domingo, novembro 11, 2007

Sob efeito de narcóticos


Ao vê-la de longe, comecei a sorrir nevosamente, baixei os olhos e comecei a estralar meus dedos antes de os colocar em forma de concha entre as pernas. Somente eu enxergava essa claridade que me ofuscou a vista assim que se aproximou, e que provinha dessa mulher. Juntava-se à luminosidade que nascia dentro de mim e essa mescla de luzes me fazia cantar mentalmente uma música que me enchia de uma calma avassaladora, como seuma caixa de soníferos me fosse empurrada garganta abaixo. Havia me prometido ser enxuto com as palavras e as medir rigorosamente antes de proferi-las, sob pena de tê-la mais uma vez afastada dos meus olhos. Poderia me portar grosseiramente, se as situações assim apresentadas pedissem tal providência.

O lugar estava vazio, e só me dei conta de que ela havia sentado ao meu lado quando a garçonete colocou sobre as minhas mãos estendidas o cardápio. Não me recordo do que havia pedido para consumir, só me surgem vagas lembranças de que era alguma bebida quente com chocolate de gosto levemente amargo. Não comi nada por receio de me allimentar na sua frente, por medo de me sujar e provocar nela ainda uma pior impressão, como se deixando se saciar a minha fome provocasse nela uma espécie de transgressão de valores a meu respeito.

- Oi, o que você gostaria de falar comigo?

- Nada em especial, apenas senti sua falta. Gostaria de saber de você, como está seu trabalho, seus amigos, livros, discos e tudo o mais. Se não estiver pedindo muito, é claro, não quero ser invasivo, sei que você não gosta de se expor e tenho muito medo de perguntar algo que lhe ofenda. Já percebi que não permites que saibam de você mais do que julga necessário. Mas, olha, eu não te pedi para vir me encontrar porque queira saber da sua intimidade, me perdoe se pensar assim, não foi a minha intenção.

Percebi que havia falado muito além da conta e que as minhas pernas tremiam imensamente, procurava esconder isso dela e tinha a meu favor o fato de que meu tronco mantinha-se razoavelmente estabilizado, por mais que demonstrasse meu nervosismo ao segurar a xícara.

Havia ensaiado o que diria a ela desde que havíamos marcado tal encontro, mas na hora do desenrolar dos fatos geralmente profiro sentenças que nada correspondem ao que havia planejado anteriormente, sendo assim começo a gaguejar e me arrependo de ter sido tão impetuoso.

Mas era tarde, as letras haviam sido golfadas naquela mesa e qualquer deslize meu poderia custar um valor altíssimo para a minha atual condição emocional.

Felizmente sua paciência ainda não havia se esgotado e ela continuava a conversar normalmente comigo. Aliás, de forma convencional demais. Tinha desejo de sacudi-la e dizer: "Pare com esse teatrinho de fingir que nada está acontecendo e que você não percebeu! Tu sabes que me tens nas mãos e que pode me aniquilar com um leve toque entre seus dedos. Não vês quanto sofro por sua causa?". Mas se assim agisse ela simplesmente balançaria a cabeça, mudaria de assunto e internamente me odiaria ainda mais. A mim restaria acender mais um cigarro e lutar insistemente para que a fumaça não encubra ainda mais a minha visão em relação a ela.

E me dizia amigavelmente tudo o que supostamente havia perguntado. Mas na verdade vos digo que não estava muito entretido com as notícias e pormenores da sua vida, apenas buscava observar sua imagem, gestos e palavras, tentando reter o máximo possível na minha memória, para que aquele momento único não se perdesse nos dias seguintes em que sua presença haveria de ser apenas uma saudade alucinante que invadiria meus sentidos e se transformaria em dor física. Pensava da seguinte maneira: "Agora já não tem mais volta, darling, já estás dentro de mim, invadiste sem querer todos os meus recantos profundos e neles fizeste uma maravilhosa anarquia de sentimentos e sensações. Mesmo que eu tenha plena consciência de que para você nada significo, já moras aqui dentro, no grito contido e no silêncio abafado, nas madrugadas insones e nas tardes calorentas, nos momentos de lucidez e nas devaneios desvairados. E isso vai se perpetuar, mesmo que em episódios fragmentados, enquanto resistirmos nessa vidinha medíocre que nós dois temos. Me fizeste descobrir a paixão e o seu desespero, mesmo que tenha sido tão vítima quanto eu nesse emaranhado de vibrações."

E os minutos iam passando, ambos monossilábicos em alguns momentos, enquanto nos restantes havia muita coisa a ser compartilhada. Sentia-me imensamente contente por ser confidente destes detalhes dela que possivelmente poucos sabiam. E ainda um leve torpor invadia-nos, os dois muito polidos e sensatos.

Até que chega o momento da despedida: "Bom, tenho que ir, me desculpe, foi muito bom te rever, espero que fiques bem e te cuides". Agradeço de forma cortês, e me permito um ato de euforia sem o consumo de psicotrópicos. Agarro sua mão direita entre meus dedos, toco-o levemente e com meus dedos indicador e polegar acaricio suavemente sua palma, e digo, levantando meus olhos e sorrindo infantilmente: "Gosto tanto de ti...Sabes disso, não?"


2 comentários:

Anônimo disse...

Olha eu di novu aki...
lindo amei.
beijãooooo

Unknown disse...

oi, ed.

cada vez que te leio penso no despir-se de uma alma, que busca repouso, paz e tranquilidade.
Encontrarás quem o deite na relva e o envolva com ligeira doçura e nine com ternura.
Não mantenha essa sensação melancólica...
se cuide.
beijos