domingo, dezembro 31, 2006

Mais um ano se inicia


Pois é, chegamos a 2007. Nostradamus disse: a 2000 não chegarás. Mas fomos teimosos e insistimos, tanto que estamos, da mesma forma como o ano passado, retrasado, 1990, 1815, 1622, 1980: esperamos com ansiedade o porvir. Pularemos sete ondas, assistiremos à queima de fogos, comeremos lentilha, vestiremos roupas brancas, faremos mandingas, e muitas tantas promessas que somente serão a reprise do ano anterior: esse ano eu paro de fumar; ah, agora eu começo aquele curso de espanhol; vou emagrecer esses 5 kg em 2007, vou me dar melhor com meus vizinhos.
Fazemos planos, sonhos, traçamos metas, objetivos, tudo em busca de um ano frutífero, inesquecível, um tempo que ficará marcado em nossas memórias enquanto existirmos. Alguns desses projetos são concretizados, alguns no decorrer desse ano serão iniciados e alguns outros ficarão esquecidos no fundo da gaveta até o próximo reveillon. Muita água ainda há de correr por debaixo desse moinho, já dizia a santa sabedoria popular.
A vida passa, as horas voam, os dias cada vez a velocidade impressionante cismam em começar a terminar sem nossas argutas observações, e os meses se esvaem pelo ralo, até que, lá pelo final de setembro ou outubro, nos daremos conta e discorremos: "Nossa, esse ano está voando, hein? Daqui a pouco já é Natal, tenho de começar a pensar nos presentes ou naquela viagem já tradicional." Nosso companheiro de diálogo apenas indagará com a cabeça, em consentimento, ou poderá tecer mais algum comentário sobre o ano a passos largos findos.
A esperança é intrínseca à condição humana, como já disse outras vezes, e ela cisma em aparecer no meio da festa mesmo sem convite. Grande penetra essa moça bonita, chamada esperança. Ela vem como quem não quer nada, fazendo charminho, tentando comprar o segurança na ânsia de adentrar a comemoração, dá dois beijinhos em cada convidado, vem falar com intimidade desmedida com o anfitrião, e vem com aquele embrulho lindo, com uma fita de cor simplesmente lírica, e te dá entrega aquela "bomba" e sai risonha, bebericando champanhe, como se nem estivesse dado as caras ali. Mas ali naquele pacote está toda a nossa vida, ou simplesmente a continuidade dela. Nossa, como a esperança é linda, dizem alguns. Outros torcem o nariz ao vê-la e muitos simplesmente não se apercebem daquela moça que irradia a todos com seus risos pouco comedidos.
Em 2007 continuaremos a crer em algo, reformularemos novas idéias, seremos mais gente. Enfim, cada um viverá de sua forma única e especial. Tristezas, alegrias fazem parte da nossa trajetórias 365 dias por ano, e muitos continuam se achando os senhores dos seus destinos, isso e desde o início da humanidade. Planos, eu também faço, sou humano tanto quanto todos os outros, por mais que muitas vezes aflore mais o meu lado animal. Eu acredito no destino, acredito que ele rege o universo e os seres que nele habitam. Todas as nossas circunstâncias serão guiadas por essa pequena palavra de significados diversos. Pode ser na borra de café, nos búzios, na quiromancia, etc., mas nossos passos são guiados por uma força maior, que os homens ainda não conseguiram identificar, não sei se por incapacidade ou medo da verdade mesmo.
2007 não bateu na nossa porta, ela simplesmente invadiu o recinto. Mas sua presença nos trouxe a seguinte certeza impressa em sua camiseta branca: Al Maktub (está escrito).

sábado, dezembro 23, 2006

Subentende-se que....


As informações que tenho são esparsas, seriam, a grosso modo, como pequenos pedaços de papel escritos que são colocados alguns momentos em um balde. Esse todo me forma o conceito que faço de algo ou alguém. Dela, especialmente. Não sei quais foram as primeiras palavras balbuciadas, suas brincadeiras de criança, seu modo de atender e de pegar no aparelho telefônico, suas preferências gastronômicas, se algum dia já experimentou o sabor ácido de um cigarro, quando foi seu primeiro beijo, se dorme de bruços ou de barriga para cima, quais seus sonhos durante o sono, sua preferência física dos homens com quem se relaciona, se ela gostava de Química na escola, se já se apaixonou platonicamente por algum professor, se alguma vez já chorou escondida no escuro por algum acontecimento triste, se já tomou porres para esquecer dos problemas ou simplesmente para celebrar a vida, se usa meias coloridas ou brancas, o que comeu no almoço do sábado passado, enfim, pequenas informações que nos processam mentalmente a imagem que temos de alguém. Porque a pessoa pode ter uma aparência física definida, mas a imagem que temos dela provavelmente não é a real. Fantasiamos, colocamos na pessoa muito de nós, ou daquilo que ansiamos ser ou de quem desejamos ser outrora. Só sei que algumas vezes na semana a encontro no MSN, na grande maioria das vezes à tarde, em horário comercial.
Eu (ou o meu arremedo) -Oi.
Elâiântônia (a personagem principal do fascículo de hoje) -Ó ó ó, quem poderá nos ajudar?
- Só meu padim Ciço poderá estender suas mãos poderosas pra nós ajudar, ó Elâinântônia.
- Mas é mesmo?
-Apois, se é. É e é muito. É porque é mesmo.
-E como faremos?
-Se apegue com ele, reze dez Pai-Nosso e quinze Ave-Maria. Qual seu pedido, ó mineira com dentes salpicados de amarelo em decorrências das mangas comidas em demasia?
-Menino, nem te conto. Hoje eu tirei meu All Star pra lavar e resolvi ir de Havaianas trabalhar. Vc acredita que eu trupiquei meu pé numa pedra? Meu dedão tá todinho esfolado.
-Mas então somente ele, o pai de todos nós, o intercessor do nosso senhor Jesus na terra poderá aliviar sua dor. Reze aí que eu faço as minhas preces daqui.
-Pois então, vamos. Mas ele vai me atender mesmo?
-Vai sim, meu padim olha por todos nós, na alegria e na tristeza, na riqueza e na pobreza, na saúde e na pobreza. Para todo o sempre, amém.
-Êlâinântôniadôlivêira, você aceita o Gumercindo Amâncio Sá como seu legítimo esposo?
-Deixe de ser atoleimado, rapaz, meu pé tá aqui se acabando.
-Desculpe. Padre, interrompa a cerimônia, a noiva tá aqui pra quebrar tudo com essa dor que só meu padim poderá acudi-la.
Todos no recinto oram fervorosamente ao Padre Cícero. Em poucos minutos, como que por milagre, o pé dela se reestabelece. Como prova de tal milagre proveniente do meu santo padim, ouve-se de fundo alguma canção do Los Hermanos, e ela sai rodopiando pela igreja dançando feito uma doida varrida. Ao mesmo tempo, cegos passam a ouvir como na mais tenra idade, coxos largam suas muletas e a acompanham na dança e mais e mais milagres são efetuados por esse país.
Mas agora ela já rompeu os limites da cidade com sua dança frenética. Não se sabe mais seu paradeiro. Passaram-se muitos meses sem notícias de Êlâinântônia. As especulações são muitas. Algumas pessoas dizem que ela se infiltrou em um navio de bandeira liberiana e hoje é backing vocal de uma banda de reggae na Jamaica. Outros acreditam que a moça citada acima entrou clandestinamente na Venezuela e panfleta pelas ruas das cidades pregando a religião Antoniesca, na qual as curas do padre milagroso são as salvação dos homens de boa vontade.
Enfim, a conversa se encerra. Ela precisará desconectar pois daqui a pouco estará entrando na sala de aula da sua universidade. Mas ficam algumas questões no ar. Até que ponto essa moça permite ter sua intimidade devassada por um estranho, quantos metros realmente nos distanciam, o que ela busca em mim todas as vezes em que conversamos, qual a impressão que eu passo para ela, e vice-versa, quais seriam seus amores e frustrações contidas em cada palavra dita, e mesmo nas não ditas. As palavras não ditas são justamente as que denunciam mais sobre nós. Tudo aquilo que não temos coragem de dizer a ninguém, nem ao menos confessar a nós mesmos enquanto esperamos o ônibus que nos levará ao trabalho, à escola, aos compromissos com os amigos. Apagou-se uma luz. Hoje mais uma faceta de Êlâinântôniadôlivêira foi revelada a mim. As personagens no palco dão lugar a outros, com os mesmos medos, alegrias, dúvidas e sorrisos. Sim, porque amanhã será um novo dia. Esse dia nós é uma incógnita. Mas o show precisa sempre continuar. E nós somos as peças principais dessa grande engrenagem chamada vida.
OBS: Texto feito a pedido da minha amiga Elaine, de Sete Lagoas/MG.

sábado, dezembro 16, 2006

Esperando Godot



Estragon - Espere! Eu me pergunto se não teria sido melhor que a gente tivesse ficado sozinho, cada um por si. Nós não fomos feitos para a mesma estrada.
Vladimir - Isso nunca se sabe.
Estragon - Não, nunca se sabe nada.
Vladimir - Nós ainda podemos nos separar; se você achar melhor.
Estragon - Agora é tarde demais.
Vladimir - É, agora é tarde demais.
Estragon - Então, vamos?
Vladimir - Vamos.

