sábado, dezembro 05, 2009

Alguma coisa

Para ouvir, reouvir e triouvir nas madrugadas insones, manhãs modorrentas,dores de corno ou ressaca moral. Porque eu ainda creio na música boa, relativamente limpa e decente.




sexta-feira, dezembro 04, 2009

Debaixo de um abacateiro


Zezito pretendia se engraçar com Claudimeire logo após sua mudança para a rua de baixo. Moça de fartas carnes, cabelos negros escorridos às custas de artifícios da estética, manicure do salão do bairro e exímia dançarina do mais concorrido baile das redondezas, onde o repertório musical ia desde os hits das rádios populares aos sons que agitavam as madrugadas e também seus vizinhos, nada contentes com aquela barulheira ensurdecedora. Tantas fez, tantas vezes aparecia propositadamente no caminho da moça que um belo dia convidou-a a tomar um sorvete em uma fresca tarde na sorveteria à beira-rio. No dia combinado, após alguma gomalina em suas madeixas, escolha criteriosa do figurino e algum cuidado com seu vocabulário, lá foi Zezito com o coração aos pulos ao encontro da sua futura namorada, amante ou cônjuge. Mas antes do desenlance final, o rapaz precisava sobretudo convencer Meirita, como era conhecida pelas amigas do bairro de morada anterior, de suas boas intenções e de ser um partido interessante e cobiçado pelas moças casadoiras das adjacências. Durante o encontro, ambos foram descortinando suas existências um ao outro e relatando as peripécias e delícias da existência, principalmente discorrendo sobre as necessidades passadas em suas terras natais e a procura por uma vida mais digna nos grandes centros urbanos. Zezito era mestre de obras dos mais famosos na região pela economia e cumprimento dos prazos previstos, fora que seu dedo mindinho fora avariado por uma martelada não prevista e muito dolorida, sendo assim alcunhado pelos inimigos e amigos não muito calorosos como Zé Entortado.

E os dias iam assim passando, com encontros fortuitos, esperanças mútuas de que em breve se iniciaria uma história de amor e os hormônios em cada vez mais ebulição, seguidos por lágrimas de Claudimeire por se entregar tão facilmente às necessidades biológicas e por imaginar o quão ficaria falada pelos vizinhos, devido ao namoro caloroso na porta de sua casa. Sua família era extremamente rigorosa e zeladora do seu bom nome e costumes sociais, sendo assim iniciou-se pela iniciativa paterna um furdunço para que essa história terminasse no altar o mais breve possível. Seu Romualdo tivera cinco filhas e há quinze anos enviuvara, o que o levara a tomar as rédeas da família com mão de ferro e exigir decência e pureza de suas filhas, sendo que ele próprio não era participante de tal ideologia, envolvendo-se às sextas-feiras com uma tal mulher conhecida na zona do meretrício como Eulina Alçapão.

Seu Romualdo exigia solução imediata para o quiproquó, não aceitando que sua filha namorasse sem sérias intenções conjugais, pois em sua família isso não era visto com bons olhos muito menos seria aprovado pela sua esposa já falecida, que, de onde estivesse em sua outra vida, se entristeceria enormemente com a perdição daquela a quem gerara após longa gravidez e bolsa estourada no caminho para mais um exame pré-natal no posto de saúde municipal. Após três meses de pequenos preparativos e com parcos recursos, um casamento no civil com terno alugado, vestido quitado na modista por longas e suaves prestações, chá de panela ajeitado e mobília surrada, o casal se vê na lua-de-mel em uma meia água do outro lado da cidade. Sendo que o sentimento que os unia era inversamente proporcional ao saldo bancário do casal.

E o tempo foi passando até que Zezito diz à sua esposa que fará serão na obra; logo após a ligação escapulindo para um forró arretado no ponto final da lotação e enganando sua não mais aflita Meirita, já acostumada às noites do marido farreando pelas esquinas e botecos mal afamados da cidade grande e impessoal. Nesse mesmo dia, ele conhece uma moça de não muitos encantos chamada Severina, que, a despeito de sua pouca beleza física, conversava e versava a respeito de muitos assuntos, entre os quais suas viagens pelo país trabalhando nas casas dos mais endinheirados empresários e políticos das regiões nas quais residiu, mostrando assim um desembaraço e remelexo capaz de desvirtuar o mais fiel dos homens.

Após o conhecimento da existência de um ao outro e devidas apresentações, não muito tempo depois ocorreu o conhecimento carnal, no qual Severina desfilou mais uma vez para um estupefato Romualdo seu conhecimento de causa e experiência. Apesar da não-oficialização do relacionamento extraconjugal, o moço se viu cada vez mais envolvido pela amante até o momento que sua esposa descobriu o fato e jogou as roupas do esposo pela janela, ordenando-lhe que sumisse de suas fuças e que só se veriam novamente nos tribunais, aonde ela exigiria o desquite e 40% do seu ordenado, fora as custas processuais que seriam arcadas pelo agora não mais marido.

Claudimeire cai na mais penosa das prostrações e enche-se de queixumes com suas colegas, difamando Zelito com os mais desairosos adjetivos, mas no fundo do seu coração se arrrependendo de sua ira e desejando o retorno dele ao lar. Enquanto isso, Romualdo não estava mais sentindo tanto assim a falta dela, mas havia se arrependido, pois Severina não era dada às prendas domésticas e pouco dava atenção nesse quesito, deixando o rapaz à própria sorte e andando pelas ruas com as roupas amassadas e se alimentando nos pratos-feitos baratos do centro da cidade. Sendo que suas necessidades físicas e psicológicas só se completariam na presença um do outro, mas havia um porém: Romualdo sentia saudades de Meirita, mas por outro lado sentia uma paixão avassaladora por Severina, que neste momento se encontrava tomando cerveja com as amigas em uma padaria daqui a duas ruas.

Ambos pesaram os prós e contras de reatarem, e após um curto tempo de reflexão, decidem tentar mais uma vez a felicidade conjugal e ele retorna à meia-água, já com dois meses de aluguel e água atrasados devido à falta de colaboração dele nas despesas da casa. Romualdo aquieta o facho e decide se tornar um pai de família honrado e respeitoso, mas às escondidas flerta com a atendente da farmácia da avenida. Em contrapartida, Claudimeire troca bilhetes amorosos com o supervisor da empresa na qual presta serviços como Auxiliar Geral.




sexta-feira, novembro 13, 2009

Cinema para todos


O preço do ingresso no cinema é absurdo, caríssimo para meu módico poder aquisitivo, inviabilizando a sétima arte para boa parte das pessoas que gostariam de ter a oportunidade de frequentá-lo ao menos de vez em quando. Principalmente em tempos comandados pelas grandes cadeias como Cinemark, Severiano Ribeiro, UCI, Moviecom e afins. Praticamente parques cinematográficos encravados nos shoppings center de decoração duvidosa. Diria eu, em tom baixo com medo de cruzar acidentalmente com o responsável por tal poluição visual, que o melhor do cinema não seria, sob hipótese alguma, seus adornos e estilo. Muito menos as pipocas e demais guloseimas vendidas no balcão ao lado a preços também não muito convidativos: Senhor, deseja pipoca de tamarindo com molho de groselha ou de groselha com cor de tamarindo?

Pois bem, mas para a salvação daqueles que ainda acreditam que nossos bisnetos não verão tantas atrocidades à língua-mãe cometidas nas provas de Ensino Médio, existem, em alguns locais, projetos que visam levar cinema grátis para as pessoas que não teriam condições de conhecê-lo caso tivessem de pagar por ele. O SESI aqui do Estado de São Paulo é um ótimo exemplo, levando música, teatro e cinema de altíssima qualidade a custo zero. Pena que não em todas as unidades paulistas, mas de qualquer forma Santos é uma das cidades em que tais projetos existem.

Para minha sorte, moro a poucos minutos de caminhada da unidade da minha cidade. Sendo assim, alio meu bolso de parco erário com o acesso privilegiado a bens culturais raramente existentes em outras circunstâncias,e lá estou eu no SESI, assistindo um filme brasileiro chamado Nossa Vida Não Cabe Num Opala. Não me apedrejem nem me mandem plantar psicotrópicos nas serras colombianas pois nosso cinema, apesar das cenas de sexo fora do contexto e forçadas, tem alguma qualidade.

Percebi na platéia muitas pessoas humildes que suponho não serem telespectadores assíduos das salas cinematográficas, e espero que não esteja sendo preconceituoso deduzindo isso apenas pelo aspecto físico e de vestuário dessas pessoas. Mas fiquei muito entusiasmado de saber que o pessoal, tendo chance, proximidade física ou custo baixo, não se roga a conhecer bens culturais fora do seu dia-a-dia. Mesmo que muitas pessoas ali estivessem mais interessadas no cafezinho servido ou em rir nas partes que julgo eu dramáticas, ao menos começa a se formar uma platéia mais consciente, com um pouco mais de conhecimento, enfim, que, tendo a oportunidade, vai sim conhecer e participar de situações novas.

Talvez seja ingenuidade minha, mas seria tão bom se eu chegasse um dia qualquer à sala de teatro do SESI ou de alguma instituição com projetos semelhantes, e me deparasse com uma fila imensa, com direito a vendedores de Tampico e água da bica. Eu até tomo um Tampico de Laranja com Acerola, mas em compensação eles tem de me contratar para a análise do repertório a ser exibido.

domingo, outubro 25, 2009

Sobre o Politicamente Correto

Por essas e outras digo que a inteligência é afrodisíaca, deliciosamente alimentadora da alma. Há de se autovilipendiar, mas com um quê de ironia fina. E isso Dadá Coelho fez maravilhosamente bem. Dadá é humorista e jornalista piauiense radicada no Rio de Janeiro, e há alguns dias foi entrevistada por Jô Soares e seus comentários polêmicos sobre seu estado natal tem provocado divergência quanto ao seu teor.

