domingo, junho 07, 2009

Sobre o Envelhecer




Não aceito as pessoas que tentam minimizar os anos que se passam, como se eles de nada contassem e nós fôssemos imunes aos tempos idos. Envelhecer é assunto tratado de forma equivalente à morte, dois tabus que considero extremamente ultrapassados e delicados. Falar sobre e com a velhice é pisar em ovos adquiridos em promoção no supermercado do bairro. Dificilmente alguém assumirá que a juventude se perdeu em alguma das esquinas ou árvores com quem cruzamos pelos dias decorridos, pelo que não se terá mais. Dirão para aqueles que olham para as cicatrizes no corpo e na alma como uma forma de consolo: És ainda tão jovem, tens tanto a viver, não se deprecie. Envelhecer não é se depreciar, é se assumir como coisa, é saber que o tempo é findo e que a terra está cansada e já não é capaz de produzir coisa alguma, nem mesmo as culturas em que o solo requer menos esforço e insumos agrícolas.


Não confio no elixir da juventude eterna. Que eu me olhe na colher de prata e acaricie em tom de confidência minhas rugas e cabelos brancos. Que eu veja meus olhos e nele assimile o cansaço de ter visto e vivido tantas coisas, algumas doces e boa parte desagradável, atroz. Que eu tenha cansaço nas pálpebras. Que eu tenha os dedos enrugados. Que o meu viço já não seja mais o suficiente para encarar o longo dia de trabalho e que na metade dele eu sente, rode um anel entre os dedos e reconheça as marcas que a vida foi me deixando. Que eu olhe na vitrine e veja em mim a soma de todos nós e do que ainda porventura virei a ser. Que meu saldo ainda seja positivo e que ao tirar o extrato eu não veja números, mas sim reentrâncias. Que me sobre. Que eu seja ainda a sobra, que me esbalde no que fiz e naquilo que me exigi. Que a carne não me seja ainda tão cansada a ponto de colocar a cadeira de praia na areia e, ao olhar o mar, eu diga a mim mesmo que as ondas são o meu futuro. Eu sou o final daquele mesmo oceano, o braço de mar e a beira do rio.


Que eu saiba viver dentro de meu corpo e viver do cálice que cada dia eu me sirvo. Que eu apenas ache graça na juventude e diga que o tempo tudo curará, ou acentuará. Que eu não minta minha verdadeira miséria e saiba dizer sem tom de dores que eu fui incólume. Incólume sei que passei, e nada posso fazer para reverter o que o sol dos quereres antigos não me fez ter e ser. Mas que ao anoitecer eu olhe para o que me fui no dia que se foi e não me castigar pelo como deixei de proceder. Enfim, pois bem, que eu saiba envelhecer. Eu já envelheci e o que me virá apenas me acrescentará. Algumas coisas fatalmente me subtrairá, mas em nada poderei agir, pois meu corpo é uma espécie de matemática ensandecida. Cada dobra que os anos me trouxeram são atestados de benfazejo. Eu me fui, eu continuo e me sendo e ainda me serei pelos anos que me sobram. Mais velho, fato consumado. Mais experiente não sei dizer. Não posso propalar que eu tenho sabedoria, pois a ignorância é meu bem mais precioso. Mas, quando jovem, não poderia me assumir inteligente. Agora, tendo sido jovem e em vias da decrepitude, eu dou-me o direito do riso por ser estapafúrdio.


Posso ter colocado aqui as coisas mais imbecis, mas se me autocensurar nenhuma palavra me será genuína. Só me sou na confusão e no obscuro, sendo assim desculpem-me.


Resumo da ópera: a juventude é rock´n roll e cuba libre, a velhice é Ravel. Cada um que aprecie o que melhor lhe aprouver. Ou o que souber ver.

2 comentários:

Mariana disse...

É...

Denise disse...

Meu dengo que tudo, estava passado aqui por perto e resolvi entrar, me deparo com tantas coisas que me fizeram suspirar,
obrigada por iluminar meu dia
e meus olhos.
Beijão no coração
Gosto muito de você ;)