domingo, setembro 23, 2007

Uma conversa informal



Muito obrigado por ter vindo. Sente-se, por favor, temos poltronas, sofás e pufes para que você possa se instalar confortavelmente. No frigobar tem água, cerveja, refrigerantes, vinho e energéticos, não se acanhe, sirva-se sem cerimônias. Ah, e na mesa do canto tem alguns aperitivo, por favor peguem o que quiser, preparei tudo isso com muito carinho para todos vocês que aqui estão atendendo ao meu chamado. E o último que sentar por favor apague as luzes e deixe acesa somente os abajures que estão espalhados pela sala de estar.

Desculpem-me o adiantado da hora, sei que estão todos cansados após um dia estafante de trabalho, mas eu preciso falar com vocês sobre um tema que acontece desde os primórdios da civilização humana, e não se possuem referências históricas de quando isso aconteceu pela primeira vez. Mas sabe-se exatamente que ele aconteceu, com maior ou menor intensidade, na Idade Média, no Mercantilismo, na Revolução Francesa, na Primeira Guerra Mundial e, mesmo em tempos de pós-modernidade, com todas as suas excentricidades, ele acontece com ímpetos incomensuráveis. Agora mesmo pessoas nos quatro cantos do mundo o sentem, e mesmo o nosso vizinho da direita sente na pele as suas consequências. Creio que todos nós temos uma história para contar sobre o assunto, seja ela triste ou alegre. Mas não se passa incólume pela vida sem senti-la, nem que seja ao menos uma vez. Eu preciso falar ao menos um pouco sobre o assunto, mais para exteriorizar o que sinto do que propriamente me considerar um expert no tema. Até porque não o sei em toda a sua complexidade deliciosa e desesperadora.

Bom, não precisa se assustar, não falaremos de uma catástrofe mundial, mas sim sobre o amor. Pois é, o amor mesmo, aquele sentimento que te deixa com as pernas trêmulas, o coração disparado, uma saudade incomparável e mesmo nos provoca lágrimas quentes no escuro do nosso quarto durante a madrugada. Sei que esse assunto já é mais do que comentado, de um estudo de intelectuais às mesas do boteco mais próxima.
Conhecemos pessoas em todos os instantes da nossa vida, mas por motivos que nem a ciência consegue explicar algumas provocam sensações muitas vezes devastadoras e que podem dar rumo definitivo ao resto das nossas existências. Tenho certeza quase absoluta que isso já aconteceu com vocês, sendo que até podem me contar que nesse exato instante sentem essas sensações descritas acima que, por mais que a razão condene, alguma coisa interior não consegue fazer com que ela sucumba. Não sei mais o que escrever, as palavras não vem à mente. Desculpem-se pelo incômodo, podem continuar à vontade, a casa é de vocês. Vou me retirar, não me sinto bem. Há alguns dias já não me sinto bem. Aconteceu alguma coisa comigo que sei que vai deixar resquícios por anos a fio.

quarta-feira, setembro 19, 2007

Algo sem importância


Não se sabe com qual intenção, mas o fato é que a porta estava apenas encostada e dentro da casa acontecia uma festa na qual surgiu nela a imensa vontade de adentrá-la e harmonizar com os participantes desta. Mas era uma penetra. Isto não a demoveu de seu intento.


Ela queria apenas se divertir, por algum tempo que fosse. E lá estava. Entrou e ficou olhando para o ambiente, as pessoas, sem saber direito como se portar naquele ambiente. Mas o fato estava se consumando, não podia mais voltar atrás. O que lhe restava era tentar aproveitar o lugar. A decoração do lugar não nos importa, muito menos o motivo de tal comemoração.Ela tinha alguma coisa em seus olhos que lembrava aqueles olhares melancólicos das mocinhas apaixonadas, ao mesmo tempo que irradiava uma alegria contagiante com seus movimentos não calculados, quando jogava seus cabelos, dançava, olhava para os cantos como que tentando se situar no ambiente ou mesmo quando respirava teatralmente. Mas poucos tiveram coragem de chegar junto a ela e entabular uma conversa, havia uma parede invisível entre ela e os demais.


