sábado, dezembro 16, 2006

Esperando Godot



Estragon - Espere! Eu me pergunto se não teria sido melhor que a gente tivesse ficado sozinho, cada um por si. Nós não fomos feitos para a mesma estrada.
Vladimir - Isso nunca se sabe.
Estragon - Não, nunca se sabe nada.
Vladimir - Nós ainda podemos nos separar; se você achar melhor.
Estragon - Agora é tarde demais.
Vladimir - É, agora é tarde demais.
Estragon - Então, vamos?
Vladimir - Vamos.

Esperando Godot foi escrita pelo dramaturgo inglês Samuel Becket em 1949, sendo que suas duas personagens são dois maltrapilhos, Vladimir e Estragon. Eles passam durante todo o tempo da peça embaixo de uma árvore, esperando por esse tal Godot, que não se define bem quem ou o que realmente seria, apenas que ele ou este lhe traria a esperança de dias melhores. Mas ele não apareceu, a espera se tornara infrutífera.
Obviamente que essa peça pode adquirir contornos individuais, e cada um pode interpretá-la de forma individual. Mas a esperança, creio eu, é um valor individual. Todos nós, independente de tempo e espaço, acreditamos em um acontecimento ou pessoa que venha a modificar a nossa pequena vida, e os métodos pelos quais esse fato ocorreria são também únicos. Durante toda a história Godot adquiriu roupagem diversa. Poderia-se dizer que durante o Feudalismo ele se travestiu na promessa do servo que almejava adquirir a sua liberdade e deixar de depender do seu senhor, sem ter de lhe pagar altas taxas e se manter preso a um sistema social arcaico e de papéis sociais bem definidos. Durante a Revolução Industrial Godot apareceu para os operários como uma esperança de salários e condições de trabalho dignas, em que, se não se obtivesse riqueza, ao menos os trabalhadores ganhassem o suficiente para assegurar-lhes uma existência digna. Já durante a Revolução Russa de 1917 se acreditava que Godot (inconscientemente) apareceria com uma nação sem disparidades sociais, em que tanto o jardineiro quanto o alto empresário tivessem os mesmos reconhecimentos e igualdade perante a lei e o governo.
Enfim, o mais interessante nisso tudo é o que esperamos, sempre, durante toda a nossa vida. Sonhos, ilusões, utopias, ideologias, ou simplesmente crenças religiosas. Todas elas tem por fim nos fazer crer em algo. Dinheiro, filhos saudáveis, família feliz, êxito profissional, justiça social, o fim da guerra no Iraque, igualdade entre os sexos, aquisição da casa própria, o tapamento do buraco da rua onde moramos, o reprise na televisão daquele filme que adoramos, aquele produto top de linha na loja do shopping, enfim, nossos desejos são realmente das mais variadas naturezas e nenhum deve ser encarado com pequenez em detrimento de outros. São os sonhos também que fazem de nós ser o que somos, e são eles também que nos mantém, em certo grau, a continuar vivendo.
Eu também tenho o meu Godot, é claro. Quando adolescente, acreditava que poderia usar o meu pretenso talento com as palavras na transformação de uma sociedade mais igualitária, sem tantas desigualdades sociais. Obviamente queria por consequência um rendimento que me proporcionasse uma vida confortável e com acesso aos produtos que almejo ou mesmo necessito. Mas o tempo passa, e muitas vezes a vida nos encaminha por vertentes diferentes daquela que nos moveu anteriormente. Hoje posso dizer que meus sonhos de juventude não se realizarão daquela forma, mas Godot não me desapareceu por completo. Apenas trocou de roupa. Continuo crendo na transformação social através da palavra e dos seus desdobramentos, como popularização da arte e cultura entre os homens, o que viria a torná-los mais cientes do seu papel crítico. E é isso que me mantém, mesmo com todos os pesares. Mas não sei quais serão as minhas esperanças dentro de alguns anos. Mesmo assim, continuo esperando Godot, e, enquanto existir, continuarei colocando mais um lugar à mesa e imaginando o que dialogaremos se ele finalmente aparecer. E você, o que espera dele?

13 comentários:

Anônimo disse...

Não sei bem mais o que estou esperando,só sinto que a tal da espera-NÇA é a mola mestra que ainda move o mundo,apesar de tantas desilusões.
Tem uma frase de um feiticeiro chamado Don Juan personagem dos livros de Carlos Castaneda que diz exatamente o que penso,me lembrei dela agora:
"Não preciso de escoras nem de corrimões.Sei quem sou.Estou sozinho num universo hostil e aprendi a dizer:
Que seja."
Apesar do texto tratar do assunto esperança me veio isso na mente.
Mas tudo bem,vamos nessa,continuemos a espera de Godot.

beijos

O Sanatório Geral disse...

Palmas pra vc mais uma vez, xará!!! Seu lirismo surpreendeu mais uma vez. Realmente, todos nós sempre estamos esperando por algo ou alguém. Mesmo que isso ou este pareça cada vez mais distante. Nos dias atuais, esperamos cada vez mais, vivermos numa sociedade justa; mas ao invés desse nosso Godot chegar, ele nos manda um telegrama (no nosso caso, um e-mail) dizendo que ainda vai demorar para chegar. Mas, enfim... Um dia ele há de chegar; e nesse dia, voltaremos às ruas para comemorar, cantando novamente "... apesar de você, amanhã há ser outro dia..." É só esperar o Godot chegar.

Anônimo disse...

uma pequena possível falha:
Beckett era Irlandês, e não Inglês como você disse.

ArqueiroZen disse...

Olá. Parabéns pelo texto. Estamos pesquisando para a montagem de um espetáculo. Gostaria de contribuir com uma frase de Osho: "Esperança é o outro nome do medo!". Abraço.

Anônimo disse...

O texto é ótimo, bem elaborado.Mas
quando imaginaram Godot significan
do God imagino que deram a senha.
Temos sempre que esperar algo? se
temos vida, Epicuro respondeu mas
não temos é coragem de acreditar,
de viver. Vejam a liberdade das cri
anças, ou daqueles senis. Será o conflito razão x desejo. Será que
esperamos por não ter coragem de de
sejar?...

Anônimo disse...

O texto é ótimo, bem elaborado.Mas
quando imaginaram Godot significan
do God imagino que deram a senha.
Temos sempre que esperar algo? se
temos vida, Epicuro respondeu mas
não temos é coragem de acreditar,
de viver. Vejam a liberdade das cri
anças, ou daqueles senis. Será o conflito razão x desejo. Será que
esperamos por não ter coragem de de
sejar?...

Michele Borges disse...

Eu tbém continuo esperando Godot, "mesmo que o pão seja caro e a liberdade, pouca".

Michele

Luma Pereira disse...

Gostei tanto do seu texto! :)

Invicto disse...

Tenho esperado por Godot por mais de 30 anos, agora chega!
Estou com 49 e vou partir para ação.
Coragem de viver, parar de me esconder, mostrar que posso.
Vou ousar ter fé!

alisson disse...

Muitoo bom, eu adorei seu texto,eu tbm espero godot e nunca deixarei de acreditar que um dia ele chegará como eu espero que cada um de vocês que aki comentaram também não! Abraços!

Anônimo disse...

Cada um interpreta de um jeito. Mas parece que estão esperando por Deus (God)

jadir disse...

Talvez esperando por algo que nao se devesse esperar, mas partir para a açao, se a referencia for God mesmo a propria palavra ora+açao, e nao so' ficar esperando 'cair' do ceu como muitos fazem....

Anônimo disse...

Boa!