sábado, maio 23, 2009

Sobre o Olhar




Quando olho, muitas vezes calo-me, mas mesmo assim digo alguma coisa. Não verbalizo, mas exprimo. Faço, quero, desejo, sou, estou. Olhando digo muitos quereres. Somente eu não, mas todos nós homens e mulheres de boa vontade que precisamos de algo que muitas vezes não sabemos dizer com o uso da palavra, mas que ao piscar é expresso da forma mais sutil. A palavra falta, mas o olhar abunda. Abunda sobre o céu, a terra e em tudo que neles há. Inclusive nós, que desejamos o outro com o olhar. Lascivo, pidão, incipiente, quente, terno, fugaz. Olhamos mesmo quando o que vemos não é do nosso agrado. Olhando com olhares tantos quantos sejam os moradores de nossa cidade. O que tu vês não é o mesmo que vejo eu, sendo que falo das mesmíssimas coisas que aparentemente não tem o porquê de serem vistas de forma diferentes. Mas ser humano também é ver só o que se deseja. O que se espera. O que não se tem. O que se poderá ter em um futuro não muito longínquo. O que são apenas delírios sem o dormir. Ver com olhos de crianças, adultos e idosos. Até mesmo ver com os olhos do animal manso e doce que nos pede carinho. O animal não sabe dizer-nos: Me afague. Mas sabemos seu desejo quando olhamo-nos os dois com cumplicidade.

O amante não precisa muitas vezes dizer que ama, mas ele apenas pisca, com as pestanas em brasa. O ser amado sabe nos olhos contém amor. E quem odeia também não diz, pois dizer seria somente exclamar o que está sendo mostrado de forma muito mais voraz com o olhar. Olho para a câmera que me fotografa como se soubesse que além do corpo estou desvelando a alma com meus olhos. Soubesse não, olhando estou demonstrando que assim sinto. Assim me revolto e assim me condôo por tudo ver e nada poder omitir. Quando vi que poderia ver muito mais do que assim imaginava, me vi vendo o sobejo, o exagero. Exageradamente olho as pessoas procurando em seus olhares o que sejam meus olhos.

Mas olhar não pode ser encarado de forma automática, penso eu na mais muda ignorância que não é expressa na palavra. Até porque o olhar nunca se esgota, e está em ciclo eterno de delicada transformação. O olhar me faz, o olhar faz você, o olhar faz todos nós pedintes de um olhar mais crítico. Eu vivo, portanto vejo. O passante ao meu lado, as árvores, carros, prédios e gatos refastelados na calçada. O que me impressiona não é o simplesmente ver, mas como se vê. A posição que se toma perante o privilégio. Sendo assim, deliciem-se ou doem-se com os olhos. Que tanto pode alimentar quanto nos fazer mais famélicos do que comumente somos.

Talvez no dia em que souber como olhar eu seja mais pleno, mais completo. Talvez eu olhe para dentro com menos acidez e mais doçura.

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