terça-feira, dezembro 12, 2006

Ô falta do que fazer


Após resolver alguns assuntos pendentes no centro da cidade, sentou-se em um dos bancos da praça principal. Havia se exaurido após ficar algumas horas em pé no banco, deixando ali grande parte do dinheiro conseguido às custas de muita labuta, sem contar a peregrinação ao despachante para se informar acerca do vencimento do licencimento de seu automóvel. Era um homem ainda jovem, apesar de já ter passado dos trinta há alguns anos. Tinha um sorriso largo, fácil, e não era de aparência física que nos chamasse a atenção, mas possuía em si algo inexplicável, olhos faiscantes, expressão curiosa, mãos inquietas, uma energia que não o deixava ficar parado em uma só posição durante mais de dez minutos. Esse homem estava simplesmente sentado ali, para tomar a fresca, sem maiores pretensões, durante esses minutos ele parte integrante da paisagem que compunha essa praça que não possui nada mais atrativo do que todas as praças vistas por nós no decorrer da vida.
Ali estava, observando as pessoas, as árvores, a vegetação, o comércio e o que mais não escapasse da sua arguta observação. Não se deteve nos detalhes estáticos, mas sim naqueles que iam e vinham sempre com aquela pressa típica de quem tem quezilas a solucionar. Como estava no centro da cidade, o fluxo de pessoas é geralmente considerável, o que não lhe permitiu prestar atenção a todos os transeuntes, mas alguns em especial lhe saltaram aos olhos. Pôde nesse pouco tempo ter uma pequena amostra das pessoas que o cerca, reconheceu pessoas que já tinha visto anteriormente mas nunca nem ao menos cumprimentou, viu jovens, velhos, gordos, magros, altos, baixos, homens, mulheres, mendigos e socialites, médicos e hippies, comerciantes e comerciários, donas de casa e profissionais das casa de tolerância, enfim, ele via e isso lhe bastava.
Começou a se perguntar sobre a história de vida dessas pessoas, e sobre o que elas pensavam sobre política, economia, futebol, sexo, a guerra no Iraque, seu bairro, os vizinhos, emprego, inflação, e principalmente, sobre o que elas pensam sobre si mesmas. Se se levantasse e as abordassse perguntando: Ei, diga para mim quem é vc?, ouviria as respostas mais diferenciadas, alguns não saberiam o que dizer a as demais continuariam seguindo suas vidas sem ao menos dar atenção a esse provável desocupado que não tem lá seus parafusos no lugar certo.
Mas não teve coragem, a covardia foi maior do que o ímpeto. Só conseguiu imaginar, divagar, até mesmo sorrir com o que lhe seria dito. Queria entender o outro se nem ao menos poderia responder essa mesma pergunta, se esta lhe fosse formulada. A partir daquele momento procurou saber que bicho esquisito é esse, o tal do homo sapiens. Queria poder responder porque cada um responde uma coisa quando questionados sobre o mesmo aspecto. Queria entender o que faz cada um de nós ser o que é, com suas virtudes e defeitos. Queria sair da mesmice e se surpreender com o que poderia descobrir a cada dia. Ele queria, afinal de contas, se entender. Mas não podia, sabia que isso era trabalho de Hércules, as chamadas doze tarefas.
Após esses longos minutos, se levantou e foi à loja de materiais fotográficos, onde tinha deixado alguns negativos para serem revelados. Fotos de viagens, da família, dos amigos, nada muito extraordinário. Após isso, se dirigiu para o seu carro, e, antes de dar a partida, pegou uma das fotografias, se viu retratado nela e pensou: Poxa, afinal de contas, quem é esse simpático moço da foto? O que será que ele pode me ensinar sobre a vida?
Saiu cantando pneus e nunca mais se teve notícias precisas dele. Alguns dizem que seguiu em peregrinação pelo Caminho de Santiago de Compostela. Outros juram que ele se enclausurou em um convento. Mas há aqueles que dão como certa sua entrada no hospital psiquiátrico municipal.

Um comentário:

Anônimo disse...

hahahahahaha
Poxa Ed parece até que eu estava me vendo nesse devaneio,
as vezes sem mais nem menos acontece isso comigo,
parar o tempo e ficar filosofando sobre alguns assuntos para logo em seguida pensar,
estou é ficando doida
hahahahahahaha
lindo o texto fluido como sempre,simples mas de uma profundidade que toca fundo na alma.
Parabens
te adoro
bjosss