domingo, dezembro 31, 2006

Mais um ano se inicia


Pois é, chegamos a 2007. Nostradamus disse: a 2000 não chegarás. Mas fomos teimosos e insistimos, tanto que estamos, da mesma forma como o ano passado, retrasado, 1990, 1815, 1622, 1980: esperamos com ansiedade o porvir. Pularemos sete ondas, assistiremos à queima de fogos, comeremos lentilha, vestiremos roupas brancas, faremos mandingas, e muitas tantas promessas que somente serão a reprise do ano anterior: esse ano eu paro de fumar; ah, agora eu começo aquele curso de espanhol; vou emagrecer esses 5 kg em 2007, vou me dar melhor com meus vizinhos.
Fazemos planos, sonhos, traçamos metas, objetivos, tudo em busca de um ano frutífero, inesquecível, um tempo que ficará marcado em nossas memórias enquanto existirmos. Alguns desses projetos são concretizados, alguns no decorrer desse ano serão iniciados e alguns outros ficarão esquecidos no fundo da gaveta até o próximo reveillon. Muita água ainda há de correr por debaixo desse moinho, já dizia a santa sabedoria popular.
A vida passa, as horas voam, os dias cada vez a velocidade impressionante cismam em começar a terminar sem nossas argutas observações, e os meses se esvaem pelo ralo, até que, lá pelo final de setembro ou outubro, nos daremos conta e discorremos: "Nossa, esse ano está voando, hein? Daqui a pouco já é Natal, tenho de começar a pensar nos presentes ou naquela viagem já tradicional." Nosso companheiro de diálogo apenas indagará com a cabeça, em consentimento, ou poderá tecer mais algum comentário sobre o ano a passos largos findos.
A esperança é intrínseca à condição humana, como já disse outras vezes, e ela cisma em aparecer no meio da festa mesmo sem convite. Grande penetra essa moça bonita, chamada esperança. Ela vem como quem não quer nada, fazendo charminho, tentando comprar o segurança na ânsia de adentrar a comemoração, dá dois beijinhos em cada convidado, vem falar com intimidade desmedida com o anfitrião, e vem com aquele embrulho lindo, com uma fita de cor simplesmente lírica, e te dá entrega aquela "bomba" e sai risonha, bebericando champanhe, como se nem estivesse dado as caras ali. Mas ali naquele pacote está toda a nossa vida, ou simplesmente a continuidade dela. Nossa, como a esperança é linda, dizem alguns. Outros torcem o nariz ao vê-la e muitos simplesmente não se apercebem daquela moça que irradia a todos com seus risos pouco comedidos.
Em 2007 continuaremos a crer em algo, reformularemos novas idéias, seremos mais gente. Enfim, cada um viverá de sua forma única e especial. Tristezas, alegrias fazem parte da nossa trajetórias 365 dias por ano, e muitos continuam se achando os senhores dos seus destinos, isso e desde o início da humanidade. Planos, eu também faço, sou humano tanto quanto todos os outros, por mais que muitas vezes aflore mais o meu lado animal. Eu acredito no destino, acredito que ele rege o universo e os seres que nele habitam. Todas as nossas circunstâncias serão guiadas por essa pequena palavra de significados diversos. Pode ser na borra de café, nos búzios, na quiromancia, etc., mas nossos passos são guiados por uma força maior, que os homens ainda não conseguiram identificar, não sei se por incapacidade ou medo da verdade mesmo.
2007 não bateu na nossa porta, ela simplesmente invadiu o recinto. Mas sua presença nos trouxe a seguinte certeza impressa em sua camiseta branca: Al Maktub (está escrito).

sábado, dezembro 23, 2006

Subentende-se que....


