quinta-feira, setembro 17, 2009

O Homem


Às suas costas, havia apenas uma cadeira e um palco escuro. À sua frente, várias fileiras de cadeiras, algumas ocupadas a espaços esparsos por alguns espectadores. E, dentro dele, algo não discernível até aquele instante. Somente através da iluminação que o cercava e dava-lhe destaque conseguia perceber os objetos e pessoas ao seu redor, o que o amedrontava, ou melhor, não o incomodava, pois era necessário que tais estivessem milimetricamente arrumados tal e qual o estava. Recitando seu texto procurava não exalar sua emoção e assim procurava o maior distanciamento possível da personagem representada, mas sabia que não lhe era possível. Grande parte do que ali era dito referia-se também a si mesmo, como se seus atos e palavras fossem uma espécie de autobiografia consentida, não declarada. Mas ainda assim ausentava-se de expressões faciais carregadas e algumas vezes fechava os olhos quando procurava interiorizar algum conceito ou frase que os proporcionasse maior desalento. E gesticulava, por não saber como e onde posicioná-las e com uma espécie de reforço da sua interpretação, utilizando todo o seu corpo como corroboração do que ali era apresentado. Pode-se dizer que era o ator ideal representando a personagem ideal, de tal forma que não se sabia quando iniciava-se um e onde eram os limites do outro. A mescla era infindável.

Por vezes sorria como uma espécie de cumplicidade íntima entre si mesmo e os espectadores, nas raras vezes em que se dava real conta que não estava sozinho naquele espaço de grandes proporções. Ao se esquecer de sua não solidão, baixava o tom de voz e virava-se de costas, sussurando trechos mínimos do texto. Quando se dava conta do lapso, aumentava o tom de voz e se voltava para os espectadores, que quase não percebiam seus erros. De alguma maneira era agradável de presenciar aquele homem que andava velozmente pelo tablado no espaço de algum silêncio e muitas vírgulas, procurando que sua voz fosse audível em todos os espaços ocupados por aquelas cadeiras. Por momentos chegavam a gracejar da falta de tato e aparência cômica que aquele homem imprimia, principalmente quando confidenciava algumas de suas passagens trágicas.

Sua indumentárias negras e chapéu-coco, cabelos dourados ornando suas têmporas e postura encurvada caíam como uma luva naquele homem. Como um figurino e fisionomia previamente estudados para melhor apreciação do espetáculo. Somente aqueles pés magros e brancos destoavam do negrume que tomava conta do palco. Pés magros, finos e sem nada digno de nota, como aliás todo o conjunto da obra.

O tempo corria e o espetáculo havia chegado ao fim, após algum esforço e possível compreensão da platéia para aqueles temas e homens tão enfadonhos. Aplausos escassos ressoaram no recinto, o homem curvou-se com da maneira típica para agradecer aos presentes. As cortinas se fecham e o homem sai do teatro, com as mesmas roupas com as quais se apresentou, naquele dia ainda ensolarado. Andava no parque olhando a esmo, para coisa alguma. Como se procurasse algo que soubesse não estar ali, mas que buscasse alcançar com sua postura de quem se acostumou à ausência forçosa.



quarta-feira, setembro 02, 2009

Sobre a sociedade de consumo

Publicitários de todo o mundo, uni-vos pois lhes indago: como funciona a psicologia humana para que uma simples música de comercial mexa tanto comigo a ponto de eu não conseguir passar um reles dia que seja sem ouvir a malvada?

Foi assim com a música de uma campanha nova do shampoo Garnier Fructis. Me dei conta do fato quando, ao assistir televisão como espectador passivo e massificado, esperava ansiosamente pelos comerciais para assistir o anúncio com a indefectível música. Após pesquisa quase sem sucesso na Internet, deparei-me com o grupo responsável pelo meu mais novo suplício. Ouço essa música incessantemente pelo YouTube, incansavelmente, forçosamente, sem o mínimo descanso e ai de quem me interromper durante a 160ª execução desta, ser-me-ei forçado a executar a criatura e jogar seus restos mortais no córrego a dez minutos de caminhada de onde moro.

Eu não vou consumir o Garnier Fructis (sei lá se é assim que se escreve), mas eu sou a grande prova de que a publicidade tem propagandas subliminares poderosas. Hunf para eu mesmo. E durma-se com um barulho destes!