terça-feira, junho 17, 2008

Dia atípico


Naquele tempo as casas não possuíam garagem nem altos muros, mas tinham em profusão um grande jardim com muitas flores e plantas, que poderia ser visualizado entre as grades pelos passantes. Essas eram as casas da minha infância, quando brincava de bola de gude e pião despreocupadamente pelas ruas sem me preocupar com o vai-e-vem incessante dos carros nos dias atuais. Mas percebi que não mudou muita coisa nessas ruas. Como se o tempo tivesse congelado e apenas alguns aspectos houvessem adquirido nova roupagem.

Bati palmas em frente àquela residência e veio a mim uma senhora simpática, possivelmente ocupada com algum afazer doméstico, pois enxugava suas mãos em seu avental. Disse a ela que havia passado a infância e adolescência naquele lugar e gostaria de revê-lo, mesmo que por alguns intantes. Sem esperar uma proposta parecida naquele momento, ela hesitou por instantes, mas foi gentil e me deixou adentrar a casa, que, obviamente, aparentemente não havia mudado tanto assim no decorrer dos anos, somente os móveis que haviam sido modernizados, em contraste com a mobília antiga que me fez relembrar os bons anos que havia passado entre aquelas paredes cheias de histórias contra e a meu favor.


Posso afirmar categoricamente: "Sim, eu fui feliz nesse lugar, aonde nasci, cresci e passei por imensas transformações no corpo e na mente, e, principalmente, foi onde vivi inúmeras situações que repercutiram pelos meses e anos que vieram depois da minha saída dessa casa". Tateava as paredes à busca de lembranças e procurava recordar a disposição dos antigos móveis com a impressão de que aquele foi uma época sem volta, que meu retorno até ali só me serviria como forma de expiação dos meus erros passados.


Muita coisa me veio à mente naqueles instantes fatais, mesmo até o que fazia questão de apagar da memória, mas que surgia como que me esfregando nas faces quem sou, e principalmente o que fui outrora. Apenas tortura psicológica que praticava comigo mesmo, pois confesso que tenho grande prazer em me autoflagelar. Adoro isso nos momentos próprios, quando enfio a cabeça no travesseiro e revivo situações que me foram vergonhosas, mas que hoje não provocam mais do que risos contidos.


E assim fui percorrendo a cozinha, o quintal, a sala de estar, a sala de jantar, os quartos, o banheiro, a dependência de empregada, e claramente surgiam-se flashes das mais variadas situações, algumas extremamente enfadonhas, outras tão risíveis que, contando à senhora moradora da casa, era apenas uma alegoria enfadonha de um menino que subia nas árvores do quintal a catar alguma manga madura e que se estatelava ao chão ao se desequilibrar do galho.


Eis que o citytour chega ao fim, enervo-me do meu passado e procuro desesperadamente uma volta aos dias atuais, por mais maçantes que sejam. Despeço-me da senhora, respiro longamente e, quando fecho o portão que dá para a calçada, tenho a impressão de que deixo para trás um pedaço de mim que explicaria a meu analista o porquê de tantos anos sem alta.







segunda-feira, junho 09, 2008

Mamãe, eu quero ir para Hollywood!


Deste muito jovem Sweet Girl planejava altos vôos e sonhava com o estrelato. Frequentemente era flagrada com os vestidos maternos ajustados à seu então pequeno corpo e com enchimentos de algodão nos sapatos, dançando freneticamente os ritmos da moda. Quando era surpreendida em momento de estrelato solitário, colocava as mãos na cintura e repetia, galhofeiramente e sem medo de estupefacear os presentes:

-Ai, mami, sou ou não sou a mais mais do pedaço? Um dia serei muito famosa, mas muito mesmo.