Entre outras pérolas, Darcimeire Coelho Pinto ressaltou, dentre outras coisas, que é uma honra ter chegado aos 38 anos com dentes na boca e que, de cada 10 crianças nascidas no Piauí, 11 morrem. Pareceria apenas xenofobia gratuita se ela não estivesse falando sobre uma realidade vivida por ela sem pobreza de argumentos nem amargura, mas inteligência em falar com bom humor sobre situações vividas por ela e a falta de perspectivas se tivesse continuado em sua cidade natal, Floriano; e a miséria de sua gente.

Pronto: o furdunço estava feito. Nordestinos bairristas e exaltados levantaram-se em fúria contra as declarações que atentavam contra o bom nome do estado e de sua população. Mais uma vez repito o que costumo dizer sempre. Cada um de nós tem o direito de pensar o que lhe for mais conveniente acerca de qualquer assunto, desde o preço do pastel com garapa na feira desde a eleição do presidente norte-americano Baraq Obama. E discordar de pontos de vista também, é claro. Mas, se discordar de algo, apresente argumentos que refutem sua hipótese ou cale-se. E nem apele para o senso comum que a emenda sairá pior do que o soneto. Sem frases feitas. Convença-me do contrário, ou ao menos tente.

Não foi o caso de Dadá. Em sua página no Orkut ou no YouTube, revoltosos atentavam contra sua honra utilizando argumentos vazios e assassinando da forma mais descabida a língua-mãe, lascando-lhe palavras de um dialeto ainda a mim desconhecido, tais como "concerteza", "nada haver", "isagero", etc. Imaginei que se Guimarães Rosa tivesse lido tais declarações teria se envenenado com cicuta para esquecer essa desdita em sua existência.

Espero que não me tome como anti-nordestino. A questão não é essa, mas sim a falta de argumentos que se tém quando alguém toca no ponto nevrálgico: a falta de compasso entre o desenvolvimento nordestino, sobretudo seu interior, com o restante do Brasil. Não me importo que apontem para os defeitos e características da região em que vivo, pois eu não vejo somente seus pontos bons. Os ruins tb existem, procuro ver pelos dois pólos. E se o que tiver de ser dito o for de uma forma deliciosamente irônica, melhor ainda. Assim fez Dadá Coelho, sem ressentimentos por ter vindo de uma terra que lhe negou todas as oportunidades de ascensão social e profissional. O perigoso é quando descamba para a ofensa gratuita, desmoralizante.

Em suma, gostei deveras da entrevista com a irmã de Ememary Janes.
Se tiverem paciência e tempo disponível, assistam sua entrevista, disponível no YouTube nessas quatro partes:








quinta-feira, setembro 17, 2009

O Homem


Às suas costas, havia apenas uma cadeira e um palco escuro. À sua frente, várias fileiras de cadeiras, algumas ocupadas a espaços esparsos por alguns espectadores. E, dentro dele, algo não discernível até aquele instante. Somente através da iluminação que o cercava e dava-lhe destaque conseguia perceber os objetos e pessoas ao seu redor, o que o amedrontava, ou melhor, não o incomodava, pois era necessário que tais estivessem milimetricamente arrumados tal e qual o estava. Recitando seu texto procurava não exalar sua emoção e assim procurava o maior distanciamento possível da personagem representada, mas sabia que não lhe era possível. Grande parte do que ali era dito referia-se também a si mesmo, como se seus atos e palavras fossem uma espécie de autobiografia consentida, não declarada. Mas ainda assim ausentava-se de expressões faciais carregadas e algumas vezes fechava os olhos quando procurava interiorizar algum conceito ou frase que os proporcionasse maior desalento. E gesticulava, por não saber como e onde posicioná-las e com uma espécie de reforço da sua interpretação, utilizando todo o seu corpo como corroboração do que ali era apresentado. Pode-se dizer que era o ator ideal representando a personagem ideal, de tal forma que não se sabia quando iniciava-se um e onde eram os limites do outro. A mescla era infindável.

Por vezes sorria como uma espécie de cumplicidade íntima entre si mesmo e os espectadores, nas raras vezes em que se dava real conta que não estava sozinho naquele espaço de grandes proporções. Ao se esquecer de sua não solidão, baixava o tom de voz e virava-se de costas, sussurando trechos mínimos do texto. Quando se dava conta do lapso, aumentava o tom de voz e se voltava para os espectadores, que quase não percebiam seus erros. De alguma maneira era agradável de presenciar aquele homem que andava velozmente pelo tablado no espaço de algum silêncio e muitas vírgulas, procurando que sua voz fosse audível em todos os espaços ocupados por aquelas cadeiras. Por momentos chegavam a gracejar da falta de tato e aparência cômica que aquele homem imprimia, principalmente quando confidenciava algumas de suas passagens trágicas.

Sua indumentárias negras e chapéu-coco, cabelos dourados ornando suas têmporas e postura encurvada caíam como uma luva naquele homem. Como um figurino e fisionomia previamente estudados para melhor apreciação do espetáculo. Somente aqueles pés magros e brancos destoavam do negrume que tomava conta do palco. Pés magros, finos e sem nada digno de nota, como aliás todo o conjunto da obra.

O tempo corria e o espetáculo havia chegado ao fim, após algum esforço e possível compreensão da platéia para aqueles temas e homens tão enfadonhos. Aplausos escassos ressoaram no recinto, o homem curvou-se com da maneira típica para agradecer aos presentes. As cortinas se fecham e o homem sai do teatro, com as mesmas roupas com as quais se apresentou, naquele dia ainda ensolarado. Andava no parque olhando a esmo, para coisa alguma. Como se procurasse algo que soubesse não estar ali, mas que buscasse alcançar com sua postura de quem se acostumou à ausência forçosa.



quarta-feira, setembro 02, 2009

Sobre a sociedade de consumo

Publicitários de todo o mundo, uni-vos pois lhes indago: como funciona a psicologia humana para que uma simples música de comercial mexa tanto comigo a ponto de eu não conseguir passar um reles dia que seja sem ouvir a malvada?

Foi assim com a música de uma campanha nova do shampoo Garnier Fructis. Me dei conta do fato quando, ao assistir televisão como espectador passivo e massificado, esperava ansiosamente pelos comerciais para assistir o anúncio com a indefectível música. Após pesquisa quase sem sucesso na Internet, deparei-me com o grupo responsável pelo meu mais novo suplício. Ouço essa música incessantemente pelo YouTube, incansavelmente, forçosamente, sem o mínimo descanso e ai de quem me interromper durante a 160ª execução desta, ser-me-ei forçado a executar a criatura e jogar seus restos mortais no córrego a dez minutos de caminhada de onde moro.

Eu não vou consumir o Garnier Fructis (sei lá se é assim que se escreve), mas eu sou a grande prova de que a publicidade tem propagandas subliminares poderosas. Hunf para eu mesmo. E durma-se com um barulho destes!


segunda-feira, agosto 31, 2009

Sobre o diferente


À esquerda, uma nesga considerável de mar, tendo ao fundo a faixa de areia com alguns guarda-sóis e pessoas tremulantes pelo sol escaldante e alguns coqueiros, juntamente com as bicicletas e automóveis circulando vagarosos. À direita, asfalto, construções, casas, edifícios e mais pessoas. Ao fundo verde. Eu no meio, ouvindo suas colocações sobre a hierarquia humana. E no meio também sem saber como reagir perante uma visão que em nada compartilho, quando se tem em vista os que não tiveram tantas oportunidades e por isso estão à margem, relegados a uma espécie de limbo invisível que nós mesmos criamos quando não queremos ver o que acontece à nossa volta. Não estou querendo dar uma de bom samaritano e me autointitular o mártir dos pobres e necessitados, se nem eu mesmo consigo suprir as minhas necessidades básicas e supérfluas. Apenas falo de como reagimos ao diferente, por mais que queiramos ser lugar-comum e dizer que respeitamos (pero no mucho) a opinião alheia. No momento presente ao ocorrido, até fazemos cara de paisagem perante o despautério proferido, mas, ao nos encontrarmos em meio ao café da tarde na casa do vizinho, logo colocamos as mãos nas bochechas e suspiramos: "Ai, Jesus, que alma pecadora, perdoa-lhe por não saber o que diz."

O que eu apenas quero dizer é que não tenho a intenção de dar lição de moral alguma, mas apenas perceber mais uma coisa que você me fez aprender, mesmo que de forma inconsciente: ainda não aprendi a respeitar a opinião alheia. Posso não concordar e mesmo não saber como refutar sua opinião, mas internamente tenho ímpetos de te mandar para o raio que o parta com sua ignorância e cretinice. Talvez o cretino seja eu mesmo, mas é muito fácil supor que isso eu não confesse ao psicanalista muito menos à senhora que me pede ajuda para escolber o almeirão mais fresco na feira de domingo.

Me sinto a personagem do livro A Náusea, Jean Roquentin, de autoria de Jean-Paul Sartre, quando eu ouço os indefectíveis celulares e MP4 nos coletivos e ruas, com seus proprietários e meros ouvintes escutando os novos hits sertanejos e do pop trash. Não aprendi a respeitar o gosto musical alheio, ou a falta dele. Tenho a mania de praticamente obrigar à força de decreto que as pessoas que convivem ao meu redor tenham o mesmo gosto musical que eu. Obviamente nunca consegui. Ao menos continuo insistindo como bom teimoso que sou apontado pelos conhecidos e inimimigos.

