sábado, dezembro 05, 2009

Alguma coisa

Para ouvir, reouvir e triouvir nas madrugadas insones, manhãs modorrentas,dores de corno ou ressaca moral. Porque eu ainda creio na música boa, relativamente limpa e decente.




sexta-feira, dezembro 04, 2009

Debaixo de um abacateiro


Zezito pretendia se engraçar com Claudimeire logo após sua mudança para a rua de baixo. Moça de fartas carnes, cabelos negros escorridos às custas de artifícios da estética, manicure do salão do bairro e exímia dançarina do mais concorrido baile das redondezas, onde o repertório musical ia desde os hits das rádios populares aos sons que agitavam as madrugadas e também seus vizinhos, nada contentes com aquela barulheira ensurdecedora. Tantas fez, tantas vezes aparecia propositadamente no caminho da moça que um belo dia convidou-a a tomar um sorvete em uma fresca tarde na sorveteria à beira-rio. No dia combinado, após alguma gomalina em suas madeixas, escolha criteriosa do figurino e algum cuidado com seu vocabulário, lá foi Zezito com o coração aos pulos ao encontro da sua futura namorada, amante ou cônjuge. Mas antes do desenlance final, o rapaz precisava sobretudo convencer Meirita, como era conhecida pelas amigas do bairro de morada anterior, de suas boas intenções e de ser um partido interessante e cobiçado pelas moças casadoiras das adjacências. Durante o encontro, ambos foram descortinando suas existências um ao outro e relatando as peripécias e delícias da existência, principalmente discorrendo sobre as necessidades passadas em suas terras natais e a procura por uma vida mais digna nos grandes centros urbanos. Zezito era mestre de obras dos mais famosos na região pela economia e cumprimento dos prazos previstos, fora que seu dedo mindinho fora avariado por uma martelada não prevista e muito dolorida, sendo assim alcunhado pelos inimigos e amigos não muito calorosos como Zé Entortado.

E os dias iam assim passando, com encontros fortuitos, esperanças mútuas de que em breve se iniciaria uma história de amor e os hormônios em cada vez mais ebulição, seguidos por lágrimas de Claudimeire por se entregar tão facilmente às necessidades biológicas e por imaginar o quão ficaria falada pelos vizinhos, devido ao namoro caloroso na porta de sua casa. Sua família era extremamente rigorosa e zeladora do seu bom nome e costumes sociais, sendo assim iniciou-se pela iniciativa paterna um furdunço para que essa história terminasse no altar o mais breve possível. Seu Romualdo tivera cinco filhas e há quinze anos enviuvara, o que o levara a tomar as rédeas da família com mão de ferro e exigir decência e pureza de suas filhas, sendo que ele próprio não era participante de tal ideologia, envolvendo-se às sextas-feiras com uma tal mulher conhecida na zona do meretrício como Eulina Alçapão.

Seu Romualdo exigia solução imediata para o quiproquó, não aceitando que sua filha namorasse sem sérias intenções conjugais, pois em sua família isso não era visto com bons olhos muito menos seria aprovado pela sua esposa já falecida, que, de onde estivesse em sua outra vida, se entristeceria enormemente com a perdição daquela a quem gerara após longa gravidez e bolsa estourada no caminho para mais um exame pré-natal no posto de saúde municipal. Após três meses de pequenos preparativos e com parcos recursos, um casamento no civil com terno alugado, vestido quitado na modista por longas e suaves prestações, chá de panela ajeitado e mobília surrada, o casal se vê na lua-de-mel em uma meia água do outro lado da cidade. Sendo que o sentimento que os unia era inversamente proporcional ao saldo bancário do casal.

E o tempo foi passando até que Zezito diz à sua esposa que fará serão na obra; logo após a ligação escapulindo para um forró arretado no ponto final da lotação e enganando sua não mais aflita Meirita, já acostumada às noites do marido farreando pelas esquinas e botecos mal afamados da cidade grande e impessoal. Nesse mesmo dia, ele conhece uma moça de não muitos encantos chamada Severina, que, a despeito de sua pouca beleza física, conversava e versava a respeito de muitos assuntos, entre os quais suas viagens pelo país trabalhando nas casas dos mais endinheirados empresários e políticos das regiões nas quais residiu, mostrando assim um desembaraço e remelexo capaz de desvirtuar o mais fiel dos homens.

Após o conhecimento da existência de um ao outro e devidas apresentações, não muito tempo depois ocorreu o conhecimento carnal, no qual Severina desfilou mais uma vez para um estupefato Romualdo seu conhecimento de causa e experiência. Apesar da não-oficialização do relacionamento extraconjugal, o moço se viu cada vez mais envolvido pela amante até o momento que sua esposa descobriu o fato e jogou as roupas do esposo pela janela, ordenando-lhe que sumisse de suas fuças e que só se veriam novamente nos tribunais, aonde ela exigiria o desquite e 40% do seu ordenado, fora as custas processuais que seriam arcadas pelo agora não mais marido.

Claudimeire cai na mais penosa das prostrações e enche-se de queixumes com suas colegas, difamando Zelito com os mais desairosos adjetivos, mas no fundo do seu coração se arrrependendo de sua ira e desejando o retorno dele ao lar. Enquanto isso, Romualdo não estava mais sentindo tanto assim a falta dela, mas havia se arrependido, pois Severina não era dada às prendas domésticas e pouco dava atenção nesse quesito, deixando o rapaz à própria sorte e andando pelas ruas com as roupas amassadas e se alimentando nos pratos-feitos baratos do centro da cidade. Sendo que suas necessidades físicas e psicológicas só se completariam na presença um do outro, mas havia um porém: Romualdo sentia saudades de Meirita, mas por outro lado sentia uma paixão avassaladora por Severina, que neste momento se encontrava tomando cerveja com as amigas em uma padaria daqui a duas ruas.

Ambos pesaram os prós e contras de reatarem, e após um curto tempo de reflexão, decidem tentar mais uma vez a felicidade conjugal e ele retorna à meia-água, já com dois meses de aluguel e água atrasados devido à falta de colaboração dele nas despesas da casa. Romualdo aquieta o facho e decide se tornar um pai de família honrado e respeitoso, mas às escondidas flerta com a atendente da farmácia da avenida. Em contrapartida, Claudimeire troca bilhetes amorosos com o supervisor da empresa na qual presta serviços como Auxiliar Geral.