As informações que tenho são esparsas, seriam, a grosso modo, como pequenos pedaços de papel escritos que são colocados alguns momentos em um balde. Esse todo me forma o conceito que faço de algo ou alguém. Dela, especialmente. Não sei quais foram as primeiras palavras balbuciadas, suas brincadeiras de criança, seu modo de atender e de pegar no aparelho telefônico, suas preferências gastronômicas, se algum dia já experimentou o sabor ácido de um cigarro, quando foi seu primeiro beijo, se dorme de bruços ou de barriga para cima, quais seus sonhos durante o sono, sua preferência física dos homens com quem se relaciona, se ela gostava de Química na escola, se já se apaixonou platonicamente por algum professor, se alguma vez já chorou escondida no escuro por algum acontecimento triste, se já tomou porres para esquecer dos problemas ou simplesmente para celebrar a vida, se usa meias coloridas ou brancas, o que comeu no almoço do sábado passado, enfim, pequenas informações que nos processam mentalmente a imagem que temos de alguém. Porque a pessoa pode ter uma aparência física definida, mas a imagem que temos dela provavelmente não é a real. Fantasiamos, colocamos na pessoa muito de nós, ou daquilo que ansiamos ser ou de quem desejamos ser outrora. Só sei que algumas vezes na semana a encontro no MSN, na grande maioria das vezes à tarde, em horário comercial.
Eu (ou o meu arremedo) -Oi.
Elâiântônia (a personagem principal do fascículo de hoje) -Ó ó ó, quem poderá nos ajudar?
- Só meu padim Ciço poderá estender suas mãos poderosas pra nós ajudar, ó Elâinântônia.
- Mas é mesmo?
-Apois, se é. É e é muito. É porque é mesmo.
-E como faremos?
-Se apegue com ele, reze dez Pai-Nosso e quinze Ave-Maria. Qual seu pedido, ó mineira com dentes salpicados de amarelo em decorrências das mangas comidas em demasia?
-Menino, nem te conto. Hoje eu tirei meu All Star pra lavar e resolvi ir de Havaianas trabalhar. Vc acredita que eu trupiquei meu pé numa pedra? Meu dedão tá todinho esfolado.
-Mas então somente ele, o pai de todos nós, o intercessor do nosso senhor Jesus na terra poderá aliviar sua dor. Reze aí que eu faço as minhas preces daqui.
-Pois então, vamos. Mas ele vai me atender mesmo?
-Vai sim, meu padim olha por todos nós, na alegria e na tristeza, na riqueza e na pobreza, na saúde e na pobreza. Para todo o sempre, amém.
-Êlâinântôniadôlivêira, você aceita o Gumercindo Amâncio Sá como seu legítimo esposo?
-Deixe de ser atoleimado, rapaz, meu pé tá aqui se acabando.
-Desculpe. Padre, interrompa a cerimônia, a noiva tá aqui pra quebrar tudo com essa dor que só meu padim poderá acudi-la.
Todos no recinto oram fervorosamente ao Padre Cícero. Em poucos minutos, como que por milagre, o pé dela se reestabelece. Como prova de tal milagre proveniente do meu santo padim, ouve-se de fundo alguma canção do Los Hermanos, e ela sai rodopiando pela igreja dançando feito uma doida varrida. Ao mesmo tempo, cegos passam a ouvir como na mais tenra idade, coxos largam suas muletas e a acompanham na dança e mais e mais milagres são efetuados por esse país.
Mas agora ela já rompeu os limites da cidade com sua dança frenética. Não se sabe mais seu paradeiro. Passaram-se muitos meses sem notícias de Êlâinântônia. As especulações são muitas. Algumas pessoas dizem que ela se infiltrou em um navio de bandeira liberiana e hoje é backing vocal de uma banda de reggae na Jamaica. Outros acreditam que a moça citada acima entrou clandestinamente na Venezuela e panfleta pelas ruas das cidades pregando a religião Antoniesca, na qual as curas do padre milagroso são as salvação dos homens de boa vontade.
Enfim, a conversa se encerra. Ela precisará desconectar pois daqui a pouco estará entrando na sala de aula da sua universidade. Mas ficam algumas questões no ar. Até que ponto essa moça permite ter sua intimidade devassada por um estranho, quantos metros realmente nos distanciam, o que ela busca em mim todas as vezes em que conversamos, qual a impressão que eu passo para ela, e vice-versa, quais seriam seus amores e frustrações contidas em cada palavra dita, e mesmo nas não ditas. As palavras não ditas são justamente as que denunciam mais sobre nós. Tudo aquilo que não temos coragem de dizer a ninguém, nem ao menos confessar a nós mesmos enquanto esperamos o ônibus que nos levará ao trabalho, à escola, aos compromissos com os amigos. Apagou-se uma luz. Hoje mais uma faceta de Êlâinântôniadôlivêira foi revelada a mim. As personagens no palco dão lugar a outros, com os mesmos medos, alegrias, dúvidas e sorrisos. Sim, porque amanhã será um novo dia. Esse dia nós é uma incógnita. Mas o show precisa sempre continuar. E nós somos as peças principais dessa grande engrenagem chamada vida.
OBS: Texto feito a pedido da minha amiga Elaine, de Sete Lagoas/MG.