Tão entretido persisto em perceber o que há de semelhante entre eu e o próximo que me esqueço do diferente, que se constitui em tantos aspectos. Que eu pare de me surpreender com aqueles que pensam, agem e vivem de uma forma diferente da minha. Que eu não reclame mais com o guarda de trânsito quando a senhora fala da prima que não pagou o sapateiro no mês passado. Que eu não seja tão ranzinza quando um grupo de adolescentes emos barulhentos e nojentos cruzam meus caminhos com aquelas caras de eterno nojo e estupefação. Que eu não rogue pragas contra todos os amantes de carne cozida e bolachas Maria. Pelo bem da minha estética, para a prevenção de rugas e cabelos brancos que ostento em excesso.

quinta-feira, agosto 06, 2009

Sobre o Rodrigo


O cenário da história se passa no bairro da Ponta da Praia, na cidade de Santos, litoral do Estado de São Paulo. Seu principal e única personagem é um rapaz de cabelos claros e traços europeizados chamado Rodrigo, regados a muito rock´n roll heavy metal, fumaças de cigarros Marlboro e algum sexo, para que atraiamos assim mais leitores para a história. Pareceria mais uma história comum, se você, caro leitor, não tiver o feeling para perceber quando se está diante de algo ou alguém cuja extração da essência resultaria em histórias riquíssimas e algumas lições de vida.

Só sei que desenrolar as teias de aranha que envolvem o ser humano e caracterizá-lo como matéria viva é tarefa das mais ricas, mas, ainda que assim seja, considero-me despreparado para descrever a personagem que tenho à mente de forma que consiga englobar um mundo que ele contenha dentro de si. Mas assim assumo o risco, por minha conta e risco. Que falte algo, pois algumas coisas sempre haverão de ser omitidas. E que eu ainda assim saiba usar as palavras corretas de acordo com aquilo que sinto e ajo.

Certas pessoas não são dignas de nota e, mesmo que o sejam, não nos forneceriam subsídios para nada mais do que uma anotação esquecida no bloco de notas guardada em alguma gaveta perdida pelo apartamento. Há tempos não sei notícias do moço descrito acima muito menos o que estará fazendo da vida, mas mentalmente e periodicamente, acrescento anotações mentais acerca dele. Sobre o caráter, a inteligência, a ironia fina e principalmente pela característica mais importante tudo: a sabedoria em um recinto de cretinos.

Não posso deixar passar a inteligência em um tempo em que o cérebro foi relegado a material de segunda linha e cada vez mais defenestrado pela sociedade em geral. Pensar está se tornando material de luxo e quem o faz cotidianamente é cada vez mais encarado como extraterrestre. Pois são os seres intergalácticos que me importam, eles que eu quero sentados no chão da sala formulando as teorias mais descabidas entre uma garrafa de cerveja e outra. E com boa música de fundo, obviamente. Eu quero ser instigado até meu cerne, eu quero pensar no novo sempre, ser alargado nem a fórceps. Pessoas que me fazem bocejar são cansativas. Eu quero que não me façam dormir, pois fechar os olhos me traria a sensação de tempo perdido e não aproveitado. Não aprendido. Não vivido e nem sentido. E com o Rodrigo eu tenho tudo isso, no pouco tempo que tivemos de convivência.

Pessoas banais eu encontro sentadas no banco da praça, mas pessoas instigantes eu sou obrigado a amarrar no pé da mesa e só deixar saírem da minha vida quando eu tiver sugado o máximo possível. E que eu ainda ultrapasse esse máximo.

Esse rapaz é o Rodrigo.

Ele é meu amigo.

Feliz Aniversário, rapaz. Tudo de bom pra você hoje e para todo o sempre. Ainda viverei para te ver entronizado no mesmo patamar de Melhem Adas, Milton Santos e Aziz Ab´Saber.


quinta-feira, julho 30, 2009

Hoje é dia de Rock´n Roll

Música para chorar de saudade, medo, dor, angústia, desespero, infelicidade, consolo pelo que se passou, pelo que não foi e pelo que provavelmente não será. Hoje ouço essa música porque inconscientemente lembrei de ti quando a ouvi, sabe-se lá por quais motivos. Eu só sei que hoje eu preciso de um bom e velho rock para afogar as mágoas. Nem que eu me reinvente e amanhã esteja cantarolando alguma outra coisa que venha a exorcizar meus demônios. Que eu te reencontre ao som de Yo La Tengo, que eu me despeça de você mais uma vez sob esse mesmo som, que no próximo verão eu tenha outro tesão, amor, satisfação, bem querer ou paixão. E que hoje eu me seja incompleto ouvindo essa canção.

Ps: Esse clipe não tem animação alguma, mas somente a música de fundo.


terça-feira, julho 28, 2009

Sobre a Frustração


Com o olhar perdido imaginando como seria diferente o branco da parede com outras cores e com uma das mãos apalpando o aparelho telefônico, lembrei de mim mesmo. Chovia lá fora e baldes escoravam a água que jorrava do grande quarto que eu me sou. Paredes riscadas, pisos quebradiços, infiltrações na parede e mofo aparente. Nele eu me escoro, me amoldo, eu me acomodo. Sinto frio com a camiseta molhada ajustada ao corpo. Meus dedos das mãos esfregam o corpo em busca de calor, imaginário que seja. Estou nesse quarto e faço parte dele, de tal modo mesclado que confundo-me com ele. Eu quero o sol, preciso de algum calor. Há pouco tempo, havia saído de lá e o tempo abriu, mesmo que nublado.
Folhas caídas na calçada úmida me remetiam a tempos em que olhava para os lados e o parco movimento das ruas me amainava. De forma torta eu era livre e disso ainda não tinha consciência. Se bem que nunca experimentei a liberdade plena, mas esse detalhe é irrelevante. Meu estar ali não modificaria absolutamente a ordem das coisas. Fechava os olhos desejando outras calçadas que não aquela, sentir algumas outras texturas. Nostalgia de um passado distante, presente incerto e futuro duvidoso.

Voltei ao quarto sem luz a partir do momento em que me percebi novamente solitário. Ironicamente choveu, sendo que em meu quarto poças denunciavam a volta da umidade, meus cabelos emudeciam com as gotas que denunciavam a fragilidade da estrutura na qual eu me apoiava. Ontem choveu no meu futuro. Ai de mim se não abrisse o guarda-chuva como forma de me proteger da água que cismava em me tocar a pele.


A umidade nos ossos em certo momentos havia se tornado intolerável, mas necessária. Quando saí da casa durante o amanhecer, fechei automaticamente muitas portas e apaguei várias luzes. Sentei no chão e olhei a esmo para o nada. O nada simboliza o hoje em que fui posto. De alguma maneira exemplificado como o copo vazio esperando o líquido que faça valer seu sentido. Dois objetos inanimados com funções limitadas em sua essência. Se existir alguma essência em ambos.


Esfregaria os olhos e sairi desse estado de semiletargia, levantaria do chão e andaria junto ao gramado cujo branco ocupas. Sentaria e te olharia. Não choveria mais. Um dia eu consigo. Nasço no dia em que te provocar necessidade. Aliás, nem devo te extasiar a tal ponto. A sensação nascerá sem que se dê conta. Como a erva daninha crescendo a meio a heras.


sábado, julho 18, 2009

Sobre o Existir


Que eu seja doce, que o meu fardo se torne mais leve, que eu faça por merecer você na minha vida, que eu me torne um novo ser a cada dia por você, para você, em você. Com você, a quem eu quero tão bem e desejo como se fosse parte integrante de mim. Que o meu corpo se torne cada vez mais faminto, mas em contrapartida que eu possa alimentar sua alma com o melhor que tenho e sou. Que eu me reinvente a cada dia, e em todas as horas a saudade se transforme em pura e mais singela felicidade. Existindo a felicidade, e se não eu a criarei enquanto passeio pelas calçadas procurando seu rosto e cheiro nos passantes. Que eu sinta sua pele no frio tampo da mesa nos muitos momentos de ausência compulsória. Que sua voz seja o meu elixir para as madrugadas insones. Que eu prove do seu mel, do seu suor, do seu cheiro, e que seu sabor me remete a meus alimentos preferidos. Que, no silêncio da tarde morna, eu contorne seu corpo e o afague seus cabelos contando meus sonhos mais secretos e fantasias inconfessáveis. Que o meu sentir por você seja dividido entre nós de tal forma que o estoque seja mais que o suficiente pára seus olhos em brasa. Que a despensa nunca conheça tempos de carestia. Que, se você por qualquer motivo que seja e eu não puder interferir. que me doas ainda mais na alma por não querer te ver sofrer. Que, ao fechares a porta, eu sinta ainda seu perfume longamente pela casa. Que a sua alegria seja o benfazejo de todos os espaços que ainda não ocupas nas minhas veias. Faça-me teu as 24 horas do dia e eu te faço minha. Sem ressalvas. Corpo e alma em sintonia. Como a música que toca inconscientemente. Assim te quero, incondicionalmente. Mesmo que de forma contraditória.