Esperando Godot foi escrita pelo dramaturgo inglês Samuel Becket em 1949, sendo que suas duas personagens são dois maltrapilhos, Vladimir e Estragon. Eles passam durante todo o tempo da peça embaixo de uma árvore, esperando por esse tal Godot, que não se define bem quem ou o que realmente seria, apenas que ele ou este lhe traria a esperança de dias melhores. Mas ele não apareceu, a espera se tornara infrutífera.
Obviamente que essa peça pode adquirir contornos individuais, e cada um pode interpretá-la de forma individual. Mas a esperança, creio eu, é um valor individual. Todos nós, independente de tempo e espaço, acreditamos em um acontecimento ou pessoa que venha a modificar a nossa pequena vida, e os métodos pelos quais esse fato ocorreria são também únicos. Durante toda a história Godot adquiriu roupagem diversa. Poderia-se dizer que durante o Feudalismo ele se travestiu na promessa do servo que almejava adquirir a sua liberdade e deixar de depender do seu senhor, sem ter de lhe pagar altas taxas e se manter preso a um sistema social arcaico e de papéis sociais bem definidos. Durante a Revolução Industrial Godot apareceu para os operários como uma esperança de salários e condições de trabalho dignas, em que, se não se obtivesse riqueza, ao menos os trabalhadores ganhassem o suficiente para assegurar-lhes uma existência digna. Já durante a Revolução Russa de 1917 se acreditava que Godot (inconscientemente) apareceria com uma nação sem disparidades sociais, em que tanto o jardineiro quanto o alto empresário tivessem os mesmos reconhecimentos e igualdade perante a lei e o governo.
Enfim, o mais interessante nisso tudo é o que esperamos, sempre, durante toda a nossa vida. Sonhos, ilusões, utopias, ideologias, ou simplesmente crenças religiosas. Todas elas tem por fim nos fazer crer em algo. Dinheiro, filhos saudáveis, família feliz, êxito profissional, justiça social, o fim da guerra no Iraque, igualdade entre os sexos, aquisição da casa própria, o tapamento do buraco da rua onde moramos, o reprise na televisão daquele filme que adoramos, aquele produto top de linha na loja do shopping, enfim, nossos desejos são realmente das mais variadas naturezas e nenhum deve ser encarado com pequenez em detrimento de outros. São os sonhos também que fazem de nós ser o que somos, e são eles também que nos mantém, em certo grau, a continuar vivendo.
Eu também tenho o meu Godot, é claro. Quando adolescente, acreditava que poderia usar o meu pretenso talento com as palavras na transformação de uma sociedade mais igualitária, sem tantas desigualdades sociais. Obviamente queria por consequência um rendimento que me proporcionasse uma vida confortável e com acesso aos produtos que almejo ou mesmo necessito. Mas o tempo passa, e muitas vezes a vida nos encaminha por vertentes diferentes daquela que nos moveu anteriormente. Hoje posso dizer que meus sonhos de juventude não se realizarão daquela forma, mas Godot não me desapareceu por completo. Apenas trocou de roupa. Continuo crendo na transformação social através da palavra e dos seus desdobramentos, como popularização da arte e cultura entre os homens, o que viria a torná-los mais cientes do seu papel crítico. E é isso que me mantém, mesmo com todos os pesares. Mas não sei quais serão as minhas esperanças dentro de alguns anos. Mesmo assim, continuo esperando Godot, e, enquanto existir, continuarei colocando mais um lugar à mesa e imaginando o que dialogaremos se ele finalmente aparecer. E você, o que espera dele?

terça-feira, dezembro 12, 2006

Ô falta do que fazer


Após resolver alguns assuntos pendentes no centro da cidade, sentou-se em um dos bancos da praça principal. Havia se exaurido após ficar algumas horas em pé no banco, deixando ali grande parte do dinheiro conseguido às custas de muita labuta, sem contar a peregrinação ao despachante para se informar acerca do vencimento do licencimento de seu automóvel. Era um homem ainda jovem, apesar de já ter passado dos trinta há alguns anos. Tinha um sorriso largo, fácil, e não era de aparência física que nos chamasse a atenção, mas possuía em si algo inexplicável, olhos faiscantes, expressão curiosa, mãos inquietas, uma energia que não o deixava ficar parado em uma só posição durante mais de dez minutos. Esse homem estava simplesmente sentado ali, para tomar a fresca, sem maiores pretensões, durante esses minutos ele parte integrante da paisagem que compunha essa praça que não possui nada mais atrativo do que todas as praças vistas por nós no decorrer da vida.
Ali estava, observando as pessoas, as árvores, a vegetação, o comércio e o que mais não escapasse da sua arguta observação. Não se deteve nos detalhes estáticos, mas sim naqueles que iam e vinham sempre com aquela pressa típica de quem tem quezilas a solucionar. Como estava no centro da cidade, o fluxo de pessoas é geralmente considerável, o que não lhe permitiu prestar atenção a todos os transeuntes, mas alguns em especial lhe saltaram aos olhos. Pôde nesse pouco tempo ter uma pequena amostra das pessoas que o cerca, reconheceu pessoas que já tinha visto anteriormente mas nunca nem ao menos cumprimentou, viu jovens, velhos, gordos, magros, altos, baixos, homens, mulheres, mendigos e socialites, médicos e hippies, comerciantes e comerciários, donas de casa e profissionais das casa de tolerância, enfim, ele via e isso lhe bastava.
Começou a se perguntar sobre a história de vida dessas pessoas, e sobre o que elas pensavam sobre política, economia, futebol, sexo, a guerra no Iraque, seu bairro, os vizinhos, emprego, inflação, e principalmente, sobre o que elas pensam sobre si mesmas. Se se levantasse e as abordassse perguntando: Ei, diga para mim quem é vc?, ouviria as respostas mais diferenciadas, alguns não saberiam o que dizer a as demais continuariam seguindo suas vidas sem ao menos dar atenção a esse provável desocupado que não tem lá seus parafusos no lugar certo.
Mas não teve coragem, a covardia foi maior do que o ímpeto. Só conseguiu imaginar, divagar, até mesmo sorrir com o que lhe seria dito. Queria entender o outro se nem ao menos poderia responder essa mesma pergunta, se esta lhe fosse formulada. A partir daquele momento procurou saber que bicho esquisito é esse, o tal do homo sapiens. Queria poder responder porque cada um responde uma coisa quando questionados sobre o mesmo aspecto. Queria entender o que faz cada um de nós ser o que é, com suas virtudes e defeitos. Queria sair da mesmice e se surpreender com o que poderia descobrir a cada dia. Ele queria, afinal de contas, se entender. Mas não podia, sabia que isso era trabalho de Hércules, as chamadas doze tarefas.
Após esses longos minutos, se levantou e foi à loja de materiais fotográficos, onde tinha deixado alguns negativos para serem revelados. Fotos de viagens, da família, dos amigos, nada muito extraordinário. Após isso, se dirigiu para o seu carro, e, antes de dar a partida, pegou uma das fotografias, se viu retratado nela e pensou: Poxa, afinal de contas, quem é esse simpático moço da foto? O que será que ele pode me ensinar sobre a vida?
Saiu cantando pneus e nunca mais se teve notícias precisas dele. Alguns dizem que seguiu em peregrinação pelo Caminho de Santiago de Compostela. Outros juram que ele se enclausurou em um convento. Mas há aqueles que dão como certa sua entrada no hospital psiquiátrico municipal.

terça-feira, dezembro 05, 2006

Ribeirão Preto


Hoje vou falar sobre uma das minhas grandes paixões, que é essa cidade maravilhosa que se chama Ribeirão Preto. Cidade de temperamento explosivo, diria que do sexo feminino, apesar de não possuir variadíssimas belezas naturais, às margens de canaviais e rodovias que a liga a diversos cantos do país, com suas avenidas largas e ruas calmas em alguns pontos, apesar do progresso. Dificilmente se consegue ficar passivo a essa cidade que cresce a olhos vistos e pode nos provocar as mais diversas reações a cada visita. Aliás, não somos nós que vamos a ela, e sim ela se achega a nós nos momentos em que lhe convém. Ribeirão Preto não faz questão de esconder sua pujança econômica, ao mesmo tempo em que nos mostra sua timidez, seu lado mais humano, principalmente nos bairros periféricos, onde se vive como na mais autêntica cidade interiorana e onde as benesses econômicas ainda não chegaram em larga escala. Ali somos figura integrante da paisagem, participamos de suas conquistas e, infelizmente, algumas catástrofes. Torcemos por ela tanto quanto pelo nosso time de futebol do coração, e não deixamos de nos indignar com a impetuosidade de alguns governantes que não olham por ela. Mas Ribeirão Preto passa por cima de todos que querem seu mal, e se sobrepuja sempre. Ela se recria, se reinventa, ela é misteriosa, sensual, envolvente, mutante, não se acomoda na mesmice e está sempre na vanguarda. Há sempre alguma novidade a ser vista nela, mas o que acontece muitas vezes é que não merecemos visualizá-la, ou não temos a sensibilidade nem o olhar para tal ato.
A cidade já ostentou vários títulos. O primeiro deles foi de "Capital do Café", devido aos inúmeros pés de café existentes na cidade e região do final do século XIX até meados do século passado, apesar da queda da Bolsa de Valores de Nova Iorque, em 1930. Vale mencionar que foi o café que projetou a cidade nacionalmente. A cidade foi uma das primeiras do país a possuir calçamento nas ruas centrais, iluminação a gás, escolas de nível secundário, politico muito influentes na tomada de decisões que atingissem todo o país, e conta-nos a história que coronéis do período acendiam seus charutos com notas de dólares, estação de rádio, entre outros benefícios. E ela também foi chamada de "Capital da Cultura", em razão dos grupos de teatro amador existentes na cidade no final da década de 60, e também por ocasião no mesmo período da inauguração do Teatro Municial e do Teatro de Arena. Vale lembrar também a existência do Teatro Pedro II, localizado no Quarteirão Paulista, na Praça XV, que é considerado o 3º maior teatro de ópera do páis e tem uma arquitetura belíssima, remanescente da época áurea do café. Ah, e claro, não podemos nos esquecer da fama de "Capital do Chopp", que a acompanha até os dias atuais. Ela vem da qualidade da bebida produzida pelo Pinguim, choperia famosa nacionalmente. As razões pelas quais esse chopp é tão bom não sei dizer, até porque nunca o experimentei. Mas não é somente ela que faz o carro-chefe da cidade atualmente. O Chopp Time e a Cervejaria Colorado corroboram para a fama do município na excelência de seu chopp.
Ribeirão Preto hoje vive essencialmente do agronegócio e do comércio e serviços, comparados às grandes capitais. É a maior região sucroalcooleira do mundo e novos investimentos são feitos diariamente na cidade. Seus restaurantes, universidades, lojas e três shoppings centers atraem pessoas de toda a região e investimentos imobiliários de alto padrão são uma constante na cidade, sem esquecer de mencionar a recente construção do Distrito Industrial e a possível transformação do aeroporto Leite Lopes em aeroporto internacional de cargas, o que sem dúvida provocará um novo surto de crescimento na cidade.
Mas a cidade também tem problemas como qualquer outra do seu porte. A Avenida Francisco Junqueira e arredores sofre com as constantes enchentes em época de chuva, e o transporte público na cidade não é satisfatório. Quem mora na cidade sabe como é complicado se locomover nela sem a ajuda do automóvel. A carência de indústrias de grande porte também elevou as taxas de desemprego. A desigualdade social é marcante na cidade, existindo bairros com caxas luxuosíssimas, e periferias com condições de vida subumanas. A cidade também sofre muito com índices alarmantes de violência, se bem que há alguns anos atrás esse aspecto era bem mais visível. Ações concretas têm sido feitas na cidade com o intento de paliatizar a questão.
Nos anos 80, o jornalista Ricardo Kotcho produziu uma reportagem sobre essa região do estado, e a apelidou de "Califórnia Brasileira", por causa do dinamismo econômico encontrado ali. Pode-se dizer que desde então a cidade recebeu quantidade considerável de migrantes, sobretudo das regiões mais pobres do Brasil, o que aumentou as mazelas sócio-econômicas do país. Atraído pela promessa do Eldorado Brasileiro, essa população se alojou na cidade, que não pôde dar condições satisfatórias de moradia, saúde, educação, lazer e emprego a essas novas pessoas que chegavam em busca de melhores oportunidades. Hoje os ribeirão-pretanos (ou ribeirão-pretenses) rechaçam esse fama da cidade, e procuram minimizas os problemas causados pelo crescimento desordenado.
A famosa canção de Caetano Veloso diz que "acontece alguma coisa no seu coração, no cruzamento da Ipiranga com a São João", avenidas localizadas no centro de São Paulo. Eu acho que sinto a mesma coisa ao passar pelo cruzamento da Avenida Independência com a Presidente Vargas...

sexta-feira, dezembro 01, 2006

Menino, você não sabe o que a dona Maroquinha fez!