sábado, dezembro 16, 2006

Esperando Godot



Estragon - Espere! Eu me pergunto se não teria sido melhor que a gente tivesse ficado sozinho, cada um por si. Nós não fomos feitos para a mesma estrada.
Vladimir - Isso nunca se sabe.
Estragon - Não, nunca se sabe nada.
Vladimir - Nós ainda podemos nos separar; se você achar melhor.
Estragon - Agora é tarde demais.
Vladimir - É, agora é tarde demais.
Estragon - Então, vamos?
Vladimir - Vamos.

Esperando Godot foi escrita pelo dramaturgo inglês Samuel Becket em 1949, sendo que suas duas personagens são dois maltrapilhos, Vladimir e Estragon. Eles passam durante todo o tempo da peça embaixo de uma árvore, esperando por esse tal Godot, que não se define bem quem ou o que realmente seria, apenas que ele ou este lhe traria a esperança de dias melhores. Mas ele não apareceu, a espera se tornara infrutífera.
Obviamente que essa peça pode adquirir contornos individuais, e cada um pode interpretá-la de forma individual. Mas a esperança, creio eu, é um valor individual. Todos nós, independente de tempo e espaço, acreditamos em um acontecimento ou pessoa que venha a modificar a nossa pequena vida, e os métodos pelos quais esse fato ocorreria são também únicos. Durante toda a história Godot adquiriu roupagem diversa. Poderia-se dizer que durante o Feudalismo ele se travestiu na promessa do servo que almejava adquirir a sua liberdade e deixar de depender do seu senhor, sem ter de lhe pagar altas taxas e se manter preso a um sistema social arcaico e de papéis sociais bem definidos. Durante a Revolução Industrial Godot apareceu para os operários como uma esperança de salários e condições de trabalho dignas, em que, se não se obtivesse riqueza, ao menos os trabalhadores ganhassem o suficiente para assegurar-lhes uma existência digna. Já durante a Revolução Russa de 1917 se acreditava que Godot (inconscientemente) apareceria com uma nação sem disparidades sociais, em que tanto o jardineiro quanto o alto empresário tivessem os mesmos reconhecimentos e igualdade perante a lei e o governo.
Enfim, o mais interessante nisso tudo é o que esperamos, sempre, durante toda a nossa vida. Sonhos, ilusões, utopias, ideologias, ou simplesmente crenças religiosas. Todas elas tem por fim nos fazer crer em algo. Dinheiro, filhos saudáveis, família feliz, êxito profissional, justiça social, o fim da guerra no Iraque, igualdade entre os sexos, aquisição da casa própria, o tapamento do buraco da rua onde moramos, o reprise na televisão daquele filme que adoramos, aquele produto top de linha na loja do shopping, enfim, nossos desejos são realmente das mais variadas naturezas e nenhum deve ser encarado com pequenez em detrimento de outros. São os sonhos também que fazem de nós ser o que somos, e são eles também que nos mantém, em certo grau, a continuar vivendo.
Eu também tenho o meu Godot, é claro. Quando adolescente, acreditava que poderia usar o meu pretenso talento com as palavras na transformação de uma sociedade mais igualitária, sem tantas desigualdades sociais. Obviamente queria por consequência um rendimento que me proporcionasse uma vida confortável e com acesso aos produtos que almejo ou mesmo necessito. Mas o tempo passa, e muitas vezes a vida nos encaminha por vertentes diferentes daquela que nos moveu anteriormente. Hoje posso dizer que meus sonhos de juventude não se realizarão daquela forma, mas Godot não me desapareceu por completo. Apenas trocou de roupa. Continuo crendo na transformação social através da palavra e dos seus desdobramentos, como popularização da arte e cultura entre os homens, o que viria a torná-los mais cientes do seu papel crítico. E é isso que me mantém, mesmo com todos os pesares. Mas não sei quais serão as minhas esperanças dentro de alguns anos. Mesmo assim, continuo esperando Godot, e, enquanto existir, continuarei colocando mais um lugar à mesa e imaginando o que dialogaremos se ele finalmente aparecer. E você, o que espera dele?

