sábado, dezembro 29, 2007

Clarice + Eu


Enquanto passava a mão pelo cabelo recém-cortado, os pêlos do meu braço se arrepiavam, sentia o gosto salgado das lágrimas que cismavam em se desfazer na minha boca. Ao mesmo tempo, sentia como que seu olhar enigmático, confortante e desafiador. Foi uma experiência mediúnica. Sentia Clarice Lispector a meu redor, durante a apresentação teatral em que eram encenados dois contos de sua autoria.

No palco, três atrizes a representavam: Clarice jovem, com um livro que a absorvia e a mantinha entretida; uma outra Clarice, já madura, escrevendo alguma coisa em sua máquina de escrever e, finalmente, uma terceira Clarice, tão madura cronologicamente quanto a segunda, de turbante, cigarro na mão e pose altiva, que circulava pelo espaço proferindo seus pensamentos como que chicoteando o espectador. Algumas pessoas até riam de sua impetuosidade, mas para mim aquilo era um choque interno. Era eu vivendo nas suas palavras, ou a minha experiência de vida metamorfoseada no que ali era dito.

Minha paixão por ela é notória e não me esquivo de dizer que nunca me senti tão estapeado e retratado como quando tive meu primeiro contato com sua literatura. Infelizmente ela nos deixou há 30 anos, mas seu espólio permanece intocado em todo aquele que a sente. De forma visceral e crua, como um espelho que se quebra, jogando os cacos no nosso eu mais íntimo e indevassável. Despedaçando não o visível aos olhos, mas o que se sente no profundo, nos desnuda e provoca estupefação com as dúvidas que surgem abruptamente e cujas respostas não parecem ter solução.

Palavras me faltam para descrever nossa relação. Surge um vazio, um olhar, um toque e suas palavras, que rasgam internamente e provocam o nascimento de novos seres adormecidos dentro de mim. Simplesmente a sinto e a compreendo na sua busca de se solucionar como ser humano, vivendo uma espécie de vida dupla: aparentemente, uma senhora de ascendência ucraniana autora de grandes sucessos, mas dentro dela havia a necessidade de se expressar. Mas comunicar o que? Tampouco ela sabia. Mas suas tentativas foram imensamente válidas. E continuo sendo tocado sempre que a descubro.

Ah, bem lembrado. Na quarta-feira passada pensei muito em ti. Quando vi meu rosto refletido pelas lentes dos óculos escuros da Vivi (gostei muito de reencontrar você e o Guilherme, te desejo tudo de bom), me pus a ajeitar o cabelo, recordando de quando saí do banheiro com os cabelos molhados e despenteados. Você sorriu e tentava arrumá-los, dizendo: "Assim não, está muito pueril". Me deu um nó na garganta e tive a certeza de que algo mudou em mim, não sei se para melhor ou para pior. Não restou muita coisa, me sinto mais oco e duro, sem saber como continuar. Mas há de se insistir, mesmo sem fé alguma.

sexta-feira, dezembro 14, 2007

Ode ao cofrinho


Yes, nós temos bananas, café e palmeiras nessa terra tupiniquim alcunhada outrora como Brasil. Temos também derrières, ou mais vulgarmente falando, temos bundas e mais bundas, que se mostram lascivas e devassas pelo nosso imenso território, desde a badalada praia de Copacabana até mesmo em algum riacho pouco conhecido da nossa Amazônia. Podemos também falar dessa parte do corpo chamando-a meigamente de nádegas, ou região glútea. Sendo assim, podemos denominá-la da forma como melhor preferimos.

Mas atente para o fato de que o tema desse texto seja justamente essa parte do corpo tão afamada pela população masculina do nosso país. Não sou nenhum depravado. Bom, falando sinceramente, sou muito depravado nos momentos em que me convém e nos não convenientes também, mas não é isso que está em questão. O que se coloca na mesa é o cofrinho de Laura Villela.

Mas quem seria essa moça?, perguntam-me os leitores desse blog que desconhecem esse nome. Laura é uma moça ainda na mais tenra idade, com seus 20 anos completados há pouco, criada nas ladeiras e grotões de Santana, bairro da Zona Norte paulistana, que não se faz de rogada e exibe sua derrière por todos os locais aonde passa, sem a maior cerimônia. É assim mesmo: você apenas vê um pedaço de suas nádegas que insiste em pular da calça, sem que ao menos sua dona se dê conta de tal fato. E assim se sucede diariamente, ou ao menos nos momentos em que convivo com essa moça, que também é famosa pela sua cara de barraqueira e sinceridade, usando suas palavras amorosas a torto e a direito sem se preocupar com a expressão assustada da pessoa a quem dirige suas opiniões.

Mas creio que essa sua exposição exagerada seja apenas um sintoma físico de carência afetiva, ou simplesmente a metáfora de sua inadaptação ao sistema e revolta interior e exterior por algo que ainda desconheço. Preciso conversar mais com essa moça para saber os motivos de tal revolta, que se traduz em cofre exposto publicamente, na maior impudicície. Sem maiores preocupações com as consequências judiciais que tal fato venha a lhe provocar. Laura, você ainda poderá se ver nos tribunais por causa dessa sua mania desenfreada de expor sua intimidade assim, sem ao menos perguntar se os visualizadores concordam com isso.

Mas nada pode ser feito, ao menos momentaneamente, para impedir que Villela, como a chamo carinhosamente e também nos momentos de briga (nunca nos estapeamos, mas preciso dar veracidade ao texto), mostre assim desarvoradamente sua derrière. Só me resta verter lágrimas de sangue pelo seu costume nada condinzente com uma moça tão fina.

Em alguns momentos, inconscientemente, também exponho meu cofre em vias públicas, claro que sem me aperceber disto. Mas não vejo nisso mal algum, é apenas uma parte do meu corpo que se rebela contra a ditadura da vestimenta ocidental e se revolta automaticamente, alheia à vontade de seu dono de se mostrar.

Neste momento, moças, na sua maioria expõem suas nádegas nesse país tropical, nas praias, rios e mesmo na intimidade de suas residências. Mas isso não impede que também moços pratiquem tal ato, embora com menor frequência. Não pense que sou partidário desse ato, sou um rapaz de respeito.

Apenas constato os fatos e os transcrevo. Ou seja, mesmo que não queria, vejo bundas e mais bundas que se mostram sem que eu lhes peça. E isso nada tem de anormal. São apenas desejos incontidos que afloram, renascem ou mesmo morrem. Simples assim.