quarta-feira, outubro 03, 2007

O moço calado




Tinha olhos, boca, nariz, ouvidos e um quê no olhar que a muitos poderia não significar nada, apenas mais um transeunte na multidão, mas que interiormente tinha significados diversos que nem seu dono poderia expressar. E se comunicava com o mundo através dele. Pelos seus olhos vivos tudo via e ouvia, podria até mesmo perceber cheiros com exatidão do que com o próprio olfato. Pouco falava, mesmo entabulando um diálogo suas respsotas e indagações nada mais eram do que frases formuladas de poucas palavras, o que soaria retardo mental por parte dos desvisados e insensíveis. Mas sentia muito mais do que falava. As palavras que balbuciava eram atos desesperados de tentar se expresar com os homens e suas coisas.


Sentia dores internas que nenhum urologista, clínico geral ou cardiopata poderia diagnoisticar. Era uma dor na alma por se achar tão a vácuo nesse mundo, e sentia isso quando não sabia onde enfiar as mãos ou quando estava andando a esmo pelas ruas e lhe pediam alguma informação que não sabia fornecer, e mesmo quando as sabia tal dor não cessava. Quando isso acontecia fitava seu interlocutor com olhos pidões, como que tentando se desculpar pela sua ignorância.


Ficava horas e horas a fio olhando para a parede e nesses momentos se imaginava nas mais divertidas situações, como quando, por exemplo, se via andando de peito estufado pelas grandes avenidas e recebia comentários elogiosos das moçoilas desacompanhadas; e quando isso se passava em sua mente fértil davas risinhos contidos e piscava os olhos como nos seus tempos de garoto levado que brincava de esconde-esconde na rua, mas que na verdade não sabia que haveria de se perder um dia. Não sabia se porventura seria encontrado.


Às vezes sorria sem motivo aparente, lhe vinham à mente lampejos de alegria por motivo não conhecido pelas pessoas que o avistavam naquele momento, e obviamente nem pelo chorão. Mas surgia um sorriso no canto dos lábios, acompanhado de uma lágrima órfã que teimava em cair de seu olho direito, que, assim como vinha, evaporava pelo ar. Nesses instantes olhava um ponto qualquer e sonhava que haveria de ser um homem grande, rico e feliz por realizar seus desejos ainda contidos pela falta de oportunidades em concretizá-la.


Esse homem ia e vinha calmamente, e nada tinha de especial, porque fisicamente era como os demais, pois tinha estatura média, olhos e cabelos escuros, corpo proporcional, ou seja, não diferia do padrão estético vigente. Não amava ninguém e também não era amado, aliás, poucos se lembravam de sua existência, pois era pessoa não dada a momentos de afeição e também porque provavelmente não havia nele nada que o pudesse ligar a quaisquer pessoas.


Com os vizinhos não passava do formal "Bom dia, como vai?", com seus colegas de trabalho também só dialogava o essencial para o andamento de suas funções, com seus poucos amigos também ouvia mais do que dizia e na sua família era visto como estranho, pois, nas confraternizações, ficava sentado no seu canto predileto e de nada participava, entretanto a tudo assistia como a uma criança que se vê na vitrine observando as últimas novidades de uma marca de brinquedos. Suas tias diziam que não batia muito bem da cachola, e quando lhe dirigiam a palavra corava suas faces de forma escancarada, sendo que suas respostas saíam em meio a gasguejos entremados de sílabas.


Esse homem provavelmente está nesse momento em qualquer de nossas cidades, e mesmo nas zonas rurais. Ele não tem nome, estado civil, pais conhecidos muito menos do que se vangloriar. Esse homem é tímido demais para se rotular com qualquer alcunha. Provavelmente a maioria das mulheres que o virem o desdenharão, pois nada tem de atrativos físicos, sendo até sedentários demais. Ele diz que tem vergonha de frequentar ambientes onde o culto ao corpo é tão escancarado.


Certo dia um conhecido seu que não via há muitos anos o encontro pelo mais puro acaso e ficaram conversando durante alguns minutos, em cada qual fez um breve resumo de suas vidas durante aquele tempo de ausência mútua. Mas na hora em que esse homem foi indagado sobre os grandes aconrtecimentos de sua existência, engasgou, deu aquela famosa corada e nada conseguia dizer. Por que isso? Oras, porque na vida desse homem nunca acontecia nada de extraordinariamente novo. O aspecto mais emocionante de sua vida é ir sozinho ao cinema, muito de vez erm quando, munido com seu saco de pipoca doce, imaginar que viverá algum dia aquelas histórias bem melosas de amor.

4 comentários:

Anônimo disse...

As vezes me pergunto, será que vai aparecer um gênio da lampâda e num passe de mágica mudar tudo?
Compreendi o personagem desse conto, quantas vezes não nos sentimos assim, tão inadequados?
Eh!!! O grande lance é continuar caminhando.
beijos

Lika disse...

Oi... achei por acaso na net esse texto do seu blog, por causa da imagem...

Achei muito legal... Me identifico com esse homem em alguns momentos...

Parabéns pelo texto!

beijos

Unknown disse...

bom, o que dizer desse homem calado...
a timidez tem seus códigos e ainda mias quando não se tem a facilidade da expressão, de como colocar idéias, pensamentos, sentimentos e emoções...
o silêncio é seu maior parceiro e traduz muito... mas quem tem tempo para prestar atenção ao vzaio...
o olhar que parece vago, na verdade é um grito... na verdade o brilho que se esconde através do aparente marasmo, traz as sinuetas da alma...
mas poucos conseguem parar para tentar decodificar tais sinais...
éd, este texto traduza minha alma... e não é demagogia ou pra puxar a sardinha pro meu lado... nãos sou tão gostoso assim também..
mas quem passa por essa experiência e guarda tais sentimentos, sabe o que representa ir ao cinema comer pipoca doce... não que isto seja incomodo, muito menos estar só também não o é...
mas num mundo de palavras, muitas delas vãs e sem verdades... o silêncio, a incapacidade de traduzir em símbolos lingüísticos o que se sente é muito fatal...
o silêncio e a "solidão" estão muito relacionados aos que passam a vida correndo, a incapacidade e fracasso...
eu mesmo me questiono... mas sei que assim é meu jeito de viver... e sinceramente amo este homem calado que existe num mundo... que tenta entender o inimaginável... o silêncio da alma que é sua maior mandeira de defesa...

muito obrigado, éd!
você é demais...
ps. se não me fiz compreensível é devido um pouquinho de cansaço mental... ou a própria timidez...

Anônimo disse...

Nossa...que engraçado!Eu também achei este texto por causa da imagem e, acabei me identificando com ele também.
Ótimo texto!