sexta-feira, dezembro 01, 2006

Menino, você não sabe o que a dona Maroquinha fez!


A senhora que descrevo a seguir não difere de nossas mães, tias, avós, vizinhas, conhecidas ou mesmo as transeuntes com quem cruzamos nas ruas diariamente. Ela pode até ser uma mulher que nas horas vagas faz um curso gratuito de bordados, ou mesmo que trabalhe com telemarketing para complementar a renda e nos aborrece com seu gerundismo e inconveniência, se bem que não podemos responsabilizar essas profissionais pela sua função, elas apenas cumprem ordens e batalham pelo pão nosso de cada dia, de preferência com manteiga e mortadela.
Mulher submissa e à moda antiga, casou-se cedo, sendo assim, abandonou logo os estudos e seu emprego como professorinha do que hoje conhecemos como ensino fundamental. Sempre foi fiel a seu marido, mas não podemos dizer que a recíproca é verdadeira em tal caso. Cozinheira de mão-cheia, também dona de casa exemplar. Cozinha que é uma maravilha, e se gaba com as amigas do baile que o seu feijão tem um tempero especial, que foi ensinado pela sua já falecida mãe, e cujo segredo não revela nem sob tortura. Na faxina ela é um primor. Mesmo com uma diarista que trabalha em sua casa duas vezes por semana, ela está sempre ocupada varrendo a sala, lustrando os bibelôs das estantes, costurando a barra de alguma calça ou saia, passando alguma peça de roupa que ela não confia às suas ajudantes, enfim, essa senhora vive tão atarefada quanto o primeiro-ministro da Colômbia. Criou seus três filhos com o ordenado do marido comerciário, e hoje seus pimpolhos estão crescidos, cada um com sua casa e cada qual com seu cônjuge. Ela até tem netos, que enchem a casa de alegria nos finais de semana e sujam os móveis da casa com os sapatos enlameados, vindos da rua. Mas ela não se importa. Avó e mãe duas vezes. Mãe educa, vovó deseduca. E dá-lhe nossa simpática representante da terceira idade preparando quitutes para o almoço de domingo, em que todos estarão reunidos, intercalando uma garfada de macarrão com os acontecimentos semanais.
Ela é tão meiga que é incapaz de falar palavras de baixo calão, e se expressa em muitos casos na forma diminutiva: brinquedozinho, gracinha, benzinho, amorzinho, lindinho, fofinho, carrinho, baratinho, etc. Realmente nada ela é tão fora de padrões que deva ser mencionado. Ah, ela faz hidroginástica três vezes por semana, à tarde, com suas amigas do bairro, e faz questão de lembrar que está mais enxuta do que muito brotinho de 30 anos.
Certo dia ela resolve reformar o WC de sua residência. Obras como instalar uma banheira, trocar o piso, a instalação hidráulica, ou seja, tudo a que tem direito, patrocinado pelas economias guardadas na poupança com rendimentos não superiores a 1% anuais. Só que para isso ela precisa pedir autorização aos órgãos municipais, já que sempre foi uma senhora ciente dos seus deveres e não quer arrumar complicações com os homi, como ela mesma citava, entre risinhos contidos e uma xícara de chá entre os dedos.
Pois bem, ela então se levanta bem cedo e parte rumo à repartição para se informar dos documentos necessários à liberação da obra. Bem sabemos que a boa vontade do povo brasileiro é inversamente proporcional ao tempo de espera de qualquer documento em qualquer repartição pública. Só mesmo com muita paciência e idas e voltas com papéis e protocolos. No começo ela mesma tenta se enganar de que está tudo correndo bem, não há problemas em esperar mais um pouco para o início da reforma. E os dias e meses vão passando mas nada da liberação da obra. Ela fica impaciente. Todos já lhe perguntam em que pé está sua situação. Mas ela nunca perde a fé. Ela diz que está tudo nas mãos de Deus.
Enfim, uma bela tarde ela vai à repartição se inteirar dos fatos, mas também sem muita afobação. Uma funcionária muito má-educada lhe informa que espere mais alguns dias. Até aí nada de mais. Então acontece o inesperado. Aquela boa avó de olhos cansados e expressão serena se transforma. Ela começa a gritar escandalosamente e quebra o vidro que a separa dos funcionários com o cabo do seu guarda-chuva. Bate na bancada de madeia com tal força que as canetas colocadas em cima balançam. Fala despautérios para o segurança do local. Difama Deus e o mundo. Amaldiçoa até mesmo os animais de estimação dos trabalhadores ali presentes. Enfim, ela se transforma, descarrega toda a ira acumulada em alguns anos de vida naqueles pouco minutos entre o início do desabafo e a chegada da viatura. A senhora foi dar explicações na delegacia mais próxima, lugar aliás onde ela nunca havia pisado, mas liberada por ser ré primária, apesar de que desacatar funcionário público é crime. Agora essa senhora está sentada na cadeira da cozinha de sua casa, com as mãos trêmulas. Ela ri escandalosamente, mas nem sabe porque reage assim. Acho que no seu íntimo sabe sim: ela pela primeira vez exorcizou seus demônios e deu vazão aos seus instintos mais íntimos. Ela não se reconhece, porque, na verdade, ela nem sabia que poderia ser capaz de tal ato. Hoje um novo mundo se descortina para ela. Ela agora é uma nova mulher.

2 comentários:

Vivi disse...

MININU!!!!
vc falava da minha vó..hahahah mas esse rompante ela tem comigo as vezes..ainda bem ..neh?!

Anônimo disse...

hahahahahahahaha
Poxa Ed você conta esses "causos"com conhecimento de causa,
vai confessa...
adorei,tomara poder encontrar mais e mais senhoras assim,eu vou amar,
um bacarraco as vezes ajuda revigorar,e como.
beijosss
vc é show de bola