terça-feira, dezembro 12, 2006

Ô falta do que fazer


Após resolver alguns assuntos pendentes no centro da cidade, sentou-se em um dos bancos da praça principal. Havia se exaurido após ficar algumas horas em pé no banco, deixando ali grande parte do dinheiro conseguido às custas de muita labuta, sem contar a peregrinação ao despachante para se informar acerca do vencimento do licencimento de seu automóvel. Era um homem ainda jovem, apesar de já ter passado dos trinta há alguns anos. Tinha um sorriso largo, fácil, e não era de aparência física que nos chamasse a atenção, mas possuía em si algo inexplicável, olhos faiscantes, expressão curiosa, mãos inquietas, uma energia que não o deixava ficar parado em uma só posição durante mais de dez minutos. Esse homem estava simplesmente sentado ali, para tomar a fresca, sem maiores pretensões, durante esses minutos ele parte integrante da paisagem que compunha essa praça que não possui nada mais atrativo do que todas as praças vistas por nós no decorrer da vida.
Ali estava, observando as pessoas, as árvores, a vegetação, o comércio e o que mais não escapasse da sua arguta observação. Não se deteve nos detalhes estáticos, mas sim naqueles que iam e vinham sempre com aquela pressa típica de quem tem quezilas a solucionar. Como estava no centro da cidade, o fluxo de pessoas é geralmente considerável, o que não lhe permitiu prestar atenção a todos os transeuntes, mas alguns em especial lhe saltaram aos olhos. Pôde nesse pouco tempo ter uma pequena amostra das pessoas que o cerca, reconheceu pessoas que já tinha visto anteriormente mas nunca nem ao menos cumprimentou, viu jovens, velhos, gordos, magros, altos, baixos, homens, mulheres, mendigos e socialites, médicos e hippies, comerciantes e comerciários, donas de casa e profissionais das casa de tolerância, enfim, ele via e isso lhe bastava.
Começou a se perguntar sobre a história de vida dessas pessoas, e sobre o que elas pensavam sobre política, economia, futebol, sexo, a guerra no Iraque, seu bairro, os vizinhos, emprego, inflação, e principalmente, sobre o que elas pensam sobre si mesmas. Se se levantasse e as abordassse perguntando: Ei, diga para mim quem é vc?, ouviria as respostas mais diferenciadas, alguns não saberiam o que dizer a as demais continuariam seguindo suas vidas sem ao menos dar atenção a esse provável desocupado que não tem lá seus parafusos no lugar certo.
Mas não teve coragem, a covardia foi maior do que o ímpeto. Só conseguiu imaginar, divagar, até mesmo sorrir com o que lhe seria dito. Queria entender o outro se nem ao menos poderia responder essa mesma pergunta, se esta lhe fosse formulada. A partir daquele momento procurou saber que bicho esquisito é esse, o tal do homo sapiens. Queria poder responder porque cada um responde uma coisa quando questionados sobre o mesmo aspecto. Queria entender o que faz cada um de nós ser o que é, com suas virtudes e defeitos. Queria sair da mesmice e se surpreender com o que poderia descobrir a cada dia. Ele queria, afinal de contas, se entender. Mas não podia, sabia que isso era trabalho de Hércules, as chamadas doze tarefas.
Após esses longos minutos, se levantou e foi à loja de materiais fotográficos, onde tinha deixado alguns negativos para serem revelados. Fotos de viagens, da família, dos amigos, nada muito extraordinário. Após isso, se dirigiu para o seu carro, e, antes de dar a partida, pegou uma das fotografias, se viu retratado nela e pensou: Poxa, afinal de contas, quem é esse simpático moço da foto? O que será que ele pode me ensinar sobre a vida?
Saiu cantando pneus e nunca mais se teve notícias precisas dele. Alguns dizem que seguiu em peregrinação pelo Caminho de Santiago de Compostela. Outros juram que ele se enclausurou em um convento. Mas há aqueles que dão como certa sua entrada no hospital psiquiátrico municipal.