A senhora que descrevo a seguir não difere de nossas mães, tias, avós, vizinhas, conhecidas ou mesmo as transeuntes com quem cruzamos nas ruas diariamente. Ela pode até ser uma mulher que nas horas vagas faz um curso gratuito de bordados, ou mesmo que trabalhe com telemarketing para complementar a renda e nos aborrece com seu gerundismo e inconveniência, se bem que não podemos responsabilizar essas profissionais pela sua função, elas apenas cumprem ordens e batalham pelo pão nosso de cada dia, de preferência com manteiga e mortadela.
Mulher submissa e à moda antiga, casou-se cedo, sendo assim, abandonou logo os estudos e seu emprego como professorinha do que hoje conhecemos como ensino fundamental. Sempre foi fiel a seu marido, mas não podemos dizer que a recíproca é verdadeira em tal caso. Cozinheira de mão-cheia, também dona de casa exemplar. Cozinha que é uma maravilha, e se gaba com as amigas do baile que o seu feijão tem um tempero especial, que foi ensinado pela sua já falecida mãe, e cujo segredo não revela nem sob tortura. Na faxina ela é um primor. Mesmo com uma diarista que trabalha em sua casa duas vezes por semana, ela está sempre ocupada varrendo a sala, lustrando os bibelôs das estantes, costurando a barra de alguma calça ou saia, passando alguma peça de roupa que ela não confia às suas ajudantes, enfim, essa senhora vive tão atarefada quanto o primeiro-ministro da Colômbia. Criou seus três filhos com o ordenado do marido comerciário, e hoje seus pimpolhos estão crescidos, cada um com sua casa e cada qual com seu cônjuge. Ela até tem netos, que enchem a casa de alegria nos finais de semana e sujam os móveis da casa com os sapatos enlameados, vindos da rua. Mas ela não se importa. Avó e mãe duas vezes. Mãe educa, vovó deseduca. E dá-lhe nossa simpática representante da terceira idade preparando quitutes para o almoço de domingo, em que todos estarão reunidos, intercalando uma garfada de macarrão com os acontecimentos semanais.
Ela é tão meiga que é incapaz de falar palavras de baixo calão, e se expressa em muitos casos na forma diminutiva: brinquedozinho, gracinha, benzinho, amorzinho, lindinho, fofinho, carrinho, baratinho, etc. Realmente nada ela é tão fora de padrões que deva ser mencionado. Ah, ela faz hidroginástica três vezes por semana, à tarde, com suas amigas do bairro, e faz questão de lembrar que está mais enxuta do que muito brotinho de 30 anos.
Certo dia ela resolve reformar o WC de sua residência. Obras como instalar uma banheira, trocar o piso, a instalação hidráulica, ou seja, tudo a que tem direito, patrocinado pelas economias guardadas na poupança com rendimentos não superiores a 1% anuais. Só que para isso ela precisa pedir autorização aos órgãos municipais, já que sempre foi uma senhora ciente dos seus deveres e não quer arrumar complicações com os homi, como ela mesma citava, entre risinhos contidos e uma xícara de chá entre os dedos.
Pois bem, ela então se levanta bem cedo e parte rumo à repartição para se informar dos documentos necessários à liberação da obra. Bem sabemos que a boa vontade do povo brasileiro é inversamente proporcional ao tempo de espera de qualquer documento em qualquer repartição pública. Só mesmo com muita paciência e idas e voltas com papéis e protocolos. No começo ela mesma tenta se enganar de que está tudo correndo bem, não há problemas em esperar mais um pouco para o início da reforma. E os dias e meses vão passando mas nada da liberação da obra. Ela fica impaciente. Todos já lhe perguntam em que pé está sua situação. Mas ela nunca perde a fé. Ela diz que está tudo nas mãos de Deus.
Enfim, uma bela tarde ela vai à repartição se inteirar dos fatos, mas também sem muita afobação. Uma funcionária muito má-educada lhe informa que espere mais alguns dias. Até aí nada de mais. Então acontece o inesperado. Aquela boa avó de olhos cansados e expressão serena se transforma. Ela começa a gritar escandalosamente e quebra o vidro que a separa dos funcionários com o cabo do seu guarda-chuva. Bate na bancada de madeia com tal força que as canetas colocadas em cima balançam. Fala despautérios para o segurança do local. Difama Deus e o mundo. Amaldiçoa até mesmo os animais de estimação dos trabalhadores ali presentes. Enfim, ela se transforma, descarrega toda a ira acumulada em alguns anos de vida naqueles pouco minutos entre o início do desabafo e a chegada da viatura. A senhora foi dar explicações na delegacia mais próxima, lugar aliás onde ela nunca havia pisado, mas liberada por ser ré primária, apesar de que desacatar funcionário público é crime. Agora essa senhora está sentada na cadeira da cozinha de sua casa, com as mãos trêmulas. Ela ri escandalosamente, mas nem sabe porque reage assim. Acho que no seu íntimo sabe sim: ela pela primeira vez exorcizou seus demônios e deu vazão aos seus instintos mais íntimos. Ela não se reconhece, porque, na verdade, ela nem sabia que poderia ser capaz de tal ato. Hoje um novo mundo se descortina para ela. Ela agora é uma nova mulher.

quarta-feira, novembro 29, 2006

Doces ou travessuras?



Não posso culpar os demais pelo meu fracasso, atribuir culpas inexistentes a terceiros, segundos e quartos. Eu fui o grande responsável pelos meus erros praticados desde a mais tenra idade. Quais seriam esses tão graves erros? Nem eu sei explicá-los muito bem, apenas senti-los e culpar-me por eles, que me sufocam e fazem com que eu olhe o espelho como meu eterno inimigo e a eu mesmo como raiz dos males mundanos. Mas não somente os do mundo exterior, mas os meus. Estes são os quais mais me atormentam, são estes que não me deixam dormir, por mais que bote a cabeça no travesseiro e tente fechar os olhos, assim procurando ausentar-me do meu corpo terreno e alçar vôos nos quais a minha existência é menos insossa e maldita.
São eles que me fazem encarar a aurora como mais um tormento, ou seja, mais um dia que se inicia. O amanhecer é perverso.
Como já disse, as palavras me faltam, só sei percebê-las, como uma espécie de máquina de choques e torturas das mais diversas, aplicadas por eu mesmo. Eu sinto, apenas isso. Já me é suficiente esse castigo. Poder exprimi-las me seria de grande valia pois assim acredito que seria menos inútil, pois poderia propalá-las aos quatro ventos: Olhem, eu existo, por mais que queriam fechar os olhos e negar o meu nascimento. Não fui o ideal buscado pela maioria. Não tive um bom emprego, não me formei, não constituí família, muito menos tive filhos, não contribuí para a Previdência Social, não comprei meu apartamento nem ao menos financiado pela Caixa Econômica, não abri conta em banco, não tive um bom relacionamento com o meu próximo, não passeei no shopping de máos dadas com a minha namorada no domingo á tarde, não mexi com as gostosas de calça apertada que passavam ao meu lado, não comprei revista de mulher pelada, não tive histórias escabrosas para contar na mesa do bar, enfim, tudo isso e mais alguma coisa.
Sim, eu não fui o ideal de ser humano. Porque eu não ando de cabeça erguida pelas ruas, pelo fato de não ter vencido na selva de pedra forjada por nós mesmos. Eu sou a prova de que nem tudo são flores e sorrisos de crianças no jardim. Eu não me adaptei ao sistema, sempre estive à margem dele, fazendo sei lá o que. Nem ao menos isso sei solucionar. Só sei que não dei certo em nada na vida, e também não sei porque teria dado, nem em que haveria de prosperar. Pois é, não sei de nada. Só sei que respiro. Enquanto respiro, me angustio. Enquanto me angustio, questiono. Enquanto questiono, me aflijo. O ciclo não se fecha nunca, a roda da vida ou morte continua a girar incessantemente, seres nascem e morrem a todo instante. E nem sei se isso que escrevi é realmente o que penso ou se foi fruto de uma noite mal-dormida. Também não me pergunte o que respiro. Não sei nada de química...
OBS: Foto extraída do site http://www.usina.com/solo

sábado, novembro 25, 2006

Menino, larga desse videogame e vai estudar!