E os meses e anos passavam, Sweet Girl sempre com a idéia fixa de que o estrelato estaria do outro lado da serra, apenas aguardando sua chegada a novas paisagens. Até que chega a era do rádio, e eis que a moça se torna macaca de auditório, entoando em alto e bom som: "Eu que deveria estar aí, suas barangas raquíticas, eu que quase fui Miss Suéter no Baile Municipal de Pasárgadaaaaaaaaaa!!!!!!". Invariavelmente era convidada gentilmente a se retirar pelos seguranças do local, não sem protestar muito durante sua saída e transformando o acontecimento em notícia dos jornais locais. Quando não podia se deslocar até as estações de rádio, punha-se em frente ao aparelho radiofônico e, enquanto ouvia cânticos de Cauby Peixoto, Dalva de Oliveira, Ângela Maria, Francisco Alves e toda essa turma, colocava as mãos no coração e suspirava longamente, ansiando pelo dia em que estaria entre seus colegas de profissão. Vale ressaltar que Sweet Girl só arriscava-se a cantar no banheiro, enquanto sonhava que estava em uma banheira de espumas com sais, tendo a seu lado um mordomo a lhe servir prosecco e caviar iraniano.

Eis que Brasília é inaugurada, então a moça consegue uma maneira de se infiltrar entre os membros da comitiva presidencial e suas poses lânguidas são publicadas no extinto "O Cruzeiro", com o título "A Louca dos Candangos". Já nesse período tem como grande ídala Marylin Monroe. Quando saía às ruas, se embonecava toda, sapecando uma pintinha no canto da boca, colocava um bom batom grená nos lábios, vestia seu melhor espartilho tendo um vestido branco muito rodado como ornamento principal, um salto e ficava na frente da loja de eletrodomésticos, de preferência na parte de ventiladores, esperando que suas saias fossem arribadas pelo vento e ela fosse convidada para uma refilmagem de "O Pecado Mora ao Lado".

Isso sem esquecer de comentar que também idolatrava atrizes do porte de Audrey Hepburn, Claudia Cardinale, Sophia Loren, Gina Lollobrigida e algumas mais cujo nome me foge à mente, e cismava que ainda seria a musa inspiradora de Truffaut. Se bem que ela teria adorado de igual forma ser a musa de Ipanema, mesmo se em vez disso fosse a Representante Internacional das praias de Guarapari. Foi uma das pioneiras em usar o famoso duas-peças, em um tempo em que isso ainda era considerado artigo indecente para ser usado pelas moças de boa família.

Eis que vem a nós a Jovem Guarda com seu alucinante iéiéié. Sweet Girl não perde tempo e se torna cover da nossa Ternurinha, a Vanderléia. Com suas botas de cano longo e sua minissaia mostrando várias polegadas acima dos seus joelhos, a moça é fartamente convidada para festas de debutantes e despedidas de solteiros, complementando assim sua renda e ajudando nas despesas familiares. Mas Sweet Girl não desistia da fama e, temendo ser reconhecida nas ruas, costuma usar uma faixa nos cabelos, grandes óculos escuros, em voga naquela época, um bom sobretudo a despeito do clima desértico de Pasárgada e sapatos de bico quadrado. Uma perfeita dama dos anos 60.

Naquele tempo eclode o maio de 68 em Paris e consequentemente manifestações estudantis país afora, sendo que Sweet Girl não perde tempo e entra no clima de contracultura. Não que ela fosse reivindicadora muito menos estudante, mas sabia que isso lhe daria visibilidade e sua foto provavelmente seria estampada nos jornais, nem que fosse na seção policial.

Eis que mais um período da sua vida tem fim, e chegam os anos 80, o new age e over, e a moça não se roga a usar largas ombreiras e calças jeans de cós altíssimo. Estava abafando, e sabia que era admirada e mesmo seria um ícone de comportamento do momento, mas o tempo passa e Sweet Girl adquire outras prioridades na vida. Mas nunca se esquece de que um dia foi a mais mais do pedaço.

Estamos nos anos 2000, e, figurino by Barred´s e sapatos Stilletto, ela é toda picardia dirigindo loucamente pelas ruas de Pasárgada e retocando a maquiagem a cada parada no semáforo. Mas ela ainda não desistiu de ser famosa, e ela sabe que é grande. Mesmo que no seu inconsciente. Sweet Girl só quer um lugar ao sol, e isso todos nós queremos, mesmo que não percebamos nunca esse fato.