Que eu coloque os dedos em sua boca quando o silêncio se torne indispensável. Que, ao olhar pelos vidros opacos por causa das gotas da chuva, eu sinta saudade de quando te encontrei pela primeira vez naquela manhã nublada. Que eu saiba calar nos momentos apropriados e, quando necessário, que as poucas palavras que proferir sejam lançadas diretamente ao seu coração. Que eu saiba colocar no papel minhas vicissitudes da alma e toque também na sua. Que, antes de abrires a boca, que eu saiba de antemão o que será dito, confidenciado. Que fales sussurando sem que seja necessário que eu peças: Fale mais alto. Quero-te sem alarde e no silêncio da noite, como se não houvesse mais nada naquele instante de maior importância. Quero deitar na areia da praia, olhar para os lados e, enquanto visualizo o horizonte, lembrar de ti com certa nostalgia. Saudades do que ainda não vivi e senti. Que eu alargue ainda mais meus horizontes. Que eu viva outras vidas, seja muitos mais, que meu passado seja reduzido a poeira. E, principalmente, que você me seja primordial, somente o seu corpo e o que mais acarretar nele. E, que amanhã, todos os outros corpos se resumam a um só: o seu.

terça-feira, julho 07, 2009

Sobre o futuro


Não sei precisar quando será, mas esse dia chegará, quando o universo conspirará a meu favor e, ao pegar documentos ou papéis espalhados pela calçada, me depararei com sua mão e seu sorriso. Naquele momento saberei que precisava de ti, da tua lágrima, de sua voz e principalmente do seu corpo. Que juntamente com o meu será um só. Enquanto durar o que sentirei por ti, dançarei pelo jardim com uma euforia que nem sabia possuir em meu interior. Recitarei poemas no escuro enquanto dormes com uma satisfação inenarrável. Cozinharei comidas simples com sabor de banquetes faraônicos enquanto passarei meu pé pela sua perna, colocarei suas mãos entre as minhas e te dirão o quanto és importante para mim. Direi a meus amigos, conhecidos e familiares de ti como quem fala de uma pedra preciosa. Terei suas mãos entre as minhas, beijar-te-ei e nada direi, mas meus olhos serão mais que suficientes para expressar o processo irreversível que fizeste em meu ser.

Chorarei de saudades quando viajares a trabalho e se afastares de mim por três dias que sejam, esperarei o telefone tocar durante a tarde, quererei compartilhar com o meu próximo que a felicidade se faz por tão poucas coisas. Na hora do almoço, contarei os minutos restantes para que eu possa retornar à casa e te abraçar longamente, apenas sentindo esse calor que me faltou durante as longas horas sem ti. Fecharei os olhos e lembrarei de músicas que tocarão enquanto estiver a seu lado. Iremos ao cinema e jogaremos pipoca nas cenas em que a mocinha se declara languidamente para o não tão mocinho assim. Riremos feito bobos e contagiaremos todos os outros com nossa canastrice. Veremos uma criança na rua e dizer-te-ei com minha mão entre a sua: Eu quero uma assim, só nossa.

Ainda não tenho nada disso, mas um dia hei de ter e ser. Quando eu assim for, me serei a cada novo amanhecer e descobrirei não somente um amor, mas vários amores em um só. Não frequentarei mais casas noturnas nem beijarei somente pela necessidade física, pois não terei somente um corpo, mas dois. Dois beijos, quatro pernas e inúmeras necessidades. Seres, fazeres e quereres. Nesse dia eu direi que não passei incólume. E, se um dia fores embora, escreverei nesse mesmo blog que muito amei e também muito fui amado. Chorarei amargamente pelo que não tem mais volta, mas terei vivido e sido. Serei dois corações. E serei muito mais depois do amor.

sábado, junho 27, 2009

Sobre o Princípio


Enrolei a barra da calça até os joelhos, tirei os sapatos e me pus a andar pelo terreno cuja chuva recente ainda umedecia o barro, primeiro pelas suas laterais e depois desordenadamente, sem ao menos seguir uma ordem prática. Andava e me punha a imaginar sobre a construção que seria erguida dentro em breve naquele mesmo local, mas nada esquematizado, apenas uma breve lembrança de que dentro em pouco não existiria mais a terra nua, e sim um prédio que abrigaria várias pessoas e circunstâncias, situações e almas, carnes e vozes. Eu não me interessava realmente por essas pessoas, e sim pelo vazio que havia naquele instante, o que me unia ao terreno.Da mesma forma que havia nudez naquele local, eu também me havia posto nu, não de corpo,mas de todo o resto.

Querendo saber como éramos nós quando nós, quando ainda não havíamos vestido os tecidos que formam os complicados meandros da nossa existência, no instante em que ainda não havíamos nos dado conta que a raiz de todas as coisas seria a despidez de algo que não saberia precisar. Apenas o despojamento de todas as coisas, somente o início, puro e simples. O que desencadearia todo o processo. Mas cujas consequências na realidade não me importavam naquele instante, o que eu me interessava era antes da primeira palavra proferida, da primeira pegada, do primeiro ato, do primeiro gesto, do primeiro beijo e principalmente antes da visão do princípio, da gênese.

O porvir era apenas consequência, desviaria os olhos pela não-importância que isso havia adquirido em mim naquela hora. O que eu queria mesmo saber é como as coisas funcionavam quando elas nem mesmo haviam se iniciado, se é que houve um início para elas ou elas eram mesmo antes de se conhecerem como tais. Como terei sido antes do seu princípio, aliás, houve um princípio? Se sim, quando o foi e aonde coloquei o corpo quando assim o existenciei? E se houvesse me posicionado diferente, como teria sido essa gênese? Afinal, eu me iniciei de alguma forma ou ainda me encontro no ponto de partida, no que os esportistas consideram o grid de largada?

Antes que eu calçasse de volta meus sapatos, arrumasse a calça e saísse daquele lugar, tinha sentido que de certa forma eu era como aquela área desabitada e silenciosa. Me era e ainda sou, sem sombra de dúvidas. Após o assentamento do primeiro tijolo, as coisas nunca mais seriam as mesmas e um processo de modificação imutável haveria de ser praticado naquele lugar. Eu só queria saber como eram as coisas, se é que elas foram algo, antes do tal assentamento. Depois dessa inutilidade, bocejo novamente pois a sola dos meus pés já provocou alguma alteração no estado natural daquele espaço, assim como das pisadas anteriores. Ou seja, acho que nunca houve o início, o início por si só já o é.

sábado, junho 20, 2009

Sobre o Bocejo


Quando uma tarde me olhei na vidraça, percebi algumas marcas que ontem não estavam lá. Cicatrizes do que não percebia ter e ser. Fazer com que elas sumam é matéria ingrata, pois teria de me desfazer de todo o resto que me compõe, corpo e alma. Dicotomia. Armistício. Silêncio e voz. Sapatilhas e andrajos. Algo mais. Sei lá o que e mais um pouco.

Bocejei de madrugada e o som reverberou pelo resto do dia. Enquanto bocejava, percebi os dentes semicerrados tapados pela boca. Bocejava de mim, por não ter vivido em vários corpos e almas, e também bocejo de surpresa, de antemão pelo inesperado. Bocejo também de revolta pelo que não presenciei.

Adélia Prado esteve em Cubatão há alguns dias e soube do ocorrido horas depois. Quando surpreendido com o fato, restou-me apenas o bocejo como resposta. Obviamente o ideal seria que eu quebrasse os bibelôs da sala ou culpasse o neoliberalismo pelo meu lapso. Ou, na pior das hipóteses, entrar em um ônibus e oferecer a promoção: Senhores passageiros, tenho mulher e cinco filhos para criar, por favor ajudem-me comprando os chocolates Frederico. Na compra de três chocolates, enviarei por e-mail, como brinde, um quinto de uma bala Juquinha Moura Leão. Mas fiz beicinho e me autovilipendiei de forma ostentiva e costumeira. Eu ainda hei de tirar um daguerreótipo com Adélia. Nem que eu faça muxoxo e ameace, desde aquele instante, tornar-me leitor de Augusto Cury. Sinto que Adélia encheria seus olhos de lágrima e compadecimento de minha pobre alma e, sob súplicas, rogar-me-ia que parasse com tais sandices.

Pus-me então em posição de lótus, fechei os olhos a bocejar freneticamente, me imaginando no reino das delícias comestíveis e espirituais. Bocejo por você, por eu e principalmente por todos nós, cativos e sedentos. Principalmente os imbecis idealistas e que almejam ser melhores em alguma coisa, apesar de todas as dores passadas e presentes, mesmo que as estomacais.

Meu vizinho de banco coçou a cabeça e suspirou. Eu também suspirei, aproveitando o ensejo. E de quebra coloquei a mãozinha no queixo. Em nada pensei. Só me sobrou a revolta interior pelo não acontecido, pelo silêncio do dia e pelo ronco do motor do carro que passa na rua de trás. Viver tem sido tão enfadonho. Não tenho tido grandes emoções nem grandes depressões, ultimamente ando tão equilibrado que mal tenho tido porres homéricos com direitos a sabedoria de rodoviária. Falta-me tempo para as baboseiras comesinhas do cotidiano. Tom Zé me despreza, Vanderléia me saúda e as coristas do Roberto Carlos dançam ao som do Tchuba-Ruba da Mallu Magalhães. Ai meu Jesusinho, quanta cretinice. Me ser é tão sem-graça que arrancar duas linhas sobre meu eu é tarefa inglória.

