domingo, maio 17, 2009

Sobre a Palavra


- Ei, Dindi, o que tanto você coloca nesse pedaço de papel?

A caneta caiu no chão e fiquei com a mão pendente no ar. Como poderia responder-lhe se nem ao menos eu tenho tal resposta? Tirei os óculos e coloquei-os cuidadosamente sobre a mesa de centro. Teria que me despir e me aventurar por mares desconhecidos se quisesse dar continuidade ao assunto. Durante algum tempo abria a boca mas dela não saía som algum. Uma espécie de atordoamento havia se apossado de mim e anestesiado fiquei naquele ambiente, claro e silencioso. Estralei os dedos em sinal de nervosismo e uma saliva amarga se alojava entre os dentes. Meus batimentos cardíacos se aceleravam e uma força do que a que supunha ter se apossara de mim:

- Acho que escrevo simplesmente porque não choro mais. Já há tão longo tempo que não choro mais por me ser, mesmo que seja de alegria por sobreviver apesar dos pesares. Vivo de olhos baixos, mas quando os levanto o sol continua brilhando, as pessoas passam apressadas ao meu redor, os prédios continuam cinzentos e os músicos contando moedas nas praças. O mundo está aí, girando sem cessar, a roda incessante rodando e rodando independente do meu piscar para observá-las. Crianças nascem, moribundos falecem, flores desabrocham, casais se desfazem e batem as portas dos apartamentos com revolta, as ondas continuam batendo nas rebentações, bancários autenticam documentos, idosos consomem e passeiam nos supermercados, adolescentes riem e se beijam, vizinhas fofocam, torcedores matam e morrem por seus times e tudo o mais acontece durante as vírgulas em que pontuo as frases. Mesmo que eu não existisse, nada seria modificado. Quando cheguei aqui, a sorte já havia sido lançada e os jogadores dispunham as suas armas nas apostas. Quem tem de se adaptar sou eu, e não os outros. Enquanto alguns apalpam as paredes, eu toco na caneta e olho a esmo procurando algo com o que preencher essas linhas. Se algo nisso tudo é válido será consequência do que está sendo dito agora, ou mesmo do eco das coisas passadas, das gaivotas em meio aos faróis. Eu só quero um lugar na engrenagem, ali mesmo onde existe aquele espaço vazio e macilento. Mais um amanhecer, outro dia, mais uma mão e um sorriso, chaminés de fábricas, boinas, tangos e elevadores. Sapatos e cactos. Água sem gás e mármores nas bancadas dos zeladores. Tulipas e telhados. Gaudi e Tarkowski. Televisão e poesia. Camisetas e portas. Gravatas e gritarias. Britadeiras e buzinas. Não me pergunte mais pois o gosto de vômito permanece na boca. Em mim mesmo e em todas as outras coisas. Feche as cortinas. Os olhos. A alma.

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