"Não é fácil escrever. É duro quebrar rochas. Mas voam faíscas e lascas como aços espelhados". (Clarice Lispector)
Tenho de concordar com nossa grandiosa Clarice Lispector, não é simples escrever, é extremamente penoso e mais cansativo do que supõem alguns. Até porque esse ato não é feito de forma aleatória, quando se bem entende, não se escolhe ter ou querer escrever como se tivéssemos de ir escovar os dentes ou chupar uma bala em uma hora determinada. Ao mesmo tempo em que isso se torna uma missão, é na mesma medida um fardo muitas vezes pesado de se carregar, apesar de prazeroso e reconfortante. Porque expressamos com as palavras uma gama de sentimentos que nos arrebatam e não conseguimos expressar pela via oral. Não que ela seja feita em sua plenitude na sua escrita, mas devemos tentar, sempre, incansavelmente, mas a palavra tem vida própria e não se deixa comandar por nós; ao contrário, ela se serve de nós para se fazer ver e sentir, nos momentos predeterminados por elas. Nada mais somos do que apenas seus transmissores.
Não se estuda para ser escritor, ou ao menos tentar ser um; mas não digo com isso que o indivíduo deva deixar de abandonar a sala de aula se sentir que essa é a sua vocação. Existem cursos ligados à escrita, como Letras e Jornalismo, mas eles não formam esse tipo de profissionais, apenas te ensinam as ferramentas de como se servir melhor do uso da palavra nos seus manuscritos. A formação se dá pela vida, nas ruas e avenidas, sentindo e observando o outro, sempre, e lendo muito, sempre, incansavelmente, não importa que sejam livros densos de 1.000 páginas, bulas de remédio ou outdoors. O importante é sempre buscar captar novas mensagens na busca do seu estilo literário, seja ele qual for.
A formação é contínua, incansável, e dolorida às vezes, como se fosse um parto, muitas vezes o texto sai à fórceps, muitas vezes nos surge inesperadamente como um passe de mágica. Escrever é uma espécie de maldição sim, Plínio Marcos já dizia isso, mas em relação aos atores. Ele falava que eles eram malditos porque tinham o papel de representar com seus corpos todas as mazelas e complexidades dos homens. Escritores não fogem às regras. Mas eu acredito que, apesar das adversidades, não há nada tão prazeroso quanto se sentir realizado naquilo que se faz, seja em qual tempo ou civilização for.
O papel é apenas um dos meios das mensagens, a palavra pode se manifestar das mais diferentes formas. Quantas vezes não lemos algo e nos colocamos no lugar das personagens, em suas aventuras, medos, descobertas, atos cotidianos, até torcemos por eles como se não fossem seres inanimados. Projetamos no papel tudo aquilo que ansiamos, mesmo inconscientemente, queremos dividir o nosso eu com os demais, queremos sempre reinventar a ordem estabelecida. O importante é se comunicar, apesar de saber que a mensagem sempre chegará distorcida ao destinatário. Ossos do ofício, meu caro Watson.
Jorge Amado entrava em depressão quando terminava suas obras, pois durante meses a fio aquelas personagens habitaram seu lar, fizeram parte de sua vida, ele narrava os acontecimentos delas durante as refeições. Machado de Assis pegava mais papel e escrevia cartas aos amigos e contava sobre suas obras. Enfim, as reações são as mais adversas. Mas escrever são os dois lados da moeda, santo e profano ao mesmo tempo. Está no sangue, na essência. Quem vive essa mesma realidade sabe do que eu digo. Porque no fundo não são apenas letras juntas que formam palavras, é toda uma experiência de vida contida ali. Sou eu, são vocês, somos todos nós. Quem faz disso seu modo de ganhar a vida sabe que o mais importante não é o dinheiro no final do mês, mas os demônios exorcizados. Fazemos terapia de graça. E ainda somos remunerados para isso. Somos todos e nenhum ao mesmo tempo. Somos o operário e seu patrão, a madame que faz compras na Oscar Freire e a moradora de Heliópolis, o pescador do litoral cearense e o executivo de Belo Horizonte. Assumimos vários rostos, temos várias identidades, sem que isso implique em falsidade ideológica. Porque na verdade ninguém é o que está escrito na carteira de identidade. Nós somos rastros que vamos deixando pelo caminho, conforme vivemos. Somos um mosaico que nunca se fechará. E o escritor tenta juntar esses cacos. Papel difícil o nosso, não acha?

terça-feira, novembro 21, 2006

Mão na parede


Veraneio Vascaína
Capital Inicial
Composição: Flávio Lemos/Renato Russo
Cuidado, pessoal, lá vem vindo a veraneio
Toda pintada de preto, branco, cinza e vermelho
Com números do lado, dentro dois ou três tarados
Assassinos armados, uniformizados
Veraneio vascaína vem dobrando a esquina
Porque pobre quando nasce com instinto assassino
Sabe o que vai ser quando crescer desde menino
Ladrão pra roubar, marginal pra matar
Papai eu quero ser policial quando eu crescer
Cuidado, pessoal, lá vem vindo a veraneio
Toda pintada de preto, branco, cinza e vermelho
Com números do lado, dentro dois ou três tarados
Assassinos armados, uniformizados
Veraneio vascaína vem dobrando a esquina
Se eles com fogo em cima, é melhor sair da frente
Tanto faz, ninguém se importa se você é inocente
Com uma arma na mão eu boto fogo no país
E não vai ter problema eu sei estou do lado da lei
Cuidado, pessoal, lá vem vindo a veraneio
Toda pintada de preto, branco, cinza e vermelho
Com números do lado, dentro dois ou três tarados
Assassinos armados, uniformizados
Veraneio vascaína vem dobrando a esquina
Veraneio vascaína vem dobrando a esquina
Veraneio vascaína vem dobrando a esquina
Essa música faz alusão ao utilitário Veraneio, que foi fabricado pela GM, antiga Chevrolet, que por sua vez era o carro preferido dos policiais em suas rondas e batidas. Começou a ser utilizado ainda durante o período negro da ditadura militar, quando muito sangue foi vertido dentro dele e muitas vidas foram perdidas ou simplesmente destruídas pela truculência daqueles que teoricamente estão nas avenidas e ruas de todas as cidades para nos proteger. Bom, todos sabemos que a banda nem sempre toca conforme a música.
Mudaram os anos (essa composição é da década de 80), mas a sanha assassina, de mostrar poder e abusar do poder estabelecido já vem de longa data e só tem piorado nos últimos anos, com a aliança feita a olhos vistos entre os nosso grandes heróis e os maldosos bandidos, com quem trocam tiroteios nas favelas nas horas de tormenta, mas com quem algumas horas depois a camaradagem se reinicia e todos vão tomar sua cervejinha felizes da vida, como se nada estivesse acontecendo em nossa sociedade e principalmente como se não fossem de lados opostos. Que tempos conturbados os nossos, em que não sabemos nem ao menos em quem confiar!
Sim, o salário destes profissionais é irrisório. Ah, as suas condições de trabalho também estão aquém das expectativas. É, devemos lembrar que nossa justiça é contraditória e só beneficia os privilegiados economicamente. E os pobres defensores da lei não possuem ao menos armas que façam frente aos poderio armamentista dos seus adversários, ou colegas, ah, que confusão!
Apesar de todos esses problemas, o que mais pesa na balança mesmo é a corrupção que impera no meio policial e o abuso de poder cometido por eles, aliás, em larga escala e que não escolhe sexo, raça, credo, cor ou situação financeira.
Estamos no final de ano. Os pobres policiais precisam ganhar sua caixinha de Natal. Eles também tem de comprar o seu peru, comprar um bom presente para suas esposas, quem sabe mesmo comprar um sofá novo para suas simples casas de periferia? E não é necessário discorrer a quem recorrerão quando suas fúrias aumentarem e a ganância falar mais alto do que a real função desses trastes na sociedade. Sim, a nós mesmos. Você, que declare ou não imposto de renda, que agora paga preços absurdos pelo quilo do pão, que vai começar a se preocupar com o IPVA de seu automóvel no início do ano. Sim, você mesmo, microempresário, que é acharcado com a excessiva carga tributária desse país e que enfrenta uma via-crúcis quando empreende e pretende abrir seu próprio comércio. Vale lembrar que muitas vezes a demora em receber o alvará de licença é tanta que a pessoa abre suas portas mesmo estando sem a asa protetora do Estado. Cuidado, vocês são vítimas em potencial dos nosso bravos heróis. Quem sabe, qualquer dia desses eles lhe convidem para um amistoso cafezinho e te peçam uma módica quantia, em troca de um período de calmaria e mesmo uma licença conseguida às pressas em nossas eficientes repartições públicas?
Tenho uma mentalidade um pouco anarquista, mesmo conhecendo pouquíssimo sobre o assunto. Mas de qualquer forma não aceito ser regido por uma classe maldita e indigna, que se vale do seu poder para humilhar, destruir e pisar quaisquer pessoas que estejam na mesma calçada que eles. Por favor, tranquem-nos em uma jaula. Queimem os quartéis. Afundem os navios. Façam cair os aviões da Aeronáutica. É tempo de mudança. Se você não está satisfeito com a defesa que essa nação nos oferece, criemos a nossa. E que um dia não fiquemos temerosos ao ouvir aquela calorosa sirene, com a viatura cantando pneus pelos logradouros de nossas cidades. Depende de nós, também.

domingo, novembro 12, 2006

Quero ir pra Pasárgada





Vou-me Embora pra Pasárgada (Manuel Bandeira )
Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.
Às vezes tenho vontade de largar tudo, ir para a rodoviária, olhar para seus guichês, pensar naqueles nomes das cidades que provavelmente nunca irei conhecer nem de passagem, tomar coragem e comprar uma passagem para um lugar bem distante, e lá recomeçar a vida, com novo nome, identidade, história de vida, ou seja, recomeçar o que aliás nunca teve início de fato. Mas o fato é que sou extremamente covarde, como na maioria dos tópicos da minha existência. Falta-me o impulso, aquele estampido, o famoso cinco minutos de ousadia e partir nessa empreitada. Mas o fato é que eu penso muito no que farei, ou no que penso que estarei realizando com esse ato.
Sim, porque o praticando reconstruirei uma existência, me desconstruirei, deixarei pra trás muita coisa vivida, para começar da estaca zero. Não digo apenas em deixar familiares e amigos, mas a linha que as liga a tudo isso e muito mais aspectos, pensando que com isso poderei a partir daquele momento fazer diferente do praticado atualmente.
Imagino com isso estar deixando definitivamente no lixo a minha essência, meus ideais, e viver de acordo com o habitual, me atendo somente aos aspectos práticos da vida, como um trabalho rotineiro sem grandes perspectivas de crescimento muito menos realização pessoal, contas de telefone, água e luz, carnês de lojas de móveis e departamentos, impostos do governo, prestações do carro, relacionamentos sérios que implicarão necessariamente em casamento ou na melhor das hipóteses na mancebia, etc. Ou seja, parar de pensar no abstrato e partir para o concreto, o palpável, o visível, ser mais um na multidão e ficar contente em poder quitar o meu armário com suaves prestações a juros módicos.
Negar a tudo aquilo que acredito, perguntar e buscar pelo que me perturba durante horas a fio todos os dias, não me lamentar pela falta de oportunidades na vida para seguir carreira no que realmente almejo e correr atrás da subsistência, pois não há outra solução, amadurecer e deixar de depender economicamente dos meus familiares, parar de sentir medo dos outros e andar de cabeça baixa nas ruas, não se sentir mais um maldito e ter asco do que sou e principalmente do que passo às pessoas, torcer para não encontrar um conhecido pela vida que me venha fatalmente a perguntar o que ando fazendo e eu com cara de tacho ficar sem ter o que responder, fora algumas coisas que não me passam à cabeça nesse momento.
E, principalmente, perceber que não é a cidade aonde moro e por quem nutro uma relação conturbada, que mescla amor e ódio, que é a responsável pelos meus fracassos, mas eu mesmo que não soube o que concretizar na vida. Enfim, me negar, deixar para trás tudo que aprendi e sentar em bancos escolares imaginários e tomar novas lições de cidadania e civilidade, sendo estas aprendidas no cotidiano das ruas e avenidas de alguma cidade desse nosso imenso país.
É aí que me vem a fatal pergunta, a que lugar pertenço, seria Alegrete, Timbó, Pato Branco, Queluz, Varginha, Campos do Goytacazes, Domingos Martins, Xique-Xique, Lagarto, Arapiraca, Cabrobó, Brejo das Freiras, Mossoró, Crato, Piripiri, Codó, Abaetetuba, Araguaína, Calçoene, Caracaraí, Manacapuru, Cruzeiro do Sul, Rolim de Moura, Sorriso, Campo Grande, Anápolis ou Taquatinga ou qualquer outra margeada por algumas das nossas maravilhosas estradas governamentais? Aonde mora a felicidade e o meu eu, que ainda não achei e a quem darei um longo abraço no dia da nosso encontro e vou convidá-lo para sentar em alguma praça pública, e lhe perguntar muito seriamente: "Poxa, por que você não apareceu antes, há anos te procuro!!! Mas nem um telegrama você me mandou para me dar seu paradeiro?" Ao fundo, alguma música tipo Bruno e Marrone ou Daniela Mercury, pois, se vou renascer, preciso deixar para trás meus gostos musicais também, oras bolas.