terça-feira, dezembro 05, 2006

Ribeirão Preto


Hoje vou falar sobre uma das minhas grandes paixões, que é essa cidade maravilhosa que se chama Ribeirão Preto. Cidade de temperamento explosivo, diria que do sexo feminino, apesar de não possuir variadíssimas belezas naturais, às margens de canaviais e rodovias que a liga a diversos cantos do país, com suas avenidas largas e ruas calmas em alguns pontos, apesar do progresso. Dificilmente se consegue ficar passivo a essa cidade que cresce a olhos vistos e pode nos provocar as mais diversas reações a cada visita. Aliás, não somos nós que vamos a ela, e sim ela se achega a nós nos momentos em que lhe convém. Ribeirão Preto não faz questão de esconder sua pujança econômica, ao mesmo tempo em que nos mostra sua timidez, seu lado mais humano, principalmente nos bairros periféricos, onde se vive como na mais autêntica cidade interiorana e onde as benesses econômicas ainda não chegaram em larga escala. Ali somos figura integrante da paisagem, participamos de suas conquistas e, infelizmente, algumas catástrofes. Torcemos por ela tanto quanto pelo nosso time de futebol do coração, e não deixamos de nos indignar com a impetuosidade de alguns governantes que não olham por ela. Mas Ribeirão Preto passa por cima de todos que querem seu mal, e se sobrepuja sempre. Ela se recria, se reinventa, ela é misteriosa, sensual, envolvente, mutante, não se acomoda na mesmice e está sempre na vanguarda. Há sempre alguma novidade a ser vista nela, mas o que acontece muitas vezes é que não merecemos visualizá-la, ou não temos a sensibilidade nem o olhar para tal ato.
A cidade já ostentou vários títulos. O primeiro deles foi de "Capital do Café", devido aos inúmeros pés de café existentes na cidade e região do final do século XIX até meados do século passado, apesar da queda da Bolsa de Valores de Nova Iorque, em 1930. Vale mencionar que foi o café que projetou a cidade nacionalmente. A cidade foi uma das primeiras do país a possuir calçamento nas ruas centrais, iluminação a gás, escolas de nível secundário, politico muito influentes na tomada de decisões que atingissem todo o país, e conta-nos a história que coronéis do período acendiam seus charutos com notas de dólares, estação de rádio, entre outros benefícios. E ela também foi chamada de "Capital da Cultura", em razão dos grupos de teatro amador existentes na cidade no final da década de 60, e também por ocasião no mesmo período da inauguração do Teatro Municial e do Teatro de Arena. Vale lembrar também a existência do Teatro Pedro II, localizado no Quarteirão Paulista, na Praça XV, que é considerado o 3º maior teatro de ópera do páis e tem uma arquitetura belíssima, remanescente da época áurea do café. Ah, e claro, não podemos nos esquecer da fama de "Capital do Chopp", que a acompanha até os dias atuais. Ela vem da qualidade da bebida produzida pelo Pinguim, choperia famosa nacionalmente. As razões pelas quais esse chopp é tão bom não sei dizer, até porque nunca o experimentei. Mas não é somente ela que faz o carro-chefe da cidade atualmente. O Chopp Time e a Cervejaria Colorado corroboram para a fama do município na excelência de seu chopp.
