sábado, setembro 16, 2006

Leila Diniz


" Você pode muito bem amar uma pessoa e ir para cama com outra. Já aconteceu comigo".
Proferindo essa sentença nos dias atuais, essa frase até que soa banal, mas isso foi dito em 69, ano em que a moral e os bons costumes ainda eram vigentes. Uma mulher que falava coisas dessa estirpe não poderia ser considerada bom exemplo para a socieade. Mas Leila Diniz não queria se preocupar em ser modelo para alguém, ela apenas era e fazia o que achava conveniente sem se preocupar com as convenções sociais. Ela podia romper tabus, ela era Leila Diniz.
Leila nasceu no Rio de Janeiro, em março de 45, e se formou professora primária, sendo então lembrada por ser uma das primeiras moças que se preocupava com a integração dos alunos, sejam elas de quaisquer raça, credo, sexo ou mesmo se fossem deficientes de quaisquer espécie. Ela não aceitava a segregação que era imposta até então, em que os alunos considerados "diferentes" não poderiam conviver com as crianças ditas normais, e algumas vezes brigou com mães de alunos que eram favoráveis a essa prática. Por esses e outros motivos ela se desligou da profissão, e, aos 17 anos, já estava casada com o famoso cineasta Domingos de Oliveira, que lançou recentemente o filme Feminices. Vale lembrar que esta é uma obra realizada com parcos recursos, e mesmo assim diz a crítica que esse é um bom filme, que busca retratar a mulher sob sua própria ótica.
Em 65 ela se separa de Domingos e desde então começa sua carreira no teatro, cinema e televisão. Fez muitas novelas na então nascente Globo, e também na extinta Tupi e Excelsior. Fez tanto papéis de grande expressão, como coadjuvantes e participações especiais. Em 66 filma Todas as Mulheres do Mundo, sendo dirigida já pelo seu ex-marido, e que foi uma das grandes obras-primas da década, servindo como retrato histórico por causa da documentação da Zona Sul carioca de então, já então às voltas com os intelectuais e a agitação predominante nesse bairro da cidade.
Um dos seus grandes sucessos foi a novela Anastácia, da novelista Glória Magadan. Em 67, a teledramaturgia moderna ainda não existia, sendo assim as telenovelas ainda se passavam na Idade Média e seu enredo era melodramático. Mas Leila não era uma mulher preconceituosa. Ela dizia que não importava se era Shakespeare, ou Glória Magadan, o importante era que ela trabalhasse.
E assim o tempo vai correndo, Leila sempre polemizando, sendo uma mulher à frente do seu tempo, sem muitas preocupações com o que diziam sobre seu comportamento de mulher libertina. Ela é um dos grandes ícones dos anos 60 e 70, pela sua atitude ousada e inovadora, e também por ser uma das precursoras do Feminismo, em uma época em que, apesar das transformações sociais, o papel da mulher continuava sendo a de subalterna perante o homem. Eram tempos ainda muito complicados, a mulher ainda entrava no mercado de trabalho e o casamento ainda era almejado pelas moças de boa família, que viam nisso o seu grande propósito.
Eu particularmente só a vi em filmes uma vez (apesar de ser famosa, as obras das quais participou são pouco divulgadas). Foi no filme Edu Coração de Ouro, de 67, em que ela fazia o papel de uma estudante normalista vendedora de catálogo de perfumes, e conhece a personagem de Paulo José no ônibus. Bom, nem é necessário dizer que os dois acabaram indo para a cama, nessa época até os beijos eram muito contidos no cinema, quanto menos uma cena de sexo de uma mulher solteira.
Em 69 concede a famosa entrevista ao então jornal alternativo O Pasquim, proferindo seus pensamentos sobre a vida e principalmente sobre o sexo. Seus palavrões foram substituídos por asteriscos, e a matéria saiu com muitos desses símbolos, pois, em cada frase, ao menos um palavrão ela falava. Ali saíram muitas dos seus famosos ditos que mostravam a forma de pensar e agir de uma mulher avançada. Essa entrevista deu origem à lei que cerceava ainda mais os direitos da imprensa; ela não teve seu contrato renovado pela Rede Globo por motivos "morais" e foi perseguida pela ditadura, tendo de se esconder durante um tempo. Ao voltar, se tornou jurada de Flávio Cavalcante.
Em 71, ela se casa com o cineasta moçambicano Ruy Guerra e pouco tempo depois engravida de sua única filha, Janaína. É famosa a sua foto na praia de biquíni e grávida. Isso era ousado, pois uma mulher na sua condição em condições normais não exporia sua barriga em público. Mas estamos falando de Leila Diniz...
Infelizmente Leila morreu cedo. No ano seguinte, aos 27 anos, ao voltar do Festival de Cinema de Nova Délhi, na Índia, o avião em que estava explodiu no ar. Mas o legado que ela nos deixa de ousar sempre permanece em nós, e inconscientemente nos servimos dele em muitos momentos, principalmente quando questionamos e principalmente divergimos da moral imposta. Salve Leila!

Um comentário:

Vivi disse...

Tava pensando exatamente nisso, hoje acho q vai acontecer isso ...
bem ñ importa..
como sempre uma escrita maravilhosa...
perfect..
beijos