Canalhices à parte, bocejo. E a imbecilidade de hoje encerro.



domingo, junho 07, 2009

Sobre o Envelhecer




Não aceito as pessoas que tentam minimizar os anos que se passam, como se eles de nada contassem e nós fôssemos imunes aos tempos idos. Envelhecer é assunto tratado de forma equivalente à morte, dois tabus que considero extremamente ultrapassados e delicados. Falar sobre e com a velhice é pisar em ovos adquiridos em promoção no supermercado do bairro. Dificilmente alguém assumirá que a juventude se perdeu em alguma das esquinas ou árvores com quem cruzamos pelos dias decorridos, pelo que não se terá mais. Dirão para aqueles que olham para as cicatrizes no corpo e na alma como uma forma de consolo: És ainda tão jovem, tens tanto a viver, não se deprecie. Envelhecer não é se depreciar, é se assumir como coisa, é saber que o tempo é findo e que a terra está cansada e já não é capaz de produzir coisa alguma, nem mesmo as culturas em que o solo requer menos esforço e insumos agrícolas.


Não confio no elixir da juventude eterna. Que eu me olhe na colher de prata e acaricie em tom de confidência minhas rugas e cabelos brancos. Que eu veja meus olhos e nele assimile o cansaço de ter visto e vivido tantas coisas, algumas doces e boa parte desagradável, atroz. Que eu tenha cansaço nas pálpebras. Que eu tenha os dedos enrugados. Que o meu viço já não seja mais o suficiente para encarar o longo dia de trabalho e que na metade dele eu sente, rode um anel entre os dedos e reconheça as marcas que a vida foi me deixando. Que eu olhe na vitrine e veja em mim a soma de todos nós e do que ainda porventura virei a ser. Que meu saldo ainda seja positivo e que ao tirar o extrato eu não veja números, mas sim reentrâncias. Que me sobre. Que eu seja ainda a sobra, que me esbalde no que fiz e naquilo que me exigi. Que a carne não me seja ainda tão cansada a ponto de colocar a cadeira de praia na areia e, ao olhar o mar, eu diga a mim mesmo que as ondas são o meu futuro. Eu sou o final daquele mesmo oceano, o braço de mar e a beira do rio.


Que eu saiba viver dentro de meu corpo e viver do cálice que cada dia eu me sirvo. Que eu apenas ache graça na juventude e diga que o tempo tudo curará, ou acentuará. Que eu não minta minha verdadeira miséria e saiba dizer sem tom de dores que eu fui incólume. Incólume sei que passei, e nada posso fazer para reverter o que o sol dos quereres antigos não me fez ter e ser. Mas que ao anoitecer eu olhe para o que me fui no dia que se foi e não me castigar pelo como deixei de proceder. Enfim, pois bem, que eu saiba envelhecer. Eu já envelheci e o que me virá apenas me acrescentará. Algumas coisas fatalmente me subtrairá, mas em nada poderei agir, pois meu corpo é uma espécie de matemática ensandecida. Cada dobra que os anos me trouxeram são atestados de benfazejo. Eu me fui, eu continuo e me sendo e ainda me serei pelos anos que me sobram. Mais velho, fato consumado. Mais experiente não sei dizer. Não posso propalar que eu tenho sabedoria, pois a ignorância é meu bem mais precioso. Mas, quando jovem, não poderia me assumir inteligente. Agora, tendo sido jovem e em vias da decrepitude, eu dou-me o direito do riso por ser estapafúrdio.


Posso ter colocado aqui as coisas mais imbecis, mas se me autocensurar nenhuma palavra me será genuína. Só me sou na confusão e no obscuro, sendo assim desculpem-me.


Resumo da ópera: a juventude é rock´n roll e cuba libre, a velhice é Ravel. Cada um que aprecie o que melhor lhe aprouver. Ou o que souber ver.

sábado, maio 30, 2009

Recado para o Fabrício Carpinejar


Fabrício, sente aqui que eu preciso chamar-lhe às falas. A questão é a seguinte: sinto-me o mais boçal dos seres viventes quando tenho em mãos algum texto seu. Como se eu nada tivesse vivido e muito menos algo experimentado. Você consegue fugir do lugar-comum quando se fala em amor, tema tão surrado e exaustivamente destrinchado. Como se o ato de amar fosse quase que exclusivamente para a sua pessoa sensação única e exclusiva, com todas as suas dores e delícias. Por sua causa, sinto-me canalha e putrefato, por ter me rogado a viver alheio a terreno tão frutífero e minado.

Com Fabrício me vi cego, surdo, mudo e leproso. Eu não sei ver, não sei sentir, não sei tocar, falar muito menos existir. Sem passado, presente e futuro. Olho para suas palavras e me vejo olhando para o infinito, como se vivesse em uma redoma de vidro e não tivesse me obrigado a existir desde sempre.

Você me dói, Fabrício Carpinejar, como cacos de vidro cortando fundo minha carne. Como forma de protesto, aqui vai um texto que sou eu, indissoluvelmente. Irremediavelmente esse texto é o meu espelho.

E mais uma ameaça: se eu vivesse no Rio Grande do Sul, eu moraria provisoriamente na sua casa. Levaria um colchão, caderno e algumas canetas. E só sairia de lá com um certificado com sua assinatura registrado em cartório e com algumas testemunhas corroborando que lá estive. Pois não se pode mais ser o mesmo depois de Fabrício Carpinejar.


Não ser amado


Passa-se da idade de casar, como se houvesse idade para isso. Passa-se da idade de ter filhos.Suporta-se o desespero de guardar um cheque em branco assinado com o temor de nunca descontá-lo.
Quem colocou limite em nosso tempo?
Regulamos a nossa vida em comparação com as outras, desde a infância até a maturidade, desde o jardim até o asilo. Semelhante a dirigir com o velocímetro quebrado e comparar o que se anda pelos demais carros.
O ritmo não pode ser imposto por fora.Convence-se de que não se é amado.
Não ser amado é pior do que ser invisível. É narrar o que faltou acontecer. Fica-se grávida da vida que não se teve. O peso de um corpo que sequer existiu para continuá-lo em pensamento.
Não ser amado é pior do que ser invisível. Pois nascer não é o bastante para ninguém.
Não ser amado é o mesmo que carecer de pálpebras.É o mesmo que sofrer uma insônia parcial, somente nos ouvidos. É chamar atenção para as virtudes quando os defeitos não param de falar.
Não ser amado é pior do que ser invisível. As portas do guarda-roupa são as venezianas que espreguiçam a casa, e nada é suficientemente justo para dar folga à alegria.
Não ser amado é não encontrar cintura para as palavras. É um castigo mais severo do que o ódio. É mais grave do que esquecer.
Não ser amado é perder a possibilidade de contestar o próprio destino. É morrer de uma saúde incurável. É participar do mundo como se ele estivesse sempre por ser criado. É colar o fogo porque não há carta para ser queimada.
Não ser amado é se diminuir para dormir, se aquietar no almoço familiar, não mudar a assinatura de adolescente. É pular os fatos por não fazer parte deles. É sentar em uma escada para não cair em falso. É não levar uma foto 3x4 na carteira.É correr o domingo para chegar na segunda.
Não ser amado é um crime que não se teve culpa, um castigo que errou de irmão. É voltar aonde não se esteve.
Não ser amado é concluir que o final poderia ser diferente se tivesse havido um começo.É escolher tudo na vida para contar com receio de faltar história. É a velhice avançar sem trazer vergonha; é a velhice avançar com a indiferença ao colo. É voar como um pássaro e ser chamado de morcego. É gastar o parapeito da janela mais do que a porta.
Não ser amado é acreditar que o amor significa apenas receber.




sábado, maio 23, 2009

Sobre o Olhar




Quando olho, muitas vezes calo-me, mas mesmo assim digo alguma coisa. Não verbalizo, mas exprimo. Faço, quero, desejo, sou, estou. Olhando digo muitos quereres. Somente eu não, mas todos nós homens e mulheres de boa vontade que precisamos de algo que muitas vezes não sabemos dizer com o uso da palavra, mas que ao piscar é expresso da forma mais sutil. A palavra falta, mas o olhar abunda. Abunda sobre o céu, a terra e em tudo que neles há. Inclusive nós, que desejamos o outro com o olhar. Lascivo, pidão, incipiente, quente, terno, fugaz. Olhamos mesmo quando o que vemos não é do nosso agrado. Olhando com olhares tantos quantos sejam os moradores de nossa cidade. O que tu vês não é o mesmo que vejo eu, sendo que falo das mesmíssimas coisas que aparentemente não tem o porquê de serem vistas de forma diferentes. Mas ser humano também é ver só o que se deseja. O que se espera. O que não se tem. O que se poderá ter em um futuro não muito longínquo. O que são apenas delírios sem o dormir. Ver com olhos de crianças, adultos e idosos. Até mesmo ver com os olhos do animal manso e doce que nos pede carinho. O animal não sabe dizer-nos: Me afague. Mas sabemos seu desejo quando olhamo-nos os dois com cumplicidade.

O amante não precisa muitas vezes dizer que ama, mas ele apenas pisca, com as pestanas em brasa. O ser amado sabe nos olhos contém amor. E quem odeia também não diz, pois dizer seria somente exclamar o que está sendo mostrado de forma muito mais voraz com o olhar. Olho para a câmera que me fotografa como se soubesse que além do corpo estou desvelando a alma com meus olhos. Soubesse não, olhando estou demonstrando que assim sinto. Assim me revolto e assim me condôo por tudo ver e nada poder omitir. Quando vi que poderia ver muito mais do que assim imaginava, me vi vendo o sobejo, o exagero. Exageradamente olho as pessoas procurando em seus olhares o que sejam meus olhos.