segunda-feira, novembro 06, 2006

Senta que lá vem história


Pois é, o nosso querido presidente Lula foi reeleito com grande vantagem em relação ao seu concorrente, Geraldo Alckmin. Sua vitória foi presente sobretudo nos estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste do país, e pelo menos aqui na região da Baixada Santista ele venceu nas cidades mais carentes, que por decorrência de tal fato tem maior parcela da população beneficiada pelos já famosos Bolsa-Família, Bolsa-Gás e as demais bolsas, o que deve beneficiar sobretudo os fabricantes de tais acessórios.
A vontade do povo é soberana, já se falava isso no Iluminismo, na Revolução Francesa e em todos aqueles períodos históricos estudados na escola e os quais estamos dormindo, estando impossibilitados de prestar maiores detalhes sobre o fato, eu incluso no povo acima citado. Mas e quem é que pode afirmar que a vontade desse mesmo povo é na maioria das vezes a mais sensata? Alguém que amputa seu dedo em uma máquina de moer cana para solicitar aposentadoria por invalidez ainda jovem e que também recebe uma módica quantia do governo por ser considerado preso político (mas só passou uma noite na cela, isso no período em que ainda era líder sindicalista no ABC paulista) tem realmente a idoneidade suficiente para governar um país como o nosso, de tantas mazelas sociais e arestas a ser aparadas? Sempre lembrando que ele tem orgulho de sua tão propalada ignorância, pois ele brada em alto e bom som que foi o presidente do povo, pois não chegou aos bancos universitários. Ora, todos sabemos que ele não prosseguiu seus estudos no "Sul Maravilha" porque não quis, não por falta de condições.
Não nego seu passado de líder sindicalista, de ser o fundador do primeiro partido de esquerda do nosso país, de ter levado as massas às ruas para clamar pelas Diretas Já, nos idos de 83,84, nem tampouco suas várias chances de chegar à presidência, e que mobilizou a classe pensante da nosso país naquela época e tambem de ter sido prejudicado pelo poderio da TV Globo no famoso debate contra o também candidato Collor em 89, em que suas falas foram editadas de modo que fossem distorcidas.
Mas isso não significa que esse senhor que hoje está sentado na cadeira presidencial, em pleno Palácio do Planalto, admirando Brasília pelos belos vidros do local e rindo deslavadamente da nossa cara de paspalhos, seja um dos seres mais abissal e calhorda que já existiu em territórios tupiniquins.
Lembremos do escândalo do mensalão, dos dossiês falsos, dos dólares na cueca, da Land Rover do Sílvio Pereira, da famosa mansão do pessoal de Ribeirão Preto, dos seus honestos discípulos Severino, Palocci, Duda Mendonça, Dirceu e tantos outros comparsas malditos colocados por ele lá dentro, pouco após sua posse para comandar os desígnios da nação. Enfim, tudo isso e mais um pouco. Que país é esse que perdeu o senso de ética e moral, deixando ser mandado e desmandado por um maldito que fez com que o poder subisse à sua cabeça e inclusive tentasse cercear o direito à liberdade de imprensa, aliás um dos direitos mais sagrados da democracia.
Enquanto isso, o país nada em crescimento econômico pífio, saúde deteriorada, educação sucateada, infra-estrutura de rodovias e ferrovias federais caducas e a espera de um novo apagão, pois nunca mais se investiu na construção de novas usinas hidrelétricas para suprir a necessidade de um país a caminho do desenvolvimento, segundo palavras dele, e outras coisas mais.
E como já disse nosso saudoso Nelson Rodrigues, eu só acredito naqueles que ainda se ruborizam.

quarta-feira, novembro 01, 2006

Eu


Ah, quem sou eu. Boa pergunta. Sou a síntese de todas as coisas, e ao mesmo tempo o nada. Sou o verão. Sou o inverno. O final, ao mesmo tempo a gênese. Sou o grande, e também o pequeno. O pândego, e da mesma forma o triste. Sou aquele que repudia, mas também quem acolhe. Sou aquele que faz perguntas e algumas vezes as soluciona, mas esta mesmas respostas geram novos questionamentos, o que torna esse ciclo infindável. Sou o inacabado, o mutável, o que todos os dias se transforma em um ser novo, muitas vezes com os resquícios de outrora, até porque a nossa vida é sempre um emaranhado do que vivenciamos anteriormente. Não se forma o homem em um só dia, mas de todos eles. Eu sou aquele que veste a máscara para tentar se esquivar do que é, mas ao mesmo tempo procura tirá-la e enfrentar a realidade, seja ela qual for e que nem ao menos tempo saberia dizer qual seria. Sou aquele que crê nos seus sonhos, mesmo que eles sejam utópicos e banais. Eu acredito na transformação do homem e da realidade a seu redor através da arte e da cultura. Essa é uma das poucas convicções que tenho. O que não significa que ela também esteja pronta, impassível de reformulação. Eu sou covarde, ao mesmo tempo que pegaria em armas para lutar pelos meus projetos de vida. Eu gosto da solidão, mas mesmo assim gostaria muito de estar cercado de pessoas e com elas sempre aprender, interagir, trocar, enfim, descobrir por que vive o bicho homem. Eu sou o paradoxo, da mesma forma que rejeito tal rótulo. Eu sou aquele que não se enxerga na multidão, mas com quem provavelmente você irá cruzar em algum momento de sua existência...

sábado, outubro 21, 2006

Ah, o amor...

-Amor, corta aqui esse tomate pra mim porque senão essa janta não vai sair! - gritou Lilian da cozinha.
Marcelo ouviu, mas não respondeu devido aos seus devaneios, enquanto observava com seus olhos vivos a mobília da sala.
Era um casal jovem ainda, com menos de cinco anos de relacionamento. Dois anos de namoro, sem o tradicional noivado nem relação formal, com papel assinado. Eles apenas decidiram um dia que queriam viver juntos, e assim foi. A relação já durava aproximadamente três anos.
Ele estava às voltas com pensamentos confusos, em que mesclava sua adolescência com o trabalho exaustivo do escritório, que consumia praticamente todo o dia e ainda fazia com que acabasse trazendo as preocupações profissionais para o recesso do lar. Apesar de tudo, se considerava um felizardo. Gostava da mulher, tinha a sua casa, um trabalho com rendimentos razoáveis, um simpático cachorro beagle de singelo nome, Asdrúbal, mas lhe faltava um filho. Estava entre os planos do casal uma criança assim que a situação econômica se aprumasse.
Ambos eram muito diferentes, tinham visões sobre aspectos da vida muito diversas, o que fazia com que muitas vezes suas opiniões se chocassem, a ponto de haver sérias brigas. Não se pode negar que ambos fizeram muitas concessões para viver esse amor. Lilian havia desistido de seus sonhos de morar no exterior, trabalhar em outros países com design e principalmente estudar sobre o tema, poder juntar uma quantia considerável e voltar ao Brasil para montar sua esperada empresada especializada em móveis contemporâneos. Já Marcelo era um grande notívago, adorava sair com seus amigos pela noite e sua fama de "pegador" era não só comentada como afirmada pelos seus amigos de juventude. Com o casamentos, ambos deixaram de lado algumas particularidades suas para o bom convívio do casal.
Aparentemente nem tudo estava às mil maravilhas. A relação havia caído na rotina, ela adorava discutir a relação, enquanto Marcelo não se importava com isso e achava chatérrimo discutir coisas tão abstratas quanto falar de ciúmes. Não havia mais o cinema de final de semana, jantares com os amigos, festas com o pessoal da faculdade, noitadas no motel, compras a dois no supermercado, relações sexuais diárias, muito menos aquele costumeiro "Eu te amo" ao acordar e antes de dormir.
Mas nenhum dos dois tinha a coragem de assumir que a relação estava degringolando, que se nada fosse feito ela fatalmente terminaria dentro de algum tempo. E assim os dias e meses foram passados, os casal se evitando, praticamente não havia mais diálogo, se reduzindo a simples estranhos convivendo sob o mesmo teto.
Até que um dia, Lilian tomou sua atitude: estava em casa em um domingo à tarde, quando Marcelo havia ido visitar sua mãe. Olhou para todos os cantos, não se reconheceu ali; aliás; nem sabia o motivo pelo qual adentrou ali um dia. Arrumou suas roupas, seus pertences, e deixou um singelo bilhete escrito no espelho do banheiro: Me desculpe, mas não dá mais, preciso da minha liberdade e descobrir afinal de contas o que quero da vida. Desse dia em diante, eles só se viram na hora da partilha dos móveis e cada seguiu sua vida, como se nada um dia houvesse acontecido entre eles. Sem brigas nem ressentimentos, apenas lembranças.
Fazia um calor infernal do lado de fora e as pessoas sorriam como se a felicidade fosse um bem comum.