Ribeirão Preto hoje vive essencialmente do agronegócio e do comércio e serviços, comparados às grandes capitais. É a maior região sucroalcooleira do mundo e novos investimentos são feitos diariamente na cidade. Seus restaurantes, universidades, lojas e três shoppings centers atraem pessoas de toda a região e investimentos imobiliários de alto padrão são uma constante na cidade, sem esquecer de mencionar a recente construção do Distrito Industrial e a possível transformação do aeroporto Leite Lopes em aeroporto internacional de cargas, o que sem dúvida provocará um novo surto de crescimento na cidade.
Mas a cidade também tem problemas como qualquer outra do seu porte. A Avenida Francisco Junqueira e arredores sofre com as constantes enchentes em época de chuva, e o transporte público na cidade não é satisfatório. Quem mora na cidade sabe como é complicado se locomover nela sem a ajuda do automóvel. A carência de indústrias de grande porte também elevou as taxas de desemprego. A desigualdade social é marcante na cidade, existindo bairros com caxas luxuosíssimas, e periferias com condições de vida subumanas. A cidade também sofre muito com índices alarmantes de violência, se bem que há alguns anos atrás esse aspecto era bem mais visível. Ações concretas têm sido feitas na cidade com o intento de paliatizar a questão.
Nos anos 80, o jornalista Ricardo Kotcho produziu uma reportagem sobre essa região do estado, e a apelidou de "Califórnia Brasileira", por causa do dinamismo econômico encontrado ali. Pode-se dizer que desde então a cidade recebeu quantidade considerável de migrantes, sobretudo das regiões mais pobres do Brasil, o que aumentou as mazelas sócio-econômicas do país. Atraído pela promessa do Eldorado Brasileiro, essa população se alojou na cidade, que não pôde dar condições satisfatórias de moradia, saúde, educação, lazer e emprego a essas novas pessoas que chegavam em busca de melhores oportunidades. Hoje os ribeirão-pretanos (ou ribeirão-pretenses) rechaçam esse fama da cidade, e procuram minimizas os problemas causados pelo crescimento desordenado.
A famosa canção de Caetano Veloso diz que "acontece alguma coisa no seu coração, no cruzamento da Ipiranga com a São João", avenidas localizadas no centro de São Paulo. Eu acho que sinto a mesma coisa ao passar pelo cruzamento da Avenida Independência com a Presidente Vargas...

