domingo, março 22, 2009

O Pundonor


Vivo em uma cidade litorânea, onde é perfeitamente natural que seus habitantes e turistas usufruam de suas praias como instrumento de lazer nos finais de semana e feriados ensolarados. Digo até que o mar provoca uma certa modificação nos costumes das indumentárias de seus moradores, que aproveitam-se do clima para vestirem-se ou despirem-se de forma mais adequada e até mesmo despudorada. Praticamente uma pouca-vergonha que enrubesce os mais tradicionalistas nesse quesito como eu. Que a cada dia perde mais adeptos.

Se me perguntarem qual foi a última vez em que frequentei as areias fétidas do município onde resido, ficarei estupefato e durante certo tempo emudecido, pois a resposta me é tão longínqua que o ideal seria que eu dissesse: "Por quem me tomas? Desde quando sou chegado a essas impudicícias da carne?". Mas simplesmente digo que não costumo expor minha bela figura em tais ambientes. Tenho uma tonalidade de pele nada condinzente com a velha máxima de um barquinho ao sol, crianças construindo castelinhos de areia e pessoas saudáveis e felizes sem medo de um futuro câncer de pele. Só sou queimado nas partes menos pudendas que não consigo esconder com as roupas que costumo usar, como o rosto e a parte inferior do braço, ainda assim devido ao não-costume de utilização da burqa que anseio adquirir em algum mercado de rua do Afeganistão, claro que em uma transação virtual.

Mas, falando francamente, não me exponho de tal forma por um motivo específico que poderia provocar risos de escárnio nos canalhas de plantão:tenho pavor à execração pública. Sim, ver-me quase despido em uma praia seria o mesmo que provocar catarse nos presentes. Tenho calafrios em imaginar a reação dos presentes: as senhoras se armariam dos seus guarda-chuvas e me atacariam com eles sem o mínimo de dó nem piedade, as crianças imediatamente seriam instruídas a tampar suas vistas inocentes e pensar no último filme do Shrek, os senhores aposentados continuariam a jogar sua partida de truco levantando as mãos aos céus rogando a Deus que me desse discernimento e se comprazesse da minha alma, as mulheres-frutas e as não tão chorariam amarguradas pelas areias por tal visão bestial, e, por conseguinte, armados de paus e pedras, os moços surfistas insurgiriam contra mim proclamando que o Apocalipse havia chegado. E sem contar que grande parte dos restantes espectadores haveria de frequentar durante longo período os consultórios psicológicos e porque não dizer psicanalíticos, procurando apagar de suas mentes tal espetáculo deprimente.

Devo confessar que, de qualquer maneira, a exposição do meu corpo me provoca calafrios. Sinto-me invadido no meu mais íntimo quando exponho partes desse corpo mal-ajambrado a quem quer que seja. Se eu não fico pelado sob alguma hipótese? Sim, respondo, durante o banho, com a porta fechada, as janelas lacradas e sob o mais absoluto breu. Tenho até medo do que poderei provocar a mim mesmo observando-me como o fruto do pecado de Adão e Eva.

Sendo assim, só me resta rogar ao meu bom pai que me dê discernimento para que eu possa conviver em harmonia com esse castigo divino que é o meu corpo. Que é o único que possuo, ainda que trocado por merda ainda necessite devolver troco substancial. E assim continuo vivendo, fora de todos os padrões estético, incompleto e em busca do essencial que transcenda a feiúra estrutural que ainda será tema de alguma obra de arte ou estudo científico.



Um comentário:

bichodomato disse...

Ah!!! É exagero seu, mas com certeza um pouco mais de mistério e pudor seria muito bem vindo, tudo anda tão escancarado que não tem graça nenhuma;
mas você é lindo assim todo tímido e recatado, é mistério...