domingo, outubro 15, 2006

Aborto


Falar nesse tema é sempre complicado, pois a maioria das pessoas vê o assunto sob uma ótica do atavismo religioso e não reflete bem sobre o que realmente é o aborto, suas causas, consequências e possíveis desdobramentos na sociedade, mas é sempre pertinente que se cutuque na ferida e falemos sobre o que se tenta varrer para debaixo do tapete. É o tipo da coisa a qual buscamos ter opinião neutra, a menos que vivamos a própria na carne ou ao menos algum conhecido próximo, sendo assim fomos agentes da nossa própria história, tendo propriedade pra discorrer sobre ele.
Pois bem, no Brasil o aborto só é permitido em casos de risco para a mãe ou o feto e em situações que envolvam estupro, e mesmo assim pode acontecer de este nem vir a se concretizar devido à morosidade da nossa maravilhosa justiça, que só tem o nome mesmo, há muito tempo ela deixou de servir aos interesses da população e beneficia somente à nossa querida e afamada elite, que compra juízes, promotores e quem mais puder e o dinheiro permitir.
Os mais puritanos dizem que é pecado, só Deus tem o dom de dar e tirar a vida. Pois bem, Papai Noel existe e vêm trazer presentes para as crianças comportadas todo 25 de dezembro. Sejamos mais objetivos e menos fantasiadores. Pessoalmente sou favorável ao aborto em quaisquer condições pelo simples fato de que a mulher é dona do seu corpo, sendo assim deve usá-lo da maneira que melhor lhe convier. Essa é uma das características da dita democracia, e no nosso país esse direito que seria devido a elas não vêm sendo cumprido, ao menos sob as asas da lei. Países mais avançados na questão sexual, como Holanda e Suécia, possuem clínicas especializadas nisso que são mantidas pelo Estado. Clínicas de aborto existem aos montes nesse imenso território, mas somente as mulheres das classes mais favorecidas têm poder aquisitivo para bancar o alto preço cobrado por esses profissionais. As mais necessitadas recorrem mesmo às curiosas, que cobram preços mais acessíveis. Em contrapartida parcela considerável morre ou fica com graves sequelas em consequência da falta de higiene praticada por essas mulheres.
Sim, os métodos contraceptivos estão à disposição das mulheres nos postos de saúde e hospitais, mas o melhor método mesmo é a abstinência sexual. Quem não quer ter filhos, que não transe, é o mais seguro. Mas o desejo da carne fala mais alto, não há método 100% à prova de falhas, e nesses casos, elas assumem uma gravidez indesejada, sendo que em alguns casos elas não possuem as mínimas condições psicológicas muito menos financeiras para dar à luz a essa criança, sendo assim estaremos sendo perversos e perpetuando mais um ciclo de miséria na nossa nação, com crianças subnutridas e futuros homens e mulheres à margem da sociedade, sobrevivendo miseravelmente, inchando as nossas periferias, aumentando os índices de criminalidade, superlotando ainda mais nosso sistema carcerário e sobrevivendo de Bolsa-Família (olha o Lula lá de novo, peço encarecidamente: tirem esse canalha do poder, varram essa corja maldita do Palácio do Planalto). A taxa de natalidade entre as mais carentes é aproximadamente 3 vezes maior do que as mulheres em boa situação financeira. Isso é fato!
Falando assim posso parecer preconceituoso, mas não é essa a intenção. Falo dessa maneira porque acho urgentemente que se revejam os conceitos e o tema seja encarado como problema de saúde pública. Se bem que legalizar o aborto acarretaria uma reformulação do sistema de saúde pública, com infra-estrutura adequada às mulheres que desejam passar por essa intervenção e até psicólogos para tratar dessas mulheres, entre outros aspectos nos quais sou leigo. Mas, como tudo no Brasil, o buraco é mais embaixo, não se pode mexer em uma simples parede sem tocar no alicerce, e essa discussão ainda rende assunto para muitos debates.

segunda-feira, outubro 09, 2006

Eu + Tu + Ele/ELa + Nós + Vós + Eles/Elas = Eu


Pois é, viver sozinho, incomunicável e isolado de tudo e todos é praticamente impossível, ao menos em 100% dos casos. Impressionante como seres sociais, que dependemos do outro nas grandes e também nas pequenas coisas, não conseguimos subsistir unicamente com nosso próprio auxílio. Vivemos em uma intrincada rede social que tanto pode abranger nossos parentes mais próximos como aquelas pessoas que vemos nas ruas e provavelmente nunca mais tornaremos a botar os olhos. Seríssimo isso; ou seja; não dá pra fundar uma comunidade alternativa e a partir de então se autodenominar um remanescente hippie, vestindo longas batas, queimando incenso, sobrevivendo do artesanato e rejeitando quaisquer valores da socieade de consumo. Não existe nada tão a padrões que fuja de todas as teorias sociais percebidas até então. Pois para que possamos obter tais produtos precisamos desse tão maldito capitalismo, que abominamos muitas vezes mas que nos vemos reféns ao ver aquela roupa na vitrine da loja em promoção, 5 vezes no cartão. Olha que tentação, cabe no meu orçamento, deixa eu fazer as contas de cabeça pra saber quanto pagarei por mês.
Ao mesmo tempo em que podemos estar no meio da multidão, estaremos sozinhos, nus, desarmados em meio à massa em que todos deixam de ser únicos e passam a fazer parte do coletivo, do todo, como uma célula em um grande corpo denominado sociedade. É o meu papel nela vender a minha mão-de-obra em uma jornada de trabalho que não é a que eu gostaria, desempenharei uma função ou várias que não são aquelas às quais almejei, e receberei um salário aquém as minhas expectativas. Enfim, nesse ambiente de trabalho (ou seria tortura?), vou me defrontar com muitas pessoas, e delas não posso escapar. Estão no meu subconsciente assim como meus mais íntimos segredos aos quais não compartilho nem comigo mesmo. Mas nem por isso deixaremos de ser solitários, temerosos, queixosos, indagativos, questionadores do que somos e do papel que representamos nessa imensa teia social. Quantas vezes penso em pessoas que conheci em algum momento da vida e nem me lembro mais seu rosto, o que fazem atualmente nem sei se ao menos estão vivas. O que faz com que pensemos nas coisas mais absurdas nos momentos mais impróprios?
Posso dizer em qualquer momento, gritar em praça público ou apenas sussurrar a mim mesmo: deixem-me só, esqueçam da minha existência, eu não estou nem nunca estive nesse mundo, estou pegando um avião (olha o capitalismo de novo, eu trabalhando pra pagar aquela passagem da TAM em prestações) e irei morar no Nepal, virei budista e fiz voto de pobreza, dentre outros, o voto de pobreza compulsório já fiz há muitos anos. Mas não adianta, eu existo, e isso já me marca, faz com que em algum momento o meu vizinho de infância se lembre por minutos do meu nome, do meu rosto, do que brincávamos, ou qualquer outra coisa. Ou pode acontecer o reverso, eu posso lembrar da minha professora da 1ª série, da bronca na aula de Português, do modo como ela me fazia pegar no lápis, etc e etc. Fica por sua conta imaginar o que porventura lembraria eu dessa professora.
Ou seja, não consigo me desvencilhar dessa imensa teia social que me marca desde o nascimento. Se eu quisesse não poder compartilhar de nada disso, bastaria que eu não houvesse sido concebido, mas isso foge à minha alçada. Então, só me resta lamentar e recordar. Vai uma bebidinha aí?

terça-feira, outubro 03, 2006

Geração perdida


Sou um apaixonado pelos anos 60. Essa década foi mágica e quem a viveu sabe disso muito melhor do que eu, que sou fruto dos anos 80, com sua moda considerada totalmente out para os dias de hoje, sucessivos planos econômicos, redemocratização e sucessivamente valores inflacionários astronômicos. Quem viveu entre 1 de janeiro de 60 e 31 de dezembro de 69 sabe que não se passou incólume por tudo que se vivenciou ali, e não se pôde ser 100% cidadão passivo da história, ali todos participaram e contribuíram de alguma forma para que nunca mais se esqueça o que foram esses anos maravilhosos e por que não dizer inesquecíveis. A construção de Brasília, a crescente industrialização do Brasil, o êxodo rural, a UNE, o CPC, as Ligas Camponesas, a contracultura, o movimento hippie, o rock psicodélico, o assassinato de ohn Kennedy, a morte de Marylin Monroe, Os Beattles, Mutantes, Bossa Nova, a chegada do homem à Lua, o Golpe de 64, os Movimentos Estudantis que pipocaram país afora principalmente entre 64 e 68, Mary Quant e a invenção da minisaia, os festivais de música da Record que revelaram grandes talentos como Elis Regina, Nara Leão, Quarteto em Cy, Geraldo Vandré, Chico Buarque e Caetano Veloso, dentre outros, o movimento pelo reconhecimento do negro nos Estados Unidos, a pílua anticoncepcional, os rapazes de cabelos compridos, as moças com suas saias muitos centímetros acima dos joelhos, a geração beatnik, a primavera de Praga, maio de 68 em Paris, a Jovem Guarda com sua Ternurinha e Erasmo Carlos, o Teatro Opinião com Maria Bethânia e depois Nara Leão cantando Carcará, o Teatro de Arena com suas peças de contestação ao golpe, a nossa primeira telenovela moderna (Beto Rockfeller), a invasão ao Teatro Roda-Viva e espancamento dos atores em pleno palco, o famoso congresso da já clandestina UNE em Ibiúna (SP), claro que em 68....Nossa, quanta coisa aconteceu nesse período, e como eu adoraria ter vivido isso tudo, e principalmente ter participado das manifestações estudantis que eram contrárias ao regime militar. Eu sinto saudades do que não vivi, como isso pode acontecer?
Hj eu assisti um documentário chamado Sol - Caminhando contra o vento, produzido pela cineasta Tetê Moraes, que até então me era desconhecida. Ele se baseia em um jornal esquerdista produzido em 67 pelos jovens intelectuais do Rio de Janeiro de então, e faziam parte da equipe pessoas tarimbadas como Fernando Gabeira, Henril, Ruy Castro, Ana Arruda, os próprios Chico Buarque e Caetano Veloso, e tantos outros que não sabia quem eram, e omito os nomes pq sou péssimo para guardar nomes na primeira vez em que ouço. Esse jornal tinha a proposta de reflexão e principalmente denúncia das mazelas sociais sem tanto formalismo, o compromisso ali era com a verdade nua e crua, seja ela qual fosse. Mas não posso deixar de mencionar a importância de todos eles no sucesso desse maravilhoso veículo da imprensa que infelizmente viveu somente de setembro de 67 à dezembro de 68, sendo extinguido aos poucos com o famigerado AI-5. Percebi que eram jovens idealistas, sonhadores, preocupados com os rumos que esse país tomava e principalmente mudar esse mesmo destino, sendo que o socialismo naquela época estava em voga, a União Soviética ampliava seus domínios a largos passos.
Foi uma geração que foi às ruas, não teve medo de doar seu único bem, a vida, em prol de um ideal. Muitos foram presos e torturados, outros exilados, alguns faleceram e outros tantos caíram no caminho do então ácido lisérgico (LCD), ou outras drogas mesmo; ou seja, o destino não foi bondoso com todos que participaram desse jornal.
Quando vi a imagem da invasão da Faculdade de Filosofia da USP, que ficava na rua Maria Antônia, em São Paulo, e vi aqueles jovens, rapazes e moças ainda, com seus vinte e poucos anos, apanhando de cassetete dos policiais e ainda assim firmes e fortes, eu pensei: a que ponto a nossa juventude chegou, que anestesia foi essa, provavelmente espalhada pelo ar, que amorteceu a famosa contestação da idade, a vontade de mudança, a esperança de dias melhores? Aonde está aquela famosa mocidade que não aceitava os padrões impostos? Não há mais nada a mudar, já está tudo pronto? Será que o sangue derramado há quase quarenta anos atrás redime a nossa omissão pelos escândalos petistas e o capitalismo selvagem que cada vez mais e mais aumenta o fosso entre os grandes concentradores de renda e a imensa massa despossuída? É momento de reflexão, mas muito séria, para os rumos que esse país e principalmente, antes de tudo, a nossa consciência está tomando. Não digo para ninguém de uma hora para outra se enfiar no meio do mato e virar reacionário. Eu falo da chama que esse os intelectuais desse jornal, mas de toda essa década nos legaram, e nós estamos colocando água, dia após dia, até que chegará o momento em que essa luz se apagará e todos nós ficaremos nas mais absolutas trevas. E esse dia está por vir. Aí todos nos guiaremos pelas paredes e vamos nos perguntar o que fizemos de errado. Mas a nossa consciência nos dirá o quanto fomos imbecis e passivos perante a realidade à nossa frente, e que por comodismo não nos preocupamos em observar. Mas aí já será tarde demais. A luz nunca mais voltará.