Mas olhar não pode ser encarado de forma automática, penso eu na mais muda ignorância que não é expressa na palavra. Até porque o olhar nunca se esgota, e está em ciclo eterno de delicada transformação. O olhar me faz, o olhar faz você, o olhar faz todos nós pedintes de um olhar mais crítico. Eu vivo, portanto vejo. O passante ao meu lado, as árvores, carros, prédios e gatos refastelados na calçada. O que me impressiona não é o simplesmente ver, mas como se vê. A posição que se toma perante o privilégio. Sendo assim, deliciem-se ou doem-se com os olhos. Que tanto pode alimentar quanto nos fazer mais famélicos do que comumente somos.

Talvez no dia em que souber como olhar eu seja mais pleno, mais completo. Talvez eu olhe para dentro com menos acidez e mais doçura.

terça-feira, maio 19, 2009

Sobre o Vôo


- Eu quero voar!!!!!!!!!! Já estou farto dos desenganos que me traz o chão pedregoso, quero tocar nas asas das aves e experimentar uma sensação de liberdade nunca antes vivida. Eu quero mais com o que me contentar, eu quero ter muito mais para poder sobejar, forrar os bolsos, distribuir aos meus colegas. Eu quero a ganância do sobrar. Quero ter o ímpeto de espalhar sementes no chão antes da chuva e ser o responsável pelo criar. Quero deitar na cama e ter ao meu redor o sobejo. Quero lambuzar a mim e aos outros desse vôo entusiasmado. Eu quero dançar no gramado em plena tarde abafada sem ter com o que me ocupar. Que o pão não me seja caro nem fastidioso. Que as horas passem sem eu me dar conta delas. Que eu seja irresponsável com as contas a chegar. Que no cinema eu possa gargalhar sem aos outros incomodar. Que o verbo eu possa usar sem censura, e no coração dos outros eu possa tocar. Mais, mais, mais e muito mais.

Pois bem, assim o quis e assim eu o fiz. Quando dei por mim já estava a muitos pés de altura e no infinito campo de visão eu só via verde e mais verde, vacas pastando, plantações de hortaliças e ao fundo construções do que supus ser uma vila.

Preparava-me para o salto sem em nada externo pensar. Só queria chegar naquele chão e perfume novo aspirar. De tudo que me fosse novo experimentar. Surdo estava ao que o instrutor me dizia, inflamado estava pela ânsia do que estava a me recepcionar. Tanto esperei por esse vôo que tudo o mais se tinha tornado dispensável. Se, se.. Bah, do que me importavam os prejuízos quando lá embaixo eu teria uma mina a escavar. Eu não queria pensar, mas agir, acontecer, ser, poder. Tudo que me fora negado eu fazia questão de ter, nem que para isso eu tivesse que portas arrombar e vidraças arrebentar. Aquilo tudo lá embaixo era só meu, todo meu, irremediavelmente meu.

1,2,3...Pulei. O barulho do som do céu me ensurdecia, com as nuvens muito densas acima de mim a me acompanhar e dividir comigo aquele local de passagem. Não sei quanto tempo ali fiquei muito menos quantas piruetas executei. Eu ria como criança que se lambuza de sorvete. Como era bom voar. Ainda me dói de alegria aquele vôo, a sensação de liberdade conquistada. Esfregava as mãos de puro contentamento. Era chegada a minha hora.O cheiro de ar puro adentrava meus pulmóes. Tinha tanta coisa a fazer quando botasse os pés na terra vermelha...

Pousei.

Logo após acordei.

Na cozinha a água do café fervia no bule.

domingo, maio 17, 2009

Sobre a Palavra


- Ei, Dindi, o que tanto você coloca nesse pedaço de papel?

A caneta caiu no chão e fiquei com a mão pendente no ar. Como poderia responder-lhe se nem ao menos eu tenho tal resposta? Tirei os óculos e coloquei-os cuidadosamente sobre a mesa de centro. Teria que me despir e me aventurar por mares desconhecidos se quisesse dar continuidade ao assunto. Durante algum tempo abria a boca mas dela não saía som algum. Uma espécie de atordoamento havia se apossado de mim e anestesiado fiquei naquele ambiente, claro e silencioso. Estralei os dedos em sinal de nervosismo e uma saliva amarga se alojava entre os dentes. Meus batimentos cardíacos se aceleravam e uma força do que a que supunha ter se apossara de mim:

- Acho que escrevo simplesmente porque não choro mais. Já há tão longo tempo que não choro mais por me ser, mesmo que seja de alegria por sobreviver apesar dos pesares. Vivo de olhos baixos, mas quando os levanto o sol continua brilhando, as pessoas passam apressadas ao meu redor, os prédios continuam cinzentos e os músicos contando moedas nas praças. O mundo está aí, girando sem cessar, a roda incessante rodando e rodando independente do meu piscar para observá-las. Crianças nascem, moribundos falecem, flores desabrocham, casais se desfazem e batem as portas dos apartamentos com revolta, as ondas continuam batendo nas rebentações, bancários autenticam documentos, idosos consomem e passeiam nos supermercados, adolescentes riem e se beijam, vizinhas fofocam, torcedores matam e morrem por seus times e tudo o mais acontece durante as vírgulas em que pontuo as frases. Mesmo que eu não existisse, nada seria modificado. Quando cheguei aqui, a sorte já havia sido lançada e os jogadores dispunham as suas armas nas apostas. Quem tem de se adaptar sou eu, e não os outros. Enquanto alguns apalpam as paredes, eu toco na caneta e olho a esmo procurando algo com o que preencher essas linhas. Se algo nisso tudo é válido será consequência do que está sendo dito agora, ou mesmo do eco das coisas passadas, das gaivotas em meio aos faróis. Eu só quero um lugar na engrenagem, ali mesmo onde existe aquele espaço vazio e macilento. Mais um amanhecer, outro dia, mais uma mão e um sorriso, chaminés de fábricas, boinas, tangos e elevadores. Sapatos e cactos. Água sem gás e mármores nas bancadas dos zeladores. Tulipas e telhados. Gaudi e Tarkowski. Televisão e poesia. Camisetas e portas. Gravatas e gritarias. Britadeiras e buzinas. Não me pergunte mais pois o gosto de vômito permanece na boca. Em mim mesmo e em todas as outras coisas. Feche as cortinas. Os olhos. A alma.

quarta-feira, abril 29, 2009

Alguma música


Antes mesmo que eu desse conta do que havia ao meu redor, mesmo acima ou abaixo, a música já existia e tocava, lentamente ou de forma rápida, sem que eu pudesse perceber de onde ela provinha. Não havia festa alguma nas casas da vizinhança muito menos um bar temático ou casa noturna. Mas havia a minha imaginação, meu inconsciente. E era do meu eu profundo que tocava algo, dependendo das circunstâncias. Mesmo que eu quisesse somente o silêncio, a música tocava por iniciativas próprias. E era justamente nos momentos mais silenciosos que o som reverberava no meu eu de dentro para o meu eu de fora. Negras vozes roucas de alguns cigarros, algum álcool e muita solidão abafadas por sons de saxofone e cantando o viver e sofrer. Um palco quase vazio, contendo apenas um vulto, um violão ao colo e à sua frente um microfone. O vulto cantava de olhos fechados, como se não quisesse deixar escapar alguma coisa que sua voz não exprimia, mas somente o seu olhar. Bem diz-se que olhares dizem muito mais do que as palavra, às vezes lançada em precipício. Música dançante, com um grupo considerável de pessoas iluminadas por luzes coloridas e abafadas sacudindo seus corpos e à sua frente guitarras, baterias e alguns outros instrumentos, obviamente manuseados por outros vultos escuros. Uma mulher gorda em um espaço pequeno recitando suas desditas e clamando a outrora do Trás os Montes, em meio aos parreirais e com alguma angústia no ser e proceder. Quando tudo parecia mais claro e límpido. Em um tempo que não volta mais, quando ela achava que não haveria separações e dores futuras. Em uma época em que não se sabia que cada amanhecer trazia juntamente alguns novos desafios. E, finalmente, um local parecido com um cabaré ou cassino, onde, no palco, uma orquestra tocando sons instrumentais entremeados por um homem entoando sons que não saberia identificar a qual ritmo pertence.

Pois bem: quem nunca percebeu a mesma música tocando no inconsciente por diversas vezes que atire a primeira pedra. Ou mesmo músicas, músicas e mais músicas em uma eterna sinfonia mental. A música faz parte da natureza e condição humanas há tempos infindos, cumprindo seu respectivo papel e se transformando tanto em forma de redenção humana quanto entretenimento vazio, que se esgota quando as luzes se apagam e o intérprete sai de cena. Ouvimos música na rua, no trabalho, nos centros comerciais, nos hipermercados, nas boates, nos prédios residenciais, nas estradas, nos postos de gasolina e, principalmente, eu ouço música de madrugada, quando acendo meu cigarro no quintal de casa e sento. Quando fecho os olhos, tenho à minha frente uma espécie de juke box ambulante. Algumas vezes tenho vontade de sair dançando pelo azulejo, sufocando por uma espécie de necessidade de me ser, a cada novo dia. Ser novo. Ser diferente do que fui ontem. Amanhecer para uma nova vida, que não a que tenho. Experimentar novos sabores, novos cheiros, tatear paredes novas, pisar em novos gramados, ou seja, ser pleno de alguma forma. Sem filosofia barata, nem grandes devaneios. Sem pensar, imaginar ou querer ser. Apenas sendo. Algo ou alguém. Ir-me embora pra Pasárgada mais uma vez. Recitar Hilda Hilst enquanto não amanhece. Colocar as mãos no bolso, andar a esmo com um fone de ouvido e me abstrair do barulho ao meu redor. Enfim, elucubrar, ser, pensar e fazer. De forma torta, talvez. Mas na tortuosidade encontrar a redenção.



sexta-feira, abril 10, 2009

Leia o próximo texto


De vez em quando tenho ímpetos de sair do mundo real e fantasiar, elucubrar sobre pequenas coisas, fadas, histórias infantis em geral, Monteiro Lobato, Alladin e Sherazade, O Pequeno Príncipe, Marquês de Sade, Zé do Caixão versão teenager, O Mundo Íntimo de Laura da Clarice Lispector e afins, eu me imagino com um negócio próprio, alguma coisa que, além de me fornecer subsídio financeiro, me dê algum sentido a mais na vida, se bem que comandando um negócio próprio eu não terei tempo de elucubrar sobre a morte do gado na fazenda do Nhô Totonho durante a grande estiagem de 1980.