Mas isso não impedia que fosse observada, desejada e fosse alvo de comentários sobre seu figurino não adequado ao momento.Mas estava vestida de forma tão singela que a simplicidade havia se tornado para ela uma arma de conquista, mesmo que ela não tivesse se dado conta do fato. Se sentiu enervada momentaneamente, surgiu uma vontade de ficar só divagando e ouvindo mentalmente suas músicas favoritas. Mas ainda se deteve por alguns instantes olhando ora para o infinito, ora para algumas pessoas aleatoriamente. Como que entorpecida, não conseguia se mover do lugar, enquanto um rapaz a seduzia de forma descarada e pouco criativa. Ela simplesmente sorria e nada respondia. Se sentia perdida naquele lugar. Mas sem que percebesse já havia deixado sua marca em todos os presentes ao evento.


Enfim saiu do lugar. Duas quadras depois, virou à direita. Apenas um senhor de meia-idade que limpava a calçada no alvorecer do dia a observava, sem se deter em demasia. Não se deu conta do que havia visualizado. Nunca mais foi vista. Mas sua presença e seu perfume inigualável foram lembrados por dias, meses ou mesmo anos.


sábado, setembro 01, 2007

É de pequeno que se começa a torcer o pepino


Assisti recentemente uma reportagem no Jornal Nacional sobre uma feira literária que está acontecendo em Passo Fundo, no interior do Rio Grande do Sul, em tendas idênticas a de circos. Louváveis iniciativas como essas, que procuram desmistificar o mito da literatura como algo inalcançável e distante da nossa realidade, buscando aproximar a população de uma das mais maravilhosas criações do homem: o livro. Mas fiquei instigado mesmo ao ver crianças folheando livros com um interesse incomum, entretidas com aquele objeto mágico e fazendo perguntas e questionando o criador do Menino Maluquinho, o mineiro Ziraldo, e observando atentas a uma palestra presidida por Lya Luft.

Irremediavelmente me veio à memória imagens da infância, por volta dos meus cinco anos, quando gostava de folhear gibis da Turma da Mônica e frequentava a pré-escola em uma escolinha chamaa Casinha de Chocolate, que não existe mais. Todas as semanas ia a uma banca de revistas e pedia que o meu pai me comprasse uma daquelas revistinhas, mesmo que no começo não entendesse o que estava escrito naqueles balões das histórias. Mas o fato é que de certa forma eu me alfabetizei lendo aqueles gibis, e até os meus 10 anos adquiria com regular frequência essas revistinhas, das quais guardo ótimas recordações. Através da Turma da Mônica eu descobri o universo mágico das palavras e brincava muito com elas, as falando em voz baixa e tentando fazer associações com outras que teoricamente nada tinham de semelhante com a primeira. Mas de qualquer forma era um exercício muito interessante e lúdico.

Muitos anos se passaram e eis que vejo meninos e meninas descobrindo um novo mundo, assim como eu fui outrora, sorrindo e torcendo por aqueles personagens inexistentes na vida real, mas vivos em cada imaginação infantil. Adquirir o hábito da leitura começa desde cedo, instigando os pequenos, mas não os obrigando a ler pelo simples fato de "adquirirem cultura", mas sim os apresentando esse mundo tão cheio de facetas e criando neles essa necessidade biológica que todo leitor voraz compreende muito bem.

Pois é, nem tudo está perdido. Creio que daqui a alguns anos teremos milhares de novos leitores, que talvez venham diminuir essa triste estatística que comprova ser o brasileiro pouco afeiçoado aos livros. Não importa que a gênese sejam as historinhas do Chico Bento. Importam os desdobramentos que esse caipirinha fará em mentes e corações.