sábado, setembro 09, 2006

Pagu


“Pagú tem uns olhos moles
uns olhos de fazer doer.
Bate-coco quando passa.
Coração pega a bater.

Eh Pagú eh!
Dói porque é bom de fazer doer (...)”
(Raul Bopp)
São Paulo, 1927. Praça em frente à Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Lá vem uma moça com os lábios pintados de roxo, cabelos desgrenhados, roupas extravagantes para a época e fumando. Ela ouve insultos dos estudantes da faculdade, e responde à altura. Ela quebra as convenções sociais, e não se importa, ela quer mesmo é chocar. Eis Pagu.
Patrícia Rehder Galvão nasce em São João da Boa Vista em 1910, e aos três anos se muda para a Paulicéia desvairada, onde cresce em uma cidade efervescente, em pleno desenvolvimento por causa da imigração em massa, da industrialização crescente e do café que brotava no interior do estado. Com quinze anos, passa a escreve no jornal Brás, usando o codinome de Patsy, e, aos 18 anos, se junta aos modernistas, ficando muito amiga do famoso casal Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade, os "Tarsiwald". No ano seguinte passa a colaborar na Revista de Antropofagia, já estando então inserida no meio intelectual da São Paulo ainda provinciana, apesar do rebuliço causado pela Semana de Arte Moderna de 22, que veio a revolucionar a arte que se fazia até então. O Modernismo propunha uma "deglutição" dos valores culturais predominantemente estrangeiros até então em voga, para a criação de uma cultura genuinamente brasileira.
No ano seguinte engravida de Oswald, e, para manter as aparências, se casa com o pintor Waldemar Belisário, mas eles nunca tiveram vida conjugal. Em 5 de janeiro de 1930, ela se casa com Oswald em uma cerimônia realizada no jazigo da família dele, e em setembro nasce Rudá. Mudam-se para a Ilha das Palmas, em razão dos grandes problemas financeiros de Oswald por conta do crack da Bolsa de Nova Iorque. Pagu viaja à Argentina, conhece Luis Carlos Prestes, e fica encantada com os ideais socialistas. O casal então se filia ao Partido Comunista, e fundam o jornal O Homem do Povo, onde Pagu criticava de forma ferrenha a alta sociedade paulistana de então, às voltas com sua opulência, em detrimento dos imensos cortiços operários que se formavam nos bairros fabris da capital.
No ano seguinte, ao participar de um comício realizado no porto de Santos em favor dos operários da construção civil, Pagu é presa e fica detida na cadeia que se localiza na Praça dos Andradas, sendo que hoje este mesmo local é um centro cultural que leva seu nome. Ela foi a primeira presa política do Brasil.
Ao ser solta, em 32, ela se separa de Oswald e vai morar no Rio de Janeiro, onde se emprega em trabalhos "populares" como uma forma de conhecer as necessidades do povo e poder dialogar de forma mais convincente com eles. No ano seguinte, usando o nome de Mara Lobo, lança o romance Parque Industrial, onde conta a realidade do proletariado das grandes cidades, sua miséria, a falta de perspectiva e principalmente a condição da mulher naquela degradação social. Ela então sai pelo mundo para conhecer melhor como era a realidade comunista, e durante a viagem se torna correspondente internacional de alguns jornais. Vai aos Estados Unidos, Japão, China e à então União Soviética, onde fica horrorizada com a realidade totalmente paradoxal da que esperava encontrar no berço do socialismo. Suas palavras: “o ideal ruiu, na Rússia, diante da infância miserável das sarjetas, os pés descalços e os olhos agudos de fome. Em Moscou, um hotel de luxo para os altos burocratas, os turistas do comunismo, para os estrangeiros ricos. Na rua as crianças mortas de fome: era o regime comunista”. Nem mesmo essa forma de regime escapava à praga das grandes elites concentradoras de renda e exploradoras do povo...
Ao voltar ao país em 35, é presa novamente em São Paulo, e sofre as piores torturas na cadeia, sendo condenada a dois anos de reclusão. Pagu foge antes do término da pena, mas é novamente presa e cumpre mais dois anos e meio no Rio de Janeiro. É solta muito debilitada, devido às muitas agressões físicas que sofre lá dentro. Ela nunca se recuperou desse período passado em cárcere.
Em 41, ela se casa com o jornalista Geraldo Ferraz, tem um filho batizado com o mesmo nome do marido. Ela então rompe com o PC e passa a ser crítica literária, trabalhando nos jornais A Manhã, O Jornal,A Noite e Diário de São Paulo.
Nos anos 50 Pagu descobre o teatro e passa a frequentar a Escola de Arte Dramática (EAD), em São Paulo, sendo uma boa aluna e inclusive escrevendo peças de vanguarda, como aliás era bem típico de sua personalidade chocar sempre, e alguns textos foram representados no final daquela década. Também colabora no jornal A Tribuna de Santos.
Em 62 descobre-se gravemente doente de câncer. Ela vai se operar em Paris, sem grande sucesso. Ela então doa toda a sua biblioteca à EAD e falece em 12 de dezembro desse mesmo ano, aos 52 anos. Infelizmente alguns exemplares de sua biblioteca foram roubados nesses 44 anos desde sua morte.
Pagu se foi, as luzes se apagaram sobre uma das maiores mulheres de nosso tempo, que ousou e lutou durante sua vida em busca de um ideal, mas o que importa mesmo é que sua semente foi plantada, e resta a nós continuar a busca pela valorização da cultura nesse país.

Um comentário:

Vivi disse...

sensacional!!to eu aq com minha ressaca lendo q "dóipq é bom de fazer doer..."
sensacional!