domingo, janeiro 24, 2010

Adágio ao pé na bunda


Mata minha fome de ti, sirva-me os manjares de sabores mais apurados que provém dos seus poros, cheiros e carnes. Traga-me de novo a soberba daquele que deseja o prato em porções fartas. Faça-me preguiçoso ao fazer com que o tempo corra menos em sua presença. E que eu demore alguns minutos para te responder, para que eu saboreie o tom aveludado e rouco da sua voz. Que eu seja lento ao te apontar as pequenas banalidades nossas de cada dia, antevendo sua reação e sempre sorrindo com suas conclusões inesperadas. Que a música de fundo do bar torne-se ainda mais deliciosa e que nossas piores desavenças sejam lavadas ao som de Chet Baker e luzes acesas pela casa. Embeba-me com seus acessos de ciúme e que o calor da sua mão em meu rosto seja apenas o prenúncio de uma tarde saudosa, quando você se vai mas a presença torna-se ainda mais forte. Deixe no forno aquela sua receita de família há anos esquecida, para que eu reclame do tempero em tom de troça e te faça chegar à ira, sendo que depois eu deitarei minha mão sobre a tua e direi o quanto necessito de você.

Você, sempre você, que um belo dia saiu daqui mas não de mim. Não conseguiste tirar da memória os pequenos gestos, as coisas boas e bobas, daquelas que me perguntam onde andará você. Digo, balançando a cabeça, que estás no meu sangue, e mesmo que não o queira ainda permanece, continua. Tal e qual o buraco na parede mesmo após a retirada do prego. Sedento percorro os lugares de antes, sedento da mão que já não me acompanha mais, dos dedos longos e finos que coçavam minha nuca durante o sono. Do vinho compartilhado aos goles, da ressaca programada, do sono adiado, dos dedos vorazes, das línguas aceleradas, das velas agora apagadas. Dos seus humores inconstantes e das músicas cantaroladas no banheiro. Que saudades de você, que falta você me faz, o que foi que você me fez?

Um comentário:

Priscila disse...

adoro vc escrevendo com tanta vida e tanto amor que chega a sufocar-me.