso, como quem fala com o olhar: sejamos felizes com os presentes que nos são dados abruptamente, naqueles momentos inesperados, como quem olha para as nuvens que formam desenhos no céu e procura adivinhar qual imagem formam. E rio freneticamente, ainda mais quando falo contigo ao telefone, procurando que absorvas a energia que emana do meu ser e te faça sentir um arrepio na espinha e uma quentura nas orelhas como quem sussurrasse: ai de mim sem ti hoje aqui ao meu lado, tocando meus dedos frios com suas mãos quentes.

És, em verdade, muito mais do que consiga externalizar com a palavra, pois ainda não fui treinado ou sensibilizado o suficiente para dar nome a certas emoções. Eu apenas sei sentir, falá-las ainda que tremulamente e vacilante. Só sei que também te amo. Que você me ama. Que nos amamos ainda mais quando o oculto que ambos já sabíamos nos foi revelado. Que possamos sentar na mesa e dividir o nosso cálice com todos aqueles que sabem nesse mesmo instante o que vivemos e que todos aqueles que não o sabem ainda venham a experimentar. Tem valido a pena todos os dias, e valerá ainda mais. Fecho os olhos e sinto uma alegria tão grande que meus olhos lacrimejam, agradeço entorpecido e toco suas sobrancelhas. Infantilmente, bobamente, como o cego que ansiosamente procurasse conhecer o mundo pelo tato. Tateio a ti, tu me tateias, e com nossas mãos tateamos o mundo que a partir de agora nos descortina inteiramente novo.

terça-feira, junho 01, 2010

Só para constar

Da mesma forma como você sorri bobamente quando assiste alguma coisa jocosa na televisão, eu esparramo meus braços em cruz em volta da cama enquanto te beijo, te toco e cheiro. Ou como quando suas cachorras se enciumam de mim e se colocam entre nós quando estamos conversando coisas boas e bobas no sofá. Ou quando o tempo fecha e, inesperadamente, você briga comigo pelas coisas mais banais, e eu não consigo deixar de achar engraçada a forma como reages a circunstâncias que a meu ver são desimportantes. Ou então quando falas de sua mãe, de seu temperamento e de suas brigas homéricas com ela. Ou simplesmente da saudade que sinto quando não te tenho nas adjacências dos meus poros, como se já não te visse por longa data. Mas me separei de você há poucas horas, nessas circunstâncias percebo que na cronologia dos bobos que amam o tempo corre de uma forma toda peculiar.
Ou então quando me beijas a testa, desejando que eu fique com Deus; sendo assim, divago, sento e me lembro quando te disses que gostava de Angela Rorô, e me disses, bobamente: Mas eu também. Pois bem, nada de muito importante a ser descrito aqui. Percebi que ando extremamente cru ao verbalizar. Tenho-me mantido mudo observando o silêncio que há nos seus passos e gestuais. És a minha Pasárgada hoje. Que assim seja por tempo indefinido. Que seja. Sim. Com algumas reticências, pois elas representam o que não consegue ser dito, mas apenas externalizado no olhar e nos toques. Como ando folhetinesco, bobo e piegas.

quinta-feira, maio 13, 2010

Do you wanna dance?

Pois bem, o máximo que eu faço é pisar nos pés alheios enquanto, desajeitadamente, tento me adaptar ao ritmo da música, ou mesmo movimentar desajeitadamente os braços e pernas imaginando que crio uma forma de chacoalhar o esqueleto extremamente contemporânea e que futuramente será estudada e aprofundada pelas escolas de dança de arte moderna. Sem subterfúgios. Sem linguagem cifrada nem subentendidos. Sem psicanálise muito menos frases de autoconsolação. Apenas gostei da sonoridade do clipe. O clima francês. Os personagens extremamente blasès e sua vestimenta apropriada. Senti-me no clima. Como se eu pudesse estar naquele cenário em matizes pretas e brancas. Do outro lado das câmeras, batendo o pezinho no chão ao compasso do som, com um sorrisinho no canto da boca e com vergonha de confessar que gostaria de ser um quarto elemento do clipe.