Mas são divagações geralmente com prazo certo de nascimento e morte, sou por demais prático e realista para me ver tomado por situações por demais supositórias para se tornarem concretas. Ocasionalmente me dou ao direito de refletir sobre uma frase que é senso comum: as respostas não estão em fatores externos, mas somente dentro de nós poderemos achá-las. Sendo assim, adoraria que meu timo e vesícula fossem videntes e me solucionassem certas perguntas infames que teimo em formular por pura cretinice e falta de coisa melhor a se fazer.

Pois bem: cismei como burro empacado que um dia (Quiçá? Quem sabe? Talvez? Que rufem os tambores!) eu tenha um negócio meu, que seria uma livraria. É claro que não possuo um tostão furado que me proporcione a banca mais vagabunda do sebo mais insidioso do centro da cidade. Mas mesmo assim me imagino em meio a prateleiras e mais prateleiras de livros, muitos livros, e futuramente um local somente para CD´s de qualidade e um café bem ajeitadinho onde a intelectualidade possa degustar seu pingado com manteiga rançosa.

O nome dela obviamente ainda não formulei, por dois fatores: se o fizesse estaria levando a sério demais uma perspectiva tão remota e porque minha pequena criatividade não me seja útil nos momentos em que ela se torna necessária. Mas faço questão de CNPJ, nome fantasia, taxa do contador, sonegação de alguns impostos pela Receita Federal e o que mais meu pacote da CVC cobrir.

Se alguma criatura infame adentrar meu humilde estabelecimento em busca do mais novo best seller de Zíbia Gasparetto irei expulsá-la aos berros, se necessário for obterei amparo policial e com direito a retratação jurídica. Em contrapartida, quando algum cliente em potencial chegar a mim em busca da antologica poética de Sylvia Plath, ele (a) será convidado a um café com biscoitos amanteigados, fecharei meu estabelecimento em prol de uma privacidade maior, e, se não fosse tão hábil comerciante, forneceria à tal pessoa boa parte do meu estoque literário sem em troca de algum papel-moeda.

Falando assim até podem pensar que ter negócio próprio no Brasil é tão simples assim, em uma terra em que boa parte dos negócios não perduram por mais de cinco anos. Ainda mais em um ramo considerado supérfluo e com uma parcela de consumidores tão pequenas. Há alguns dias atrás estava a perambular pelo Shopping Praiamar, na cidade de São Vicente, no final de semana, quando usualmente a quantidade de transeuntes no local aumenta. E realmente a quantidade de pessoas em seus corredores e lojas era considerável, enquanto a livraria Siciliano estava praticamente às moscas, levando em consideração que é uma loja grande e bem-localizada. De qualquer forma esse assunto renderia assunto para algumas horas de conversa e minha intenção não é essa. Até porque não possuo conhecimento suficientes para tal.

Depois de muita baboseira, eis que digo: se cuidem Saraiva, Siciliano, FNAC, Escariz, Laselva, Livraria da Vila, Livraria da Travessa, Cultura e afins. Um dia eu chego no mercado. Tremei, incautos!*


*Não riam, eu tenho plena consciência do ridículo. Ou não terei?

domingo, março 22, 2009

O Pundonor


Vivo em uma cidade litorânea, onde é perfeitamente natural que seus habitantes e turistas usufruam de suas praias como instrumento de lazer nos finais de semana e feriados ensolarados. Digo até que o mar provoca uma certa modificação nos costumes das indumentárias de seus moradores, que aproveitam-se do clima para vestirem-se ou despirem-se de forma mais adequada e até mesmo despudorada. Praticamente uma pouca-vergonha que enrubesce os mais tradicionalistas nesse quesito como eu. Que a cada dia perde mais adeptos.

Se me perguntarem qual foi a última vez em que frequentei as areias fétidas do município onde resido, ficarei estupefato e durante certo tempo emudecido, pois a resposta me é tão longínqua que o ideal seria que eu dissesse: "Por quem me tomas? Desde quando sou chegado a essas impudicícias da carne?". Mas simplesmente digo que não costumo expor minha bela figura em tais ambientes. Tenho uma tonalidade de pele nada condinzente com a velha máxima de um barquinho ao sol, crianças construindo castelinhos de areia e pessoas saudáveis e felizes sem medo de um futuro câncer de pele. Só sou queimado nas partes menos pudendas que não consigo esconder com as roupas que costumo usar, como o rosto e a parte inferior do braço, ainda assim devido ao não-costume de utilização da burqa que anseio adquirir em algum mercado de rua do Afeganistão, claro que em uma transação virtual.

Mas, falando francamente, não me exponho de tal forma por um motivo específico que poderia provocar risos de escárnio nos canalhas de plantão:tenho pavor à execração pública. Sim, ver-me quase despido em uma praia seria o mesmo que provocar catarse nos presentes. Tenho calafrios em imaginar a reação dos presentes: as senhoras se armariam dos seus guarda-chuvas e me atacariam com eles sem o mínimo de dó nem piedade, as crianças imediatamente seriam instruídas a tampar suas vistas inocentes e pensar no último filme do Shrek, os senhores aposentados continuariam a jogar sua partida de truco levantando as mãos aos céus rogando a Deus que me desse discernimento e se comprazesse da minha alma, as mulheres-frutas e as não tão chorariam amarguradas pelas areias por tal visão bestial, e, por conseguinte, armados de paus e pedras, os moços surfistas insurgiriam contra mim proclamando que o Apocalipse havia chegado. E sem contar que grande parte dos restantes espectadores haveria de frequentar durante longo período os consultórios psicológicos e porque não dizer psicanalíticos, procurando apagar de suas mentes tal espetáculo deprimente.

Devo confessar que, de qualquer maneira, a exposição do meu corpo me provoca calafrios. Sinto-me invadido no meu mais íntimo quando exponho partes desse corpo mal-ajambrado a quem quer que seja. Se eu não fico pelado sob alguma hipótese? Sim, respondo, durante o banho, com a porta fechada, as janelas lacradas e sob o mais absoluto breu. Tenho até medo do que poderei provocar a mim mesmo observando-me como o fruto do pecado de Adão e Eva.

Sendo assim, só me resta rogar ao meu bom pai que me dê discernimento para que eu possa conviver em harmonia com esse castigo divino que é o meu corpo. Que é o único que possuo, ainda que trocado por merda ainda necessite devolver troco substancial. E assim continuo vivendo, fora de todos os padrões estético, incompleto e em busca do essencial que transcenda a feiúra estrutural que ainda será tema de alguma obra de arte ou estudo científico.



quarta-feira, março 11, 2009

Aos meus amigos


Porque eu tenho uma fome que só se sacia com uma fome maior do que aquela que a originou. E é essa mesma fome que eu imagino ter que me faz salivar em busca do alimento inexistente. Nessa já minha considerável longa vida cruzei com muitas pessoas, o que é mais absolutamente natural, mesmo sendo eu de personalidade solitária e por vezes antisocial. Obviamente algumas pessoas acabaram riscando com estilete ou mesmo usando o machado para romper a parede que me separa dos demais. Fiz poucos, mas consideráveis amigos e camaradas que me evocam lembranças vespertinas.

Cada qual à sua maneira e tempo certo, eis que entram cena aqueles que alimentam ainda mais a minha fome e não se contentam em ser, pura e simplesmente, mas me trazem travessas e mais travessas desprovidas de conteúdo e falam-me sorrateiramente: "Venha comer o maná que vos trago de bom grado."

Pois eu não quero a satisfação, a sensação de estômago abarrotado. Eu quero aqueles que me tragam mais fome e sede ainda. E que, de preferência, venham a mim assim, sentem-se na mesa nua e bradem: "Comemos, nos empanturremos, amigos.". E esses tem me feito a cada dia mais procurar restos de alguma coisa em tais pratos. Se assim me vêem, jogam as sobras para que eu não as possa ter.

E são esses os que me interessam. A lucidez não me agrada. Eu não quero a coisa pronta muito menos seus ingredientes. Venham a mim os loucos, mas mansos de coração e de sensibilidade apurada. E esse eu os tenho. Deles não abro mão. Para o deserto me levam, comigo permanecerão. E, se assim for, comigo de lá sairão rumo a um lugar onde só entrem os de mais puro coração.

Como disse Adélia Prado: "Eu não quero a faca nem o queijo. Quero a fome.". Mas outro tempo virá em que farei questão de colocar-me ao centro e repartir igualmente o pão e o vinho com todos aqueles insanos e por isso caros. De valor incalculável. Aí sim nos empanturraremos, até uma nova fome.

segunda-feira, março 02, 2009

Caio Fernando Abreu


No meu caso, falar de Caio se torna perigoso pois posso descambar para a idolatria ou puro pieguismo, devido à grande identificação que sinto por sua obra. De qualquer forma, assumo o risco e desde já peço desculpas pelos eventuais excessos que venha cometer falando sobre ele.