quinta-feira, setembro 28, 2006

E agora, José?


José, João, Quinzinho, Amadeu, Madalena, Helena e tantos outros vêem diariamente seus sonhos interrompidos por uma realidade muito mais forte do que ideologias ou simples devaneios de uma noite de verão. Como eu era feliz no tempo em que nem imaginava no que ou em quem me transformaria futuramente, aliás, no que me transformei que nem sei explicar? Sou alguém, venci, perdi, me transformei, ou continuo o mesmo de cinco anos atrás? Como posso ou poderiam me definir? Sei que muitos me vêem como um vagabundo, acomodado, um folgado que não corre atrás de nada e espera que as coisas caiam do céu, e confesso que não tenho feito muito para mostrar-lhes o inverso. Também não sinto orgulho da minha condição, especialmente do meu fracasso, e mesmo do que poderia dizer acerca de eu mesmo, se fosse questionado hoje, neste momento. Imagino todos me apontando com o dedo e me lançando questionamentos que eu realmente não sei responder. Não sei sanar as dúvidas que me vêm à cabeça, quanto menos responder aos demais.
Aliás, alguma coisa eu poderia responder, por mais que eles não entendam o que quero expressar. Durante anos eu alimentei e criei um monstro que me aprisionou, sendo que ele me dominou e não consigo mais me livrar. Esse monstro se autodenomina sonho. Sabe o homem do saco, aquele que levava as crianças que não queriam comer na hora das refeições? Pois é, esse mesmo monstro ou homem me levou a uma dimensão surreal, fora desse mundo visível, e lá me criou, me alimentou da forma mais materna possível, me inculcou ideais que por fim foram a razão da minha existência. Mas abruptamente esse mesmo ser me lançou de novo à esfera terrestre, sem ao menos me deixar seu telefone, endereço ou algo com o qual poderíamos manter contato, nem mesmo o e-mail o canalha teve a pachorra de me escrever.
Aquele era meu mundo, e todas as noites ele me contava histórias de uma existência racional, em que todos os meus devaneios de adolescência se tornariam realidade. Por fim, eu vivi anos a fio com essa doce ilusão de que seria simples, fácil e cristalino como água, eu iria alcançar meus objetivos e finalmente viver uma existência mais real e de acordo com meus sonhos de adolescência.
Mas nada disso aconteceu, e hoje eu me vejo literalmente em um mato sem cachorro, como diz aquela popular expressão. Tenho duas saídas: traio a minha essência e passo a viver em desacordo com as minhas convicções, passando a viver uma identidade falsa e tentando me deslocar do passado ou simplesmente jogo tudo para o alto e tento dar o único fim possível ao meu caso?

sábado, setembro 16, 2006

Leila Diniz


" Você pode muito bem amar uma pessoa e ir para cama com outra. Já aconteceu comigo".
Proferindo essa sentença nos dias atuais, essa frase até que soa banal, mas isso foi dito em 69, ano em que a moral e os bons costumes ainda eram vigentes. Uma mulher que falava coisas dessa estirpe não poderia ser considerada bom exemplo para a socieade. Mas Leila Diniz não queria se preocupar em ser modelo para alguém, ela apenas era e fazia o que achava conveniente sem se preocupar com as convenções sociais. Ela podia romper tabus, ela era Leila Diniz.
Leila nasceu no Rio de Janeiro, em março de 45, e se formou professora primária, sendo então lembrada por ser uma das primeiras moças que se preocupava com a integração dos alunos, sejam elas de quaisquer raça, credo, sexo ou mesmo se fossem deficientes de quaisquer espécie. Ela não aceitava a segregação que era imposta até então, em que os alunos considerados "diferentes" não poderiam conviver com as crianças ditas normais, e algumas vezes brigou com mães de alunos que eram favoráveis a essa prática. Por esses e outros motivos ela se desligou da profissão, e, aos 17 anos, já estava casada com o famoso cineasta Domingos de Oliveira, que lançou recentemente o filme Feminices. Vale lembrar que esta é uma obra realizada com parcos recursos, e mesmo assim diz a crítica que esse é um bom filme, que busca retratar a mulher sob sua própria ótica.
Em 65 ela se separa de Domingos e desde então começa sua carreira no teatro, cinema e televisão. Fez muitas novelas na então nascente Globo, e também na extinta Tupi e Excelsior. Fez tanto papéis de grande expressão, como coadjuvantes e participações especiais. Em 66 filma Todas as Mulheres do Mundo, sendo dirigida já pelo seu ex-marido, e que foi uma das grandes obras-primas da década, servindo como retrato histórico por causa da documentação da Zona Sul carioca de então, já então às voltas com os intelectuais e a agitação predominante nesse bairro da cidade.
Um dos seus grandes sucessos foi a novela Anastácia, da novelista Glória Magadan. Em 67, a teledramaturgia moderna ainda não existia, sendo assim as telenovelas ainda se passavam na Idade Média e seu enredo era melodramático. Mas Leila não era uma mulher preconceituosa. Ela dizia que não importava se era Shakespeare, ou Glória Magadan, o importante era que ela trabalhasse.
E assim o tempo vai correndo, Leila sempre polemizando, sendo uma mulher à frente do seu tempo, sem muitas preocupações com o que diziam sobre seu comportamento de mulher libertina. Ela é um dos grandes ícones dos anos 60 e 70, pela sua atitude ousada e inovadora, e também por ser uma das precursoras do Feminismo, em uma época em que, apesar das transformações sociais, o papel da mulher continuava sendo a de subalterna perante o homem. Eram tempos ainda muito complicados, a mulher ainda entrava no mercado de trabalho e o casamento ainda era almejado pelas moças de boa família, que viam nisso o seu grande propósito.
Eu particularmente só a vi em filmes uma vez (apesar de ser famosa, as obras das quais participou são pouco divulgadas). Foi no filme Edu Coração de Ouro, de 67, em que ela fazia o papel de uma estudante normalista vendedora de catálogo de perfumes, e conhece a personagem de Paulo José no ônibus. Bom, nem é necessário dizer que os dois acabaram indo para a cama, nessa época até os beijos eram muito contidos no cinema, quanto menos uma cena de sexo de uma mulher solteira.
Em 69 concede a famosa entrevista ao então jornal alternativo O Pasquim, proferindo seus pensamentos sobre a vida e principalmente sobre o sexo. Seus palavrões foram substituídos por asteriscos, e a matéria saiu com muitos desses símbolos, pois, em cada frase, ao menos um palavrão ela falava. Ali saíram muitas dos seus famosos ditos que mostravam a forma de pensar e agir de uma mulher avançada. Essa entrevista deu origem à lei que cerceava ainda mais os direitos da imprensa; ela não teve seu contrato renovado pela Rede Globo por motivos "morais" e foi perseguida pela ditadura, tendo de se esconder durante um tempo. Ao voltar, se tornou jurada de Flávio Cavalcante.
Em 71, ela se casa com o cineasta moçambicano Ruy Guerra e pouco tempo depois engravida de sua única filha, Janaína. É famosa a sua foto na praia de biquíni e grávida. Isso era ousado, pois uma mulher na sua condição em condições normais não exporia sua barriga em público. Mas estamos falando de Leila Diniz...
Infelizmente Leila morreu cedo. No ano seguinte, aos 27 anos, ao voltar do Festival de Cinema de Nova Délhi, na Índia, o avião em que estava explodiu no ar. Mas o legado que ela nos deixa de ousar sempre permanece em nós, e inconscientemente nos servimos dele em muitos momentos, principalmente quando questionamos e principalmente divergimos da moral imposta. Salve Leila!

sábado, setembro 09, 2006

Pagu


“Pagú tem uns olhos moles
uns olhos de fazer doer.
Bate-coco quando passa.
Coração pega a bater.