sexta-feira, dezembro 01, 2006

Menino, você não sabe o que a dona Maroquinha fez!


A senhora que descrevo a seguir não difere de nossas mães, tias, avós, vizinhas, conhecidas ou mesmo as transeuntes com quem cruzamos nas ruas diariamente. Ela pode até ser uma mulher que nas horas vagas faz um curso gratuito de bordados, ou mesmo que trabalhe com telemarketing para complementar a renda e nos aborrece com seu gerundismo e inconveniência, se bem que não podemos responsabilizar essas profissionais pela sua função, elas apenas cumprem ordens e batalham pelo pão nosso de cada dia, de preferência com manteiga e mortadela.
Mulher submissa e à moda antiga, casou-se cedo, sendo assim, abandonou logo os estudos e seu emprego como professorinha do que hoje conhecemos como ensino fundamental. Sempre foi fiel a seu marido, mas não podemos dizer que a recíproca é verdadeira em tal caso. Cozinheira de mão-cheia, também dona de casa exemplar. Cozinha que é uma maravilha, e se gaba com as amigas do baile que o seu feijão tem um tempero especial, que foi ensinado pela sua já falecida mãe, e cujo segredo não revela nem sob tortura. Na faxina ela é um primor. Mesmo com uma diarista que trabalha em sua casa duas vezes por semana, ela está sempre ocupada varrendo a sala, lustrando os bibelôs das estantes, costurando a barra de alguma calça ou saia, passando alguma peça de roupa que ela não confia às suas ajudantes, enfim, essa senhora vive tão atarefada quanto o primeiro-ministro da Colômbia. Criou seus três filhos com o ordenado do marido comerciário, e hoje seus pimpolhos estão crescidos, cada um com sua casa e cada qual com seu cônjuge. Ela até tem netos, que enchem a casa de alegria nos finais de semana e sujam os móveis da casa com os sapatos enlameados, vindos da rua. Mas ela não se importa. Avó e mãe duas vezes. Mãe educa, vovó deseduca. E dá-lhe nossa simpática representante da terceira idade preparando quitutes para o almoço de domingo, em que todos estarão reunidos, intercalando uma garfada de macarrão com os acontecimentos semanais.
Ela é tão meiga que é incapaz de falar palavras de baixo calão, e se expressa em muitos casos na forma diminutiva: brinquedozinho, gracinha, benzinho, amorzinho, lindinho, fofinho, carrinho, baratinho, etc. Realmente nada ela é tão fora de padrões que deva ser mencionado. Ah, ela faz hidroginástica três vezes por semana, à tarde, com suas amigas do bairro, e faz questão de lembrar que está mais enxuta do que muito brotinho de 30 anos.
Certo dia ela resolve reformar o WC de sua residência. Obras como instalar uma banheira, trocar o piso, a instalação hidráulica, ou seja, tudo a que tem direito, patrocinado pelas economias guardadas na poupança com rendimentos não superiores a 1% anuais. Só que para isso ela precisa pedir autorização aos órgãos municipais, já que sempre foi uma senhora ciente dos seus deveres e não quer arrumar complicações com os homi, como ela mesma citava, entre risinhos contidos e uma xícara de chá entre os dedos.
Pois bem, ela então se levanta bem cedo e parte rumo à repartição para se informar dos documentos necessários à liberação da obra. Bem sabemos que a boa vontade do povo brasileiro é inversamente proporcional ao tempo de espera de qualquer documento em qualquer repartição pública. Só mesmo com muita paciência e idas e voltas com papéis e protocolos. No começo ela mesma tenta se enganar de que está tudo correndo bem, não há problemas em esperar mais um pouco para o início da reforma. E os dias e meses vão passando mas nada da liberação da obra. Ela fica impaciente. Todos já lhe perguntam em que pé está sua situação. Mas ela nunca perde a fé. Ela diz que está tudo nas mãos de Deus.
Enfim, uma bela tarde ela vai à repartição se inteirar dos fatos, mas também sem muita afobação. Uma funcionária muito má-educada lhe informa que espere mais alguns dias. Até aí nada de mais. Então acontece o inesperado. Aquela boa avó de olhos cansados e expressão serena se transforma. Ela começa a gritar escandalosamente e quebra o vidro que a separa dos funcionários com o cabo do seu guarda-chuva. Bate na bancada de madeia com tal força que as canetas colocadas em cima balançam. Fala despautérios para o segurança do local. Difama Deus e o mundo. Amaldiçoa até mesmo os animais de estimação dos trabalhadores ali presentes. Enfim, ela se transforma, descarrega toda a ira acumulada em alguns anos de vida naqueles pouco minutos entre o início do desabafo e a chegada da viatura. A senhora foi dar explicações na delegacia mais próxima, lugar aliás onde ela nunca havia pisado, mas liberada por ser ré primária, apesar de que desacatar funcionário público é crime. Agora essa senhora está sentada na cadeira da cozinha de sua casa, com as mãos trêmulas. Ela ri escandalosamente, mas nem sabe porque reage assim. Acho que no seu íntimo sabe sim: ela pela primeira vez exorcizou seus demônios e deu vazão aos seus instintos mais íntimos. Ela não se reconhece, porque, na verdade, ela nem sabia que poderia ser capaz de tal ato. Hoje um novo mundo se descortina para ela. Ela agora é uma nova mulher.