Caio, ou Caio F. (como gostava de ser chamado, em alusão à Christiane F., Drogada e Prostituída, tema de livro e filme) faleceu em São Paulo, a 25 de fevereiro de 1996, em decorrência de problemas causados por ser soropositivo. Posso dizer resumidamente que ele foi um grande ícone da literatura dos anos 80, sendo no seu tempo rechaçado pelos intelectuais e críticos por assumidamente dizer que tinha grande influência da cultura pop do seu tempo. Um escritor underground que durante muito tempo, ou até mesmo os dias atuais, esteve relegado ao submundo dos malditos, por causa de sua literatura atemporal e por vezes dark. Darkésima, em alguns pontos, relembrado desde já Dama da Noite, texto contido em Os Dragões não Conhecem o Paraíso.

Nascido em Santiago do Boqueirão, pequena cidade gaúcha a poucos quilômetros da divisa com a Argentina, apaixonado desde jovem por cinema e artes em geral, se aventura na cidade grande no final da adolescência procurando dar vazão a seu afã de expressão através da palavra, tendo se sustentado basicamente do jornalismo diário, pois no Brasil são raríssimos aqueles que conseguem viver exclusivamente da vendagem dos seus livros. Caio mesmo se considera um homem do mundo, procurando ou não conseguindo fixar moradia em um determinado lugar por um longo período de tempo, tendo residido em São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Campinas, na Casa do Sol, fazenda de propriedade de sua grande amiga Hilda Hilst e ocasionamente viagens à Europa, para onde emigrou em meados da década de 70, tendo trabalhado em diversos ofícios, como lavador de pratos e modelo vivo, e onde obteve grandes influências místicas que vieram a permear sua literatura e vida. Era um grande amante do misticismo, carregando suas crendices durante todo o restante da sua vida, em meio a incensos, chás medicinais e/ou alucinógenos, mapas astrais, drogas alucinógenas e muitos, mas muitos sonhos.


Ah, Caio, como você me dói de vez em quando quando releio seus contos ou me lembro de pequenas frases suas nos lugares mais inapropriados. Compartilhamos da mesma sensação de estrangeiros em busca de um nação que podemos chamar de nossas. Nossa paragem, nosso porto seguro, nossa Pasárgada onde possamos finalmente desfrutar das benesses do existir e onde possamos achar as respostas das mais agudas inquietações. A eterna busca insandecida que o fazia escrever sobre seus medos mais sombrios. Quem gosta da literatura de Caio, por algum motivo ou outro, sabe do que falo.

Em alguns instantes me pego imaginando-o, com seus óculos de grau e sua aparrência mirrada e frágil andando pelas ruas da cidade com os olhos tristes e observadores, atento aos pequenos movimentos e principalmente às pessoas que o cercam e formulando dúvidas atrozes, mas sempre com uma grave esperança de dias melhores. Certos sentimentos complexos de serem verbalizados, mas extremamente lancinantes na alma de seres de sensibilidade aguda como a dele.

Enfim, parecendo pedante ou não, afirmo que Caio F. foi uma das grandes e gratas influências surpresas que tive na vida. Havia nele não somente uma angústia existencial,mas também uma vontade enorme de viver, apesar de tudo. Mesmo com as perguntas que o perseguiam, ele adorava cuidar de suas flores e olhar o Rio Guaíba, acho que com uma espécie de sorriso irônico percebendo as sensações à sua volta e querendo somente existir e persistir. Mesmo com sua fome.







sábado, fevereiro 21, 2009

Noite Vazia


O vazio que alguns seres humanos sentem em determinadas instâncias da vida é retratada pelas mais variadas formas de expressão humana desde que os tempos são os tempos. Ou seja, de forma infinda, claro que de maneiras paradoxais com o movimento ou o pêndulo dos antigos relógios de parede. O oco de se saber não ser, do que não se foi ou de premeditar que não se será. Enfim, o que todos nós almejamos e sabemos não possuir, concretamente ou abstrato, como os sentimentos, que não podemos mensurar em uma folha de papel mas que tem o poder de latejar loucamente quando é mais inapropriado. De certa maneira, esse filme clássico do cinema brasileiro retrata isso. Dois homens relativamente jovens da classe média paulistana saem pela noite em busca de prazeres frugais que venham a lhe dar algum sentido no existir. Mesmo que essas delícias se esgotem por si só, como um alimento anseado que mata o desejo naquele instante, não podendo mais ser carregado pelos outros minutos e horas em que a tal fome ou sede ainda se perpetua.

Sua busca se resume em literalmente uma coisa: a mulher, preferencialmente aquela que, sob um primeiro olhar, não se oferece languidamente, mas que no fundo deseja também algo ou alguém que venha a lhe tirar do marasmo que as fazem também sair pelas boates e bares em busca de distração. Sendo assim, contratam duas prostitutas de alto padrão e as levam para seu apartamento no intento de prazeres carnais insanos e com hora marcada para se esgotar. Elas são interpretadas pela linda Odette Lara e Norma Benguell no auge da sua juventude e melancolia. Odette deliciosamente sensual e Norma lascivamente com os olhos de ressaca propalados por Machado de Assis. Encantadoramente despudoradas e esfuziantes.


Se já não bastassem esses dois ícones dessa década imperdível de ser revivida de alguma forma, as tomadas externas na São Paulo já desvairada e com seus arranha-céus, tendo ao fundo músicas instrumentais de Rogério Duprat, podem, na minha modesta opinião, ser consideradas uma das melhores tomadas do Brasil daquele tempo, aonde, mesmo em meio ao caos da já metrópole, as pessoas ainda andam pela noite olhando vitrines, passeando despreocupadamente e praticando o ainda usual footing. Mas o que coloco em questão é que me parece inovador da parte do diretor Walter Hugo Khoury tratar de forma simples a questão da prostituição em um tempo em que a mulher ainda era considerada vários passos atrás do homem e a revolução feminista ainda engatinhava.

Pelo pouco que conheço de Khoury, as mulheres de seus filmes tem personalidades fortes sem com isso destoar de sua feminilidade exuberante. E nas personagens desses filmes isso é latente, sendo os homens da história meros coadjuvantes aonde o principal é o que essas duas prostitutas farão com esses homens, e não seus inversos. Temos nesse filme até mesmo uma quase cena de lesbianismo, somente interrompida pela relutância da personagem de Norma, uma mulher da vida fácil ainda ingênua. E cenas externas entremeadas com os personagens andando pelo apartamento, comendo, transando, conversando ou se agredindo. Praticando muitas ações em um intervalo de tempo pequeno, pois toda a ação ocorre no espaço de uma noite, culminando com a volta dos dois homens aos seus lares e as moças também retomando suas vidas de, como dizer, divertidoras do primeiro pagante afortunado que se apraz com elas.

Enfim, recomendo a quem gostar de cinema brasileiro e tiver certa saudade de tempos que nem ao mesmo viveu.

domingo, janeiro 25, 2009

A Concepção


Desde já advirto que não sou crítico muito menos teórico da linguagem cinematográfica, nem entendo os termos do meio. Sou apenas um admirador de filmes que, por critérios subjetivos, considero bons e que procuro assistir na ânsia de novos olhares sobre o mundo e principalmente sobre eu mesmo. Sendo assim, comento sobre esse filme.

A Concepção é uma produção brasileira de 2006, e que tem no elenco atores como Matheus Nachtergaelle, Rosane Mulholand, Milhem Cortaz e Juliano Cazarré nos papéis principais. A fita se ambienta em Brasília, onde jovens da classe média alta da capital federal procuram subtertúgios para o grande tédios e vazios que permeiam suas existências. Ápós conhecerem na zona do meretrício a personagem de Matheus, com sua conversa altamente filosófica e sofista de resgate do seu eu interior, morte ao ego e repulsa à sociedade atual, fundam em um apartamento ocupado por um dos personagens o Manifesto Concepcionista, onde as leis se baseiam basicamente na liberdade e renovação da sociedade e do eu, em resumo, uma existência anárquica e não afeita aos padrões sociais vigentes.




A história em si não é nova, mas interessei-me por ela por sua maneira criativa, seus figurinos, as interpretações, cenários, diálogos, e sobretudo pelo seu desfecho em que a polícia intervém no imóvel e prende a grande maioria dos seus ocupantes, provocando estardalhaço na imprensa local. Vale ressaltar que, durante o tempo em que durou, O Concepcionismo arrebanhou uma quantidade considerável de adeptos que andavam nus, consumiam drogas e pregavam discursos liberais.

Uma nova utopia hippie em pleno Planalto Central, posso falar de maneira grossa o enredo do filme. Pessoas jovens em busca de experiências e sensações novas, que suas vidas cotidianas não lhes proporcionam. Ruptura de padrões, mas sem um questionamento profundo de em que isso realmente consiste. E, principalmente, um líder natural, mais uma vez citando a personagem de Matheus, que surge nas suas vidas de forma inesperada, sem identidade certa e grande conhecedor das misturas de remédios e dos seus efeitos colaterais.

Bom cinema, que não me atrevo a enumerar como sendo do movimento X ou movimento Y pelo simples fato de não compreender o assunto a fundo. Aliás, conheço de maneira extremamente rasa. Um dos filmes que nos prova de que o cinema brasileiro consegue produzir obras de boa qualidade sem se tornar pedante muito menos hermético. Algo que poderá provocar debates, pois dá margem a várias interpretações, pontos de vista. Costumo dizer que em arte eu só me interesso pelo que possa me estapear, me fazer pensar e me tirar da modorra que acaba se tornando a vida cotidiana. E sim, esse filme conseguiu.