Eh Pagú eh!
Dói porque é bom de fazer doer (...)”
(Raul Bopp)
São Paulo, 1927. Praça em frente à Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Lá vem uma moça com os lábios pintados de roxo, cabelos desgrenhados, roupas extravagantes para a época e fumando. Ela ouve insultos dos estudantes da faculdade, e responde à altura. Ela quebra as convenções sociais, e não se importa, ela quer mesmo é chocar. Eis Pagu.
Patrícia Rehder Galvão nasce em São João da Boa Vista em 1910, e aos três anos se muda para a Paulicéia desvairada, onde cresce em uma cidade efervescente, em pleno desenvolvimento por causa da imigração em massa, da industrialização crescente e do café que brotava no interior do estado. Com quinze anos, passa a escreve no jornal Brás, usando o codinome de Patsy, e, aos 18 anos, se junta aos modernistas, ficando muito amiga do famoso casal Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade, os "Tarsiwald". No ano seguinte passa a colaborar na Revista de Antropofagia, já estando então inserida no meio intelectual da São Paulo ainda provinciana, apesar do rebuliço causado pela Semana de Arte Moderna de 22, que veio a revolucionar a arte que se fazia até então. O Modernismo propunha uma "deglutição" dos valores culturais predominantemente estrangeiros até então em voga, para a criação de uma cultura genuinamente brasileira.
No ano seguinte engravida de Oswald, e, para manter as aparências, se casa com o pintor Waldemar Belisário, mas eles nunca tiveram vida conjugal. Em 5 de janeiro de 1930, ela se casa com Oswald em uma cerimônia realizada no jazigo da família dele, e em setembro nasce Rudá. Mudam-se para a Ilha das Palmas, em razão dos grandes problemas financeiros de Oswald por conta do crack da Bolsa de Nova Iorque. Pagu viaja à Argentina, conhece Luis Carlos Prestes, e fica encantada com os ideais socialistas. O casal então se filia ao Partido Comunista, e fundam o jornal O Homem do Povo, onde Pagu criticava de forma ferrenha a alta sociedade paulistana de então, às voltas com sua opulência, em detrimento dos imensos cortiços operários que se formavam nos bairros fabris da capital.
No ano seguinte, ao participar de um comício realizado no porto de Santos em favor dos operários da construção civil, Pagu é presa e fica detida na cadeia que se localiza na Praça dos Andradas, sendo que hoje este mesmo local é um centro cultural que leva seu nome. Ela foi a primeira presa política do Brasil.
Ao ser solta, em 32, ela se separa de Oswald e vai morar no Rio de Janeiro, onde se emprega em trabalhos "populares" como uma forma de conhecer as necessidades do povo e poder dialogar de forma mais convincente com eles. No ano seguinte, usando o nome de Mara Lobo, lança o romance Parque Industrial, onde conta a realidade do proletariado das grandes cidades, sua miséria, a falta de perspectiva e principalmente a condição da mulher naquela degradação social. Ela então sai pelo mundo para conhecer melhor como era a realidade comunista, e durante a viagem se torna correspondente internacional de alguns jornais. Vai aos Estados Unidos, Japão, China e à então União Soviética, onde fica horrorizada com a realidade totalmente paradoxal da que esperava encontrar no berço do socialismo. Suas palavras: “o ideal ruiu, na Rússia, diante da infância miserável das sarjetas, os pés descalços e os olhos agudos de fome. Em Moscou, um hotel de luxo para os altos burocratas, os turistas do comunismo, para os estrangeiros ricos. Na rua as crianças mortas de fome: era o regime comunista”. Nem mesmo essa forma de regime escapava à praga das grandes elites concentradoras de renda e exploradoras do povo...
Ao voltar ao país em 35, é presa novamente em São Paulo, e sofre as piores torturas na cadeia, sendo condenada a dois anos de reclusão. Pagu foge antes do término da pena, mas é novamente presa e cumpre mais dois anos e meio no Rio de Janeiro. É solta muito debilitada, devido às muitas agressões físicas que sofre lá dentro. Ela nunca se recuperou desse período passado em cárcere.
Em 41, ela se casa com o jornalista Geraldo Ferraz, tem um filho batizado com o mesmo nome do marido. Ela então rompe com o PC e passa a ser crítica literária, trabalhando nos jornais A Manhã, O Jornal,A Noite e Diário de São Paulo.
Nos anos 50 Pagu descobre o teatro e passa a frequentar a Escola de Arte Dramática (EAD), em São Paulo, sendo uma boa aluna e inclusive escrevendo peças de vanguarda, como aliás era bem típico de sua personalidade chocar sempre, e alguns textos foram representados no final daquela década. Também colabora no jornal A Tribuna de Santos.
Em 62 descobre-se gravemente doente de câncer. Ela vai se operar em Paris, sem grande sucesso. Ela então doa toda a sua biblioteca à EAD e falece em 12 de dezembro desse mesmo ano, aos 52 anos. Infelizmente alguns exemplares de sua biblioteca foram roubados nesses 44 anos desde sua morte.
Pagu se foi, as luzes se apagaram sobre uma das maiores mulheres de nosso tempo, que ousou e lutou durante sua vida em busca de um ideal, mas o que importa mesmo é que sua semente foi plantada, e resta a nós continuar a busca pela valorização da cultura nesse país.

domingo, agosto 20, 2006

Nelson Rodrigues


Essas são algumas frases ditas por ele durante sua longa carreira jornalística e teatral:
"Não acredito em mulher honesta sem úlcera, a virtude dá azia, úlcera."
"Sou um menino que vê o amor pelo buraco da fechadura. Nunca fui outra coisa. Nasci menino, hei de morrer menino. E o buraco da fechadura é, a minha ótica de ficcionista. Sou (e sempre fui) um anjo pornográfico. "
"Toda mulher bonita é um pouco a namorada lésbica de si mesma."
"A adultera é mais pura porque está salva do desejo que apodrecia nela."
"A fidelidade deveria ser facultativa."
"Tudo passa, menos a adúltera. Nos botecos e nos velórios, na esquina e nas farmácias, há sempre alguém falando nas senhoras que traem. O amor bem-sucedido não interessa a ninguém."
"Há coisas na vida do indivíduo que ele não conta nem ao padre,nem ao psicólogo nem ao médium depois de morto."
"Se cada um soubesse da intimidade sexual dos outros, ninguém comprimentaria ninguém."
" A verdadeira posse é o beijo na boca, e repito: - é o beijo na boca que faz o casal ser único, definitivo. Tudo mais é tão secundário, tão fragil, tão irreal."
"A infidelidade é melhor do que a fidelidade ressentida."
Eis o nosso "anjo pornográfico", um homem que chocou no seu tempo pelas suas peças em que revelava o mais despurodrado que há no nosso íntimo e que muitas vezes não temos coragem de confessar a nós mesmos, menos ainda para os outros. Nas décadas de 40 e 50, em que moça não andava no carro de um rapaz solteiro sozinha, mulher não se entregava antes do casamento, motel era inexistente e encontros amorosos eram realizados no apartamento emprestado pelo amigo, ele chocou ao falar tão abertamente sobre sexo em uma sociedade que ainda tratava do assunto como sendo de outro mundo.
Nelson Rodrigues nasceu no Recife em 1912, em uma família de considerável poder aquisitivo e cujo pai já trabalhava na imprensa local. Aos 3 anos, seu pai se muda para o Rio de Janeiro por problemas de envolvimento político na sua terra natal, e leva a sua família junto algum tempo depois de instalado na então capital federal. É lá, durante a sua infância, que ele começa a observar o ambiente suburbano que daria inspiração para suas obras de caráter transgressor: os velórios feitos em casa, as senhoras solteironas e ressentidas, os maridos que sabiam das traições de suas esposas e nada faziam, as parteiras realizam seu serviço nas casas mesmo, as fofoqueiras nas janelas que viviam a vida observando seus vizinhos e funcionavam como uma espécie de rádio comunitária; enfim; tudo o que era usual e até hj em certo grau se encontra nas periferias de nossas grandes cidades. Não por coincidência que nas suas obras seus personagens do subúrbio vivam invariavelmente na chamada Aldeia Campista.
A vida de Nelson não foi um mar de rosas. Não foi somente uma vez que sua família viu-se em maus lençóis financeiros provocados por muitas razões. Começa a trabalhar aos 13 anos como repórter policial ganhando uma ninharia, mas fez disso seu ganha-pão durante toda a sua vida. Viveu durante anos a fio com muita humildade, a ponto de passar necessidade. Também sofreu de tuberculose, em uma época em que os recursos médicos eram mais escassos e, sendo assim, os doentes dessa moléstia iam tratar-se em colônias localizadas fora das cidades, no caso dele tendo sido internado duas vezes em Campos do Jordão (SP). Em 29 seu irmão Roberto foi assassinado por uma mulher da alta sociedade carioca que não gostou de ter visto publicada no jornal uma notícia sobre seu desquite. Isso provocou uma grande depressão em Nelson. E também ele teve uma filha chamada Daniela, isso algumas décadas depois, com graves problemas físicos e que por isso nunca pôde viver em sociedade e faleceu cedo.
Em 43 soube da notícia de que textos teatrais eram razoavelmente pagos, então ele teve a idéia de começar a produzir os seus como forma de aumentar seus rendimentos, o que ele sempre buscava fazer. Nascia asim um grande marco do teatro moderno, a peça "Vestido de Noiva". A peça foi encenada no Rio de Janeiro nesse mesmo ano sob a direção do diretor e ator polonês Ziembinsky, homem de muito conceito em seu meio. Não somente o texto, mas a própria cenograria era considerada por muitos uma loucura na época. Os jogos de luzes, os três tempos em que a peça se passava: a realidade, o delírio e a lembrança, fora o texto em si, tudo contribuía para que aquele momento fosse um divisor de águas no nosso teatro, que até aquele tempo nunca havia visto tal requinte e profissionalismo. "Vestido de Noiva" conta a história de Alaíde, moça que é atropelada e durante a operação para salvar sua vida se vê as voltas com uma confusão mental provocada por lembranças que ela não sabe distinguir se são reais ou fruto de sua imaginação. Ora se vê procurando e conversando com Madame Clessy, prostituta carioca do início do século XX assassinada pelo seu amante de 17 anos, ora se recorda da traição que sofreu do noivo com sua irmã Lúcia.
Outras peças de sua autoria são: O Anjo Negro, Engraçadinha (transformada em minissérie pela Globo em 95), Toda Nudez Será Castigada, Álbum de Família, A Falecida, Valsa nº 6, Dorotéia, Os Sete Gatinhos, Boca de Ouro, A Mulher sem Pecado, Senhora dos Afogados, dentre outras, sem contar suas crônicas de "A Vida como Ela é", seus livros escritos sob o pseudônimo de Suzana Flag, suas crônicas sobre futebol e outras coisas que desconheço. Nelson faleceu em 80, sendo que boa parte de sua obra já saiu dos livros e jornais para ser transportadas para